Sexta Sei: Entre silêncios, “Talvez um dansa” na música inventiva do mineiro Rafael Macedo

Terceiro álbum do  cantor e compositor chega pela Rocinante Gravadora, especialista em “chá dansante”

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

RafaelMacedo em fotos de Isis Medeiros

Nesta quinta (20), chegou ao streaming o terceiro álbum do cantor e compositor mineiro Rafael Macedo, 42 anos,  “Talvez uma dansa”. O artista, de Belo Horizonte, é conhecido por suas formas minuciosas e ousadas de arquitetar acordes. O lançamento é da gravadora Rocinante, que sempre serve o melhor “chá dansante”, como no álbum “Brejo das almas”, do trompetista José Arimatéa, e o derradeiro do maestro Letieres Leite, com a Orkestra Rumpilezz, ‘Moacir de todos os santos”, que passou resenhado aqui pelas página. Além de ser vanguardista e talentoso, Rafael se revelou um dos últimos gentis em agradável bate-papo, que começou pelo chat do Instagram, quando se mostrou interessado em talentos juiz-foranos, como Nara Pinheiro e Duo Nascente, e continuou por e-mail.

O álbum, belíssimo e instigante, é “uma convocação a um mergulho nesse incessante movimento de tudo que vive”, como me disse, pelo e-mail, “um misto maravilhoso de ilusão e alusão”. Também falamos do silêncio que precede toda música e fascina o artista e foi tema de seu álbum de estreia. “O silêncio antecipa a música, cria, dentro dela, camadas, é a música, e ainda se presentifica depois que ela cessa”, me explca. Falamos ainda de Marielle Franco e do poder de sua mensagem que ainda ecoa. Um papo daqueles, para um álbum que alugou apartamentos na mina cabeça esta semana e ouvi à exaustão.

Moreira – Danza, do título do álbum, é do provençal antigo? De onde veio a ideia do título do álbum? O trem da faixa que dá título ao álbum lembra o “O Trenzinho do Capira” de Villa-Lobos tendo um breakdown no tempo das timelines, né? Fala mais dos “timbres acústicos, inusitados, incomuns”, como definiu o pianista Benjamim Taubkin no texto de apresentação do álbum?

Rafael Macedo –  A palavra dansa com o “s”, ao invés do “ç”, vem de um argumento da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, que diz que a cedilha é uma letra sentada. Depois me lembrei que Guimarães Rosa também era adepto da grafia. Me interesso muito por isso, não só porque as palavras que intitulam uma obra artística propõe quais os tipos de sentido que as pessoas poderão imprimir àquele trabalho, como também podem gerar um impacto visual específico; nesse sentido, acho simplesmente mais bonita a reunião de letras em que o “s” está incluído no lugar da cedilha.

A ideia do título vem do meu alumbrado amor pelo mistério da vida… Mais precisamente, poderia dizer que vem do meu assustado amor, já que é assustador [não] apreender a grandeza e infinitude desse mistério – somos cercados por uma quantidade incontável de galáxias. E mais ainda, se é que é possível, quero abarcar,  no título, e no que traz em sons e sentidos o LP, uma convocação a um mergulho nesse incessante movimento de tudo que vive; da gota que cai da folha, ao corpo que abandona o mundo; do tempo que dansa inexoravelmente, ao silêncio, impávido e ao mesmo tempo impossível. Tudo é movimento, disse o pessoal longínquo. Mas, como não sou afeito a margens muito absolutas, usei o “talvez”. assim como noutro momento usei, no primeiro álbum, o termo “quase”.

No texto do encarte do LP, usei pequenas citações de poetas e artistas que admiro e que criam, comigo, simbolicamente, um tanto do que traz esse título.

Moreira –  O álbum foi dividido em Lado A e Lado B, próprio do formato vinil, em dois movimentos. É uma tentativa de nos fazer voltar ao passado, a um outro tempo da escuta? Como disse o mestre Paulinho Boca de Cantor, “o tempo tá passando, ligeiro demais”… Ou, como você questiona em seu tuíter, “ainda existem pessoas que escutam música sem ser quando lavam louça?”

Rafael Macedo –  Fui permissivo a uma quantidade razoável de emoções até chegar à separação das faixas em dois lados, assim como fui a receber bem a ordem definitiva – contando sempre que há uma limitação de tempo que precisa ser levada em conta. Talvez a escolha final só se dê porque gosto de me amparar numa frase de Georges Perec, escritor francês, que diz que “o que não está ordenado de um modo definitivamente provisório o está de um modo provisoriamente definitivo.” Então é isso, por ora, essa ordem é a definitiva e pode ser que assim permaneça.

Tentei alcançar uma ordem que fizesse a pessoa se sentir envolvida num fluxo, numa rede de movimento e repouso que pareça ser intrínseca àquela cores, palavras e afetos. Algo que pareça não poder ser diferente. É uma vontade de ser mágico e convidar quem ouve a ser seduzid@ através de uma ilusão. O som é um misto maravilhoso de ilusão e alusão. Parece que se refere a algo, mas é apenas ele, por um lado; parece que é só ele, mas está historicamente sempre referenciado a alguma coisa externa a ele: a uma memória de lugar, de uma pessoa, de uma árvore no meio do nada e por aí vai…

Moreira –  Acho muito interessante como você sempre está falando sobre o silêncio em seu trabalho. No vídeo de divulgação de “Átimo”, você fala em um silêncio pedindo pra ser ouvido. Você extrai musicalidade do silêncio? Seu primeiro álbum, inclusive, se chama  “Quase em Silêncio” (2009)…

Rafael Macedo –  Pensemos no famoso “tchan tchan tchan tchan” do tal Beethoven, ótimo diagramador de bolinhas pretas no papel…Consegue excluir a força que tem o silêncio dentro desse negócio que o camarada rascunhou obcecadamente? Não, não há como. O silêncio antecipa a música, cria, dentro dela, camadas, é a música, e ainda se presentifica depois que ela cessa. É um jogo erótico completo e complexo, mas que resume, para mim, a coisa da música [humana]. Ou, ao menos, parte muito significativa da música feita nesse planeta.

Aliás, temos que andar logo com essa coisa de conhecer outros planetas, conseguindo deixar o Elon Musk fora dessa, claro. Não só como um modo de o homo sapiens extirpar daqui sua estupidez arrogante, mas também pra gente entrar noutras paragens em relação ao que se pode nomear música. Espero que eu ouça e/ou sinta isso aí, seja como e de onde for…

Moreira – “Duas Canções” toca “na ferida ainda não cicatrizada de Marielle e Amarildo, e no nosso pesadelo de todos esses últimos anos”, diz Benjamim Taubkin. É muito importante falarmos de Mariele, né? Como dizia Gonzaguinha, “já não dá mais pra engolir”…

Rafael Macedo – Falarmos, fazermos sua vida permanecer entre nós, suas palavras, ideias e tudo o que ela trouxe de forma tão emblemática é o mínimo que sinto que deve ser feito por nós que permanecemos viv@s. O trabalho coordenado pela irmã dela, no Instituto que leva o nome da Marielle, é uma coisa importantíssima e precisa do nosso zelo, apoio e da nossa contribuição, incluindo a forma financeira de fazer isso. O livro em homenagem a ela vai ser lançado dia 27 deste mês, por exemplo. Marielle, dentro de um país de histórico tragicamente escravocrata e imerso num racismo estrutural é, pra mim, uma coisa inquestionável, de suma importância.

Moreira – Falamos no nosso papo pelo chat do Instagram como eu curti o look com essas bermudas meio pantalonas… Dá uma rejuvenescida na forma do discurso? Qual foi a ideia? Adorei…

Rafael Macedo – Gosto da ambiguidade e do movimento dessas roupas. Adoro saias, adoro meias femininasalém de ter sido criado ao lado de e por uma mulher. Isso tudo vem modelando meus desejos, tanto de existir quanto de me vestir. Mas não, não gosto de rejuvenescer, não só porque não estou “velho”, mas porque gosto de ir onde o tempo me leva. Sou ele e, ao mesmo tempo, fruto dele; não posso sair para fora do tempo para ir noutra direção. Esse negócio de ter 42 anos tem me dado um tanto de alegria e cá entre nós, não há como negociar com o tempo, então eu nado, nado, nado…não sei se rumo ao nada; creio que não. Mas, nado, porque parar – como disse o meu colega de signo solar – ele não pára…ó, passou, viu?

Abaixa que é tiro!💥🔫

Sexta que passou, esteve por aqui, nas duas playlists sextantes, o single de estreia do músico, cantor e compositor paulista Gabriel Milliet (Matraca Records), a poética e tocante Silêncio Brutal”, que me marcou tanto que volta hoje., comentada. A faixa é a ponta de lança de seu álbum de estreia, que está vindo aí, e começou a ser composta em outubro de 2019, num porão/estúdio em Amsterdam (Holanda), e foi gravada em abril de 2022, com Gabriel já de volta ao Brasil. E essa demora fala também sobre uma outra relação com  o tempo que o seu trabalho instiga,  e também o espírito de crônica e contação de histórias. Dedicada para a cidade natal de Gabriel, São Paulo, “Silêncio Brutal” é uma canção-carta, é uma chamada interurbana entre o outono silencioso dos países baixos e o silêncio caótico dos apartamentos paulistanos, com viradas de bateria e longas distâncias melódicas no refrão. Me deixou bem intrigado pro álbum, que venha aí. Gabriel Milliet é ex-integrante da banda Memórias de um Caramujo.

Gabriel Milliet por Biel Basile

Depois do samba “errado” do branquelo doido do meu amigo Rohma, o “Samba Sblagiato” , veio aí o “xote germânico”, “Nichts tut mehr weh” (Nada dói mais), do alemão Michael Kraemer, radicado em Florianópolis (Sc), o segundo single de “Zwischen den Jahren”, seu álbum de estreia, previsto para setembro próximo. O  alemão está radicado há 17 anos no Brasil. “A letra foi inspirada em uma viagem que fiz, aos 19 anos, para a fronteira entre Noruega e Suécia, para remar numa região com vários lagos no meio das montanhas. Nela, falo sobre a certeza de estar no caminho certo, apesar dos pequenos desvios. A música acabou virando um xote. E o videoclipe, gravado em Urubici (Serra Catarinense) e na Lagoinha do Leste (Floripa), adapta algumas memórias dessa antiga viagem, e reúne alguns objetos que foram usados nela, como bússola e o mapa”, explica Michael. 

Hermínio Bello de Carvalho celebra seus mais de 70 anos de carreira, foto de Matheus José Mar
Com Alaíde Costa por Philippe Leon
Zé Renato por Philippe Leon
oyce Moreno
Marcos Sacramento
Paulinho da Viola

Parceiro de Cartola, Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola e Pixinguinha, letrista de choros de Jacob do Bandolim e cantado por Chico Buarque, Elizeth Cardoso, Elza Soares, Gal Costa, Ney Matogrosso e uma infinidade de outros nomes da música brasileira, o escritor, compositor, letrista, poeta, apresentador e produtor Hermínio Bello de Carvalho, 88 anos, celebra seus mais de 70 anos de carreira com o lançamento do álbum “Cataventos”, pelo Selo Sesc. O volume traz sambas, sambas-canção e uma valsa em 15 faixas, sendo 12 delas inéditas, ao lado de novos e antigos parceiros:  Alaíde Costa, Alfredo Del-Penho, Ayrton Montarroyos, Áurea Martins, Gabi Buarque, Giulia Drummond, Joyce Moreno, Maria Bethânia, Marcos Sacramento, Paulinho da Viola, Pedro Miranda, Pedro Paulo Malta, Vidal Assis e Zé Renato. Abrindo e fechando o trabalho, tem a voz da atriz Fernanda Montenegro na leitura de dois poemas. Um triunfo, jovens, um triunfo. Entre as inéditas, destaque para Louva-a-Deus”, parceria com Vidal Assis e Luis Barcelos na voz de Joyce Moreno e Alfredo Del-Penho, e “Só se for agora”, interpretada pela cantora Alaíde Costa.

Foto: Cacá Meirelles

Já tem semanas que tenho usado “Beijando todos vocês” como bordão em e-mails e conversas, inspirado pela doce e deliciosa canção que abriu os caminhos do álbum “Néktar”, o quarto da carreira da diva intelectual Ava Rocha, filha de Glauber que encanta mais uma vez. As capas dos álbuns são sempre impactantes e carregadas de simbolismos, desde a estreia com as cabeças da artista decapitadas de Tunga em “Diurno”, em referência ao filme “Cabeças Cortadas” (1970), de Glauber. Desta vez, sua cabeça é conduzida por uma mão em direção a uma taça com um olho, em clima quase boschiano, na imagem mais uma vez assinada pela artista plástica Maíra Senise, que criou as capas de “Ava Patrya Yndia Yracema” e “Trança”, dessa vez em parceria com o arquiteto americano John Yurchyk. O álbum foi produzido pela dupla de craques formada por Jonas Sá e Thiago Nassif, que também fez o excelente álbum de Rohma, “@rroboboy”. O resultado é um disco apaixonante, sexy, mágico e profundo, “desbundante, néon, feminino e transcendental”, “banhado em líquidos, que inundam corpo e coração”, como avisa o release sobre esse álbum quase inteiramente tecido pela composição de Ava, que teve com parceiros Negro Leo, seu companheiro de vida, Saulo Duarte, Iara Rennó (sempre causando), Jonas Sá e Thiago Nassif.

Capa por Maria Senise
Jean Michel na Unbox
Ballroom por Natalia Elmor

Paranaense de Londrina radicado em Juiz de Fora desde a infância, Jean Michel expõe “Acrílicas”  na Unbox, na Rua São Mateus 1104, até 16 de agosto. Seu trabalho interessante mescla expressionismo, impressionismo e realismo. O homem também é arquiteto de formação, guitarrista e boa praça, papeamos na abertura da expo do Stain no mesmo espaço.

O Brasil é esse país maravilhoso que se mistura com o Egito e é capaz de fazer o mix inusitado do ballroom com a tradicional festa julina, em evento que rola neste sábado (22), às 16h, na Praça Céu, na Avenida Juscelino Kubitschek, em Benfica. O Arraiá Ball 🔥  é uma produção do coletivo Ballroom Kunt JF, o terceiro post mais acessado do ano 3 aqui da Sexta Sei. 

No sábado (22), às 14h, rola a última etapa do retorno do mais do que tradicional Festival de Bandas Novas, de Adriano Polisseni, no Parque Halfeld, com 37 bandas, comemorando 25 anos de história.

No Maquinaria, em São Mateus, sempre às 21h, tem  shows com as bandas Libertà e Broken Gate, com sonoridades entre o stoner e o grunge, na sexta (21), e Alice Santiago, Renato da Lapa, Eduardo Yroxe e Chico Cabral, no sábado (22).

As bandas Tatá Chama e as Inflamáveis e Roça Nova fazem show nesta sexta (21), às 21h, no Beco.

A banda que eu gosto ETC faz show nesta sexta (21), às 22h, no Cultural.

O projeto Samba nas Alturas 360° estreia neste final de semana, sábado e domingo (22 e 23), às 13h, no Pátio Mirador, com Grupo Alquimia e convidados (22) e Samba de Colher e Grupo Glicose (23)

Se liguem que, na segunda, conto tudo sobre a festa de três anos da página.

Playlist com as novidades musicais da semana. Todas as playlists do 2012, 2021 e 2020 nos links.

Playlist de clipes com The Chemical Brothers, PVRIS, Dorian Electra, Nathy Peluso, Karol G, Yemi Alade, Royal Blood, Carlos do Complexo , Jon Batiste, Residente, Billie Eilish, FBC, R.E.M (The Bear Edit), Julia Branco,  Pedrosa, Dornelles + Bonde das Bonecas + DJ RaMeMes, Diego Bragà e Renan da Penha + Puterrier + Almir Delas

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