Sexta Sei: A música cristalina e instrumental do Duo Nascente desafia a era das dancinhas de TikTok

Dupla formada pela violonista Bia Nascimento e pelo vibrafonista João Cordeiro lança hoje bom EP com composições da nova geração de músicos juiz-foranos

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Fotos: Marina Costa

Chega hoje às plataformas digitais o lindo EP de estreia do Duo Nascente, autointitulado, do projeto instrumental juiz-forano criado pela violonista Bia Nascimento, 32 anos, e pelo vibrafonista João Cordeiro, 38, que já tinham sextado aqui com o single “Água de Nascente”, quando explico como funciona um vibrafone. O EP traz cinco composições que mostram a força de uma nova geração que pensa a música para além das salas de concerto, com faixas assinadas por bons compositores da cidade, como Dudu Costa, Juliana Stanzani, Daniel Lovisi, Leandro Domith, Caetano Brasil e a própria Bia Nascimento.

Batemos um papo, por e-mail, para falar de como a formação é inusitada com esse belo encontro do vibrafone com o violão, ambos instrumentos, simultaneamente,  harmônicos e melódicos, e da relação com a água, esse “toque azul e leve”, nas aspas da Bia. Falamos também da valorização dos compositores locais e do EP solo de Bia, “Brasa Cor”, que chega em setembro, e dos desafios de se fazer música instrumental em tempos de dancinhas de TikTok.

Moreira – O projeto de vocês é muito bonito e surpreendente, desperta delicadezas na gente. Como surgiu a ideia? Muito inusitada a formação…

João Cordeiro – Tudo começou em 2017, quando eu comprei o vibrafone. Pesquisando sobre o instrumento, encontrei alguns vídeos do vibrafonista Arthur Lipner tocando com o violonista/guitarrista Nelson Faria. Fiquei impressionado ao ouvir a sonoridade do vibrafone com o violão e logo decidi que queria formar um duo assim. A primeira pessoa que me veio à mente foi a Bia Nascimento, violonista que já conhecia há um tempo, mas com quem nunca havia tocado junto. Nós estudávamos música na UFJF na época, então, entre uma aula e outra, fiz o convite à Bia, que topou na hora.

Bia Nascimento – A partir desse momento, já fechamos o repertório ali mesmo e marcamos ensaios semanais. Acho que ensaiamos quase um ano até marcarmos nosso primeiro show.

Moreira – Toda essa magia do EP se deve ao vibrafone? Como é o uso desse instrumento? Temos mais exemplos de grupos e outros artistas usando? Como é o acesso para se aprender a tocar? Encantador demais.

João Cordeiro – Na verdade, não. A magia está na junção dos dois instrumentos. O vibrafone, por ser um instrumento harmônico/melódico (assim como o violão), já é muito explorado em trabalhos solo. O diferencial desse duo é justamente a junção desses dois instrumentos que sozinhos já soam “completos”, mas que são pouco explorados nessa formação específica.

No Brasil, existem excelentes vibrafonistas, como Lourenço Vasconcellos, Natália Mitre, Fred Selva, André Juarez, Gabriel Peregrino, dentre vários outros nomes. Na maioria dos casos, o estudo desses instrumentos de teclados percussivos (também chamados de “barrafônicos”), no Brasil, acontece nas universidades, nos cursos de percussão sinfônica. Porém, por não haver tal curso em Juiz de Fora, fui autodidata no instrumento, contando com a ajuda do amigo Tiago Calderano (percussionista da UFRJ), que sempre tira minhas dúvidas.

Moreira – É muito importante o projeto valorizar compositores de Jufas, como Dudu Costa, Juliana Stanzani, Daniel Lovisi, Leandro Domith, Caetano Brasil e a própria Bia Nascimento. Contem mais sobre o trabalho desses parceiros e de como foram esses encontros com o Duo Nascente.

Bia Nascimento –  Juiz de Fora sempre teve uma cena muito forte na composição, né? É muito marcante, na minha história o Encontro de Compositores, aquele movimento me proporcionou conhecer muita gente e aprofundar relações com muitos músicos de Juiz de Fora. A Matilda, por exemplo (meu primeiro trabalho) começou lá. Isso em 2009. Nós frequentávamos muito o Encontro e acabamos formando um grupo de amigos dessa época, como Juliana Stanzani, Dudu Costa e Daniel Lovisi. “Olho d’agua” eu vi nascer, numa viagem que fizemos todos juntos pra Ibitipoca no ano novo de 2010, se não me engano. Estávamos todos na cozinha da casa quando o Daniel começou a tocar as primeiras melodias da música. Ju e Dudu sentaram perto e começaram a fazer a letra ali mesmo. A partir daí, essa música sempre esteve por perto. Eu já tocava ela com a Matilda por muitos anos também. E aí, quando veio o Duo… Nós temos essa relação do Nascente com água, né? Talvez pela sonoridade do vibrafone, que tem um toque meio azul, leve… Por acaso o João também já havia tocado no projeto do Daniel Lovisi e achamos que tinha tudo a ver com nosso repertório e com o que a gente queria transmitir. Pra mim, é muito importante tocar música dos meus amigos, além de achar chique (hahahah). Acho que a gente se fortalece quando nos ouvimos, além de fortalecer a cena juizforana que eu acredito demais! Também tem “Bia no Choro”, que o Caetano Brasil fez pra mim. Aliás, essa música mudou minha vida e, por isso, eu quis muito gravar nesse EP. Caê compôs ela em 2015. Um dia a gente se encontrou na rua por acaso e ele me convidou pra tocar algumas músicas dele no Encontro de Compositores. Eu topei, claro. Nós ainda não tínhamos tocado juntos assim, eu e ele. Aí chamei ele pra ir na minha casa me mostrar as músicas… e eu ainda não sabia ler! Então precisava decorar, tava muito nervosa. O Caetano chegou na minha casa com “Bia no Choro”, eu quase tive um troço! Demorei um dia inteiro pra conseguir tocar a música, justamente porque não lia. E o Caê muito generoso ficou o dia todo me ensinando. Foi depois desse presente que eu pensei “preciso estudar música!”. A partir disso, mudei todo o direcionamento da minha vida, chamei o Caetano pra estudar choro comigo (entendi o recado), fiz transferência do meu curso de Artes pra Música, fiz alguns cursos de choro no Rio e foquei completamente na música a partir daí. Ou seja, se não fosse essa música, talvez eu não estaria aqui, agora, dando essa entrevista e falando sobre esse EP Duo Nascente. Agora, o Leandro foi mais certeiro. Nós fomos pedir alguma dele pra gente ouvir e escolher pra colocar no repertório do disco, e ele na hora se prontificou a compor pra gente “Água de Nascente”. Ficamos muito felizes com isso. Acho que, quando alguém faz uma música especialmente pra gente tocar, é uma generosidade, uma entrega, um carinho, respeito sem limites. Quase sem palavras.

João Cordeiro – É sempre bom trabalhar com compositores que estão perto da gente, principalmente quando são amigos nossos. Rola uma troca direta, uma relação de proximidade que faz com que fiquemos mais íntimos das músicas, e isso reflete diretamente na sonoridade final do trabalho. É um privilégio termos amigos tão talentosos e generosos ao cederem tão belas obras para o nosso EP.

Bia Nascimento com o visua do single “Brasa Cor”. Foto: Felipe Saleme

Moreira – Bia está preparando o lançamento de um EP solo , “Brasa Cor”, para setembro. O que podemos esperar? João também tem projeto solo, quais os planos?

Bia Nascimento –  Isso mesmo! O EP “Brasa Cor” sai em setembro e, em agosto, já tem um novo single, no dia 19.  Esse trabalho é muito importante porque marca uma nova fase das minhas composições que, aliás, pela primeira vez, tô divulgando minhas composições instrumentais. Eu vim da canção, compus muita canção na Matilda, por exemplo. E, em setembro do ano passado, também lancei “Azur”, uma composição minha com letra da Tassiana Frank. E, ali, eu já sabia que era um pouco a despedida da minha fase canção… Eu já tinha algumas composições instrumentais na manga… E consegui organizar cinco pra esse EP “Brasa Cor”, que são músicas muito especiais pra mim, todas feitas nesse processo pandêmico, a partir de 2020. E é um trabalho feito na garra, independente, que tive a honra de contar com grandes amigos como o Guto Gomes (quem me gravou) e o Leandro Scio (baterista). Eu pretendo, com esse EP, marcar essa minha fase, o meu momento de agora, das minhas composições, a Bia de 32/33 anos com suas dores e delícias… Porque eu sei que, daqui um tempo, eu já vou ser outra, então virão outras músicas, de outras formas, mais maduras ou não, mas uma Bia que eu ainda não conheço e talvez essas composições de agora não farão mais sentido pra Bia do futuro, entende? Então, assim que passou essa maré de composição (2020 até então), eu já tratei de gravar tudo logo pra contar minha história de agora e registrar esse momento. Acho que é uma forma também de esvaziar para encher de novo. O plano agora é lançar e montar um show com essas composições junto com o Leandro, baterista que abraçou esse projeto.

João Cordeiro –  Sou bacharel em composição musical e meus trabalhos são voltados para a música eletroacústica contemporânea, na qual se explora muito os ruídos diversos que encontramos por toda parte. Alguns trabalhos encontram-se nas plataformas digitais.

Moreira – Quais são os principais desafios de se fazer música instrumental, hoje, no Brasil? Jufas tem tradição na área, com nomes como Dudu Lima, Kim Ribeiro, Márcio Hallack, Big Charles, Estevão Teixeira, para citar alguns de quem sou fã, a geração de vocês está renovando essa vocação? Outro dia, vi Bia tocando em frente ao Cine Theatro Central com Caetano Brasil e vi o impacto que causa nas pessoas…

Bia Nascimento –  Eu acho que a música instrumental acessa um lugar nas pessoas que transcende as emoções. É bonito, mas talvez esse seja o grande desafio, porque nem todo mundo por aí tá afim de acessar e lidar com as emoções. É muito mais fácil fazer dança no TikTok, fazer um refrão que seja vendável… afinal, somos todos refém da máquina capitalista, não é? Isso deixa a música instrumental um pouco à margem, talvez… A gente precisa de outra atenção, que é um pouco na contramão do que tem acontecido. E tá tudo bem também!  Eu, que vim da canção, vejo a diferença que é entregar uma música com letra e uma sem pras pessoas. Porque a com letra (eu amo também, tá?) já tá explicita. A mensagem tá ali, tá dita. A instrumental é meio que eu te entregando uma história e você, com a sua interpretação, me ajuda a colorir e pintar essa história junto comigo. Uma outra coisa que sempre me inquieta são também questões políticas em volta disso. Agora é lenha na fogueira, tá? Mas suspeito que a música instrumental, infelizmente, é um pouco classista. Isso me deixa bem triste e me faz questionar muito tudo isso, dos porquês, poréns, de como mudar etc…. Aí, quando vai eu e Caetano pro meio do calçadão, em frente ao Central, centrão de JF, em pleno sábado meio-dia… Eu vejo que a gente rompe um pouco essa barreira. Acho que devemos ocupar sempre e tudo, sair das nossas bolhas, porque tem muita gente afim de ouvir mas também tem muita gente sem acesso. Isso é papo pra lá de muitas horas.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Foto: Bárbara Vale

Eu fico sempre feliz de conhecer artistas queer fazendo trabalhos desafiadores e questionadores do estabelecido, como o do cantor e compositor paraense RAWI, que acaba de lançar clipe para a canção “PinkNCSJ” e tem, como nickname, no Instagram, “Arte de Bicha”. Ele é de Santarém e faz pós-punk amazônico. 

“PinkNCSJ”

A faixa bebe da fonte de estilos tão diversos quanto o tecnobrega e o boombap, o drum n’ bass e o reggaeton, e leva a gente direto pro disco de estreia do artista, o maravilhoso “Facão que abre os caminhos”, lançado em julho de 2021, com álbum visual e tudo, aonde eu tava que não tinha visto? O disco mostra versatilidade na mistura de ritmos, como carimbó, rock, brega, pop e eletrônico, em composições do artista com o produtor musical Andrew Só.

Depois de 25 anos sem lançar disco, o genial Benito di Paula nos presenteou, em novembro passado, com o bom disco “O Infalível Zen”, em parceria com o filho,  Rodrigo Vellozo, no dia de seu aniversário de 80 anos. Sou viciado em “Um piano no forró”. Cresci ao som desse LP aqui, e a promessa de que “tudo está no seu lugar”. Acho que são as minhas lembranças musicais mais antigas, ao lado desse disco, “No pagode”, da Beth Carvalho.

Pai e filho dão continuidade às comemorações com um songbook que traz relevantes nomes da música brasileira em releituras de clássicos de Benito, como “Proteção às Borboletas” (Teresa Cristina) e “Se Não For Amor” (João Bosco), que passaram aqui pelas playlists, apresentadas previamente como singles. Agora, acaba de  sair um EP, “Madrugada”, com mais  versões de Mariana Aydar (“Do jeito que a vida quer”, composta em homenagem a Ataulfo Alves) e Demônios da Garoa, Rodrigo Campos e Rodrigo Vellozo (Madrugada, gravada originalmente por Jair Rodrigues). Salve Benito! A versão completa do songbook chegará ainda este ano, com nomes como Criolo e Juçara Marçal já confirmados.

Capa e ccontracapa por Júlio César

A multiartista mocoquense Anná lançou, essa semana, o seu segundo álbum, o bom “Brasileira”, uma viagem no tempo da produção musical do Brasil, tendo o o samba como fio condutor. Tem regravações do “Rito de passá” de MC Tha, com participações de Dessa Brandão e Souto Mc, e de “Valdineia”, de Riachão, com Luana Flores. Flaira Ferro participa de “Ô ano doido”. Seus trabalhos anteriores, o disco “Colar” (2020) e o EP “Pesada” (2017), trazem o que ela chama de música de colagem”, na qual se desprende dos gêneros em levadas alternantes. Além de assumir o samba como foco, ela abraça a força dos samplers digitais, beats e um certo tom pop.

Mateus Aleluia faz show transmitido pelo Youtube do Itaú Cultural
Orquestra Sinfônica Pró-Música. Foto: Fernando Itaborahy
Maestro Victor Cassemiro. Foto: Fernando Itaborahy
Miguel Mendes e Tomás Brandão, a dupla Pachka. Foto: Will Souza
Rael no Cultural
Pedalinhos de volta ao Museu Mariano Procópio
"Marighella"

Seu Mateus Aleluia faz show na Sala Itaú Cultural com transmissão simultânea para todo o país, pelo YouTube, hoje, às 20h, dentro do projeto “O afrobarroco em palestra musical – canto dos recuados”.

Sil Andrade faz show, neste sábado (23), das 11h às 13h, na Rua Halfeld, no Espaço “Recuo da Bossa”, que ocupa desde 2015, com voz e violão.

Depois de dois anos sem apresentações, a Orquestra Sinfônica Pró-Música faz o concerto “Trilhas Sonoras”, sob a batuta do maestro Victor Cassemiro, no domingo (24), às 20h, com entrada franca, no Cine-Theatro Central. Os ingressos devem ser  retirados antecipadamente na recepção. No repertório, trilhas dos filmes “2001, uma odisseia no espaço”, “Star Wars”, “Indiana Jones” e “O Senhor dos Anéis”, e do jogo “Super Mário”, da Nintendo.SENDO BEM SINCERO: INGRESSOS ESGOTADOS.

Neste sábado (23) tem Rael e RT Mallone no Cultural Flow, às 22h, no Cultural.

Estão abertas as inscrições para o 2º Encontro de Criação em Música e Tecnologia de Pernambuco, que acontece nos dias 2, 3, 9 e 10 de agosto, online e gratuitamente. O evento tem discussões, experiências e apresentações artísticas e é produzido pela dupla Pachka, formada por Miguel Mendes e Tomás Brandão.

Que notícia boa:  os pedalinhos voltaram ao parque do Museu Mariano Procópio esta semana e funcionam de terça a domingo, das 8h às 17h. A medida é um resgate das memórias de todos nós. A Prefeitura prometeu reabrir o museu ainda este ano, vamos torcer.

Thread bacana com filmes nacionais no drive para se jogar, com “Marighella” e outros bons títulos.

Ângulos da sensibilidade masculina são mostrados no clipe de “Choro Sim”, composição de Matheus VK com a participação dos cantores Caio Prado (amo) e João Cavalcanti, filho de Lenine que é um dos criadores do grupo Casuarina. O videoclipe, que abre a playlist de hoje, foi dirigido pelo premiado ator Julio Andrade, e os takes subaquáticos do início são do diretor Fernando Young. O trabalho do Matheus tem discutido modelos de masculinidade desde “Pélvis”. E, vamos ser sinceros, quem não está chorando não está entendendo nada.

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano. Ainda tem as playlists de 2021 e 2020.

Playlist de clipes com Matheus VK + Caio Prado + João Cavalcanti, Rachel Reis, Yoùn, Latto, Luisa Sonza, Calvin Harris + Justin Timberlake + Halsey + Pharrel, Bella Poarch, Ellie Goulding + Big Sean, Demi Lovato, Ricky Martin, Oshun, Titãs, Hotelo, Lila, Sean Paul + Gwen Stefani + Sheansea, Mia Badgal + Santo & Cyberkills, Odesza, P!nk , FKA Twigs e RAWI.

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