Sexta Sei: A nostalgia e homoerotismo analógico de Nickolas Garcia

Figura irreverente na noite da cidade, artista visual tem trabalho e pesquisa sobre masculinidade e tensões homoafetivas

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Eu adoro a presença incendiária e os gestos grandiloquentes nos rolês do artista visual e pesquisador Nickolas Garcia, 28 anos, há 12 deles vivendo em Juiz de Fora, vindo da pequena Santo Antônio do Aventureiro, cidade de 3,5 mil habitantes aqui da Zona da Mata. Mestrando em Artes, Culturas e Linguagens pela UFJF, suas pesquisa e pintura investigam sobre a masculinidade e as tensões homoafetivas. Nostálgico, o aventureirense acredita que sempre haverá espaço para o analógico, como na série na qual ressignifica fotografias, potencializando essas imagens.

Moreira – Cara, eu adoro a sua presença nos rolês, ahahahaha, abala todas as estruturas. Você não tem idade pra ter visto isso, mas lembra a Lília Cabral em “Vale tudo“, “Meu nome é Aldeíde Candeias, e eu ainda vou incendiar essa cidade”, é bem isso, né, risos… Essa presença flamejante, de alguma forma, também faz parte do discurso artístico?

Nickolas Garça – Hehehe, bem, acho que isso é uma boa coisa? Acho curioso o quão distante é a relação entre o que percebemos de nós mesmos da persona que tentamos formular para comunicar com o mundo exterior e o que as pessoas, o mundo exterior, apreende disso. Eu sou muito interessado e procuro constantemente entender a forma como sou afetado pelo mundo e como isso se traduz no meu trabalho. Confesso que o oposto, eu como indivíduo performático (portador de uma presença flamejante nos rolês (?) heheh) afetando o externo é uma coisa que me preocupo muito pouco. Tento manter na minha “performance” um único expectador: a superfície. Uma de minhas últimas obras foi um pequeno conjunto de quatro aquarelas, a idéia é que quando instaladas, as figuras pintadas estabeleçam quase que uma relação de linguagem corporal. São quatro homens em chamas. Achei legal mencioná-los porquê, ali, temos literais presenças flamejantes, o que é queimado talvez não seja uma cidade, mas aquele que chegou muito perto.

Moreira – Quando fiz a página com o Francisco Brandão, ele comentou que estava morando contigo e que estava sendo muito interessante a troca artística. Vocês continuam morando juntos? Como é a troca?

Nickolas Garça – Francis acaba de se mudar para São Paulo. Moramos dois anos juntos. Foi um grande exercício em vários sentidos. Eu nunca tinha morado com uma artista visual, então, foi positivo toda a parte dos pitacos nos processos um do outro, que interessante também, foi entender melhor o processo dele, mesmo isso significando, por fim, o quanto eu não entendia heheh. Ter produzido num mesmo lugar que outro artista por tanto tempo me fez perceber o quão singular de fato é a abordagem de cada um a seus problemas, como cada um se aproxima da resolução de uma ideia. Alguns trabalhos surgem em uma conversa, são cozidos na cabeça e nascem nas mãos. Nossos trabalhos estabelecem certas relações conceituais, pulsões eróticas passeiam por ambos. Foi glorioso ver o degradê emocional dos meus Soldadosrefletidos no enorme peão espelhado: Narcissus.

Dois Soldados

Moreira – Juiz de Fora carece de um circuito de arte, né? O Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) tem feito um trabalho esplêndido, tem a galeria Hiato, do Petrillo, mas sinto falta de mais espaços para se fazer, ver e discutir arte. Por isso o Espaço hip hop tem sido tão importante pra cidade. Como é viver de arte em Jufas?

Nickolas Garça –Eu sinto uma certa caretice em Juiz de Fora, para ser sincero. Sinto falta de um salão anual algo do tipo, um movimento que apresente uma produção mais fresca, mais jovem, não sei. Acho que o legal da arte é poder ser e ser tudo, de grafite figurativo numa avenida até emaranhados de arame incansavelmente penduradas no pavilhão de Bienal de São Paulo, da mais absurdamente conceitual intervenção em branco sobre branco em parede branca a mais óbvia representação de duas figuras se amando. Mas sinto que, com a complexificação da arte especialmente na contemporaneidade, inevitavelmente, temos um distanciamento desta com um público mais amplo, não acho que a arte tem de se simplificar para ser mais acessível, não é isso. Ao invés da arte ser usada, (assim como sempre foi) como um artifício de segregação de classes, precisamos de projetos que envolvam uma parcela maior da população com o mundo artístico (palmas ao Espaço Hip Hop) . Exemplificando, se eu sou uma pessoa que teve seu primeiro ou único contato com as artes por meio de uma obra super conceitual, são grandes as chances de não me conectar e não desenvolver uma busca posterior por esses espaços e experiências. Enfim, estou entrando numa polêmica e infinita discussão sobre arte como instituição para dizer que em Juiz de Fora, sinto falta de uma abertura maior das nossas instituições de arte para a população, tanto a que potencialmente visitaria esses espaços quanto a parcela que produz arte, tanto na cidade como no país. Tudo isso para dizer que um salão anual de convocatória nacional na nossa cidade seria tudo. Sobre como é viver de arte em Jufas, acho possíve, dependendo do que você produz. Eu não vivo das minhas pinturas, até percebo um interesse de compra, mas confesso ter dificuldade em manter uma produção mais robusta, que me permita vender (para viver disso) e ter um acervo (para poder bancar projetos em editais fazendo as obras circularem), conciliada com meu trabalho de designer gráfico que suga minha alma e minha paz, mas me da dinheiro LOL. 

Casal

Moreira – Muito interessante a sua pintura e que jovens artistas se dediquem à pintura em meio à toda revolução digital em curso. Tenho um amigo fotógrafo, o Vitor Curi, que está contando histórias com imagens criadas com AI, ele usa a plataforma Midjourney. Quais os desafios de se fazer pintura hoje, e fala mais sobre a pesquisa que você tem feito sobre masculinidade e tensões homoafetivas, o que te influencia e quais artistas fazem a sua cabeça.

Nickolas Garça – Acho que sempre teremos espaço para o analógico. Quando faço uma pintura não é apenas a imagem final que existe ali, tem todo um percurso de texturas e camadas que contam uma história a parte, talvez mais humana que o próprio tema da pintura. Eu tenho grande interesse na pintura como linguagem, como uma mídia a ser explorada, descobrir as potências dessas mídias tradicionais é grande parte do que faço, isso significa que tenho que descobrir por conta própria formas de conseguir resultados que já foram descoberto milhares de vezes ao longo da história, mas como eu consigo o que consigo torna único o meu ofício. Acho que existe muita potência na arte de IA como um novo campo de produção de imagem que vai se enfiando em meios as mídias já estabelecidas e demandando mudanças no ambiente artístico, mas não acredito que isso signifique o fim das mídias tradicionais. O que acho mais problemático é como isso impacta outros setores do mundo criativo. Já existem algumas profissões se tornando obsoletas em alguns meses de AI . Posso pedir para uma plataforma de AI escrever um artigo, um copy para um post da minha loja online ou até mesmo responder perguntas feitas por uma página a um pintor gay juiz-forano. LOL  Falando, agora sobre a ideia da coisa. Eu sou de uma geração que pode acompanhar bem de perto a transição de analógico para o digital então, assim como todo mundo  que passou por essa transição, eu tenho uma nostalgia muito grande com fotografias analógicas, uma parte da minha pesquisa sai daí, não como uma pesquisa em produção de imagens fotográficas mas sim de ressignificação ou potencialização dessas imagens. Minhas pinturas partem quase sempre de um referência fotográfica, eu identifico alguma potência na imagem e determino que ela merece atenção suficiente para se tornar uma pintura. Me aproprio de fotos (às vezes, autorais, outras, de fotografias antigas, acervos online e por vezes stills de filmes) para contar uma outra história. Resignificar aquele momento congelado… adicionando, substituindo, subtraindo, aproximando e distanciando informações para criar uma outra narrativa que demande um novo começo e um outro fim.  Sobre os artistas que fazem minha cabeça, são muitos hehe. Sou muito afetado pelas artes em geral, mas admito que não precisa me conhecer muito tempo para saber que eu sou obcecado pela Björk!!! Falando sobre meus pares, os pintores. Tenho pensado demais no Antonio Obá, me apaixonei quando vi uma performance dele, ma,s quando vi as pinturas, surtei, fantástico! Agora, temos os pilares eternos também, David Hockney e seus retratos duplos estão sempre nos meus pensamentos assim como a relação entre figura e fundo de Francis Bacon, estou sempre voltando neles, a sutilíssima expressão de sentimentos através de grides de Agnes Martin vai me comover pra sempre, também poderia ficar horas aqui falando de Varejão a Herzog mas já estou cansado. Muitíssimo obrigado pelas perguntas, até… … 

Abaixa que é tiro!💥🔫

Volta e meia, o algoritmo traz boas revelações, como a dançarina, figurinista e performer cazaquistanesa radicada nos EUA Olga Saretsky, do Kikimora Studio, uma simpatia, inclusive, e curiosa sobre o Brasil e o nosso Carnaval, aonde, convenhamos, ela ia arrasar. O primeiro post que apareceu pra mim foi de suas fabulosas rosas, porta de entrada para maravilhosas criaturas míticas, como o “espírito das flores”, Pearl princess e White Bull. Seu estúdio oferece performances que ela chama de High Fashion Circus, com até 20 artistas, justíssimo. Ela cria essas fantasias para expressar seus sentimentos, tirando “o extraordinário do comum”, há 15 anos, tudo à mão e sozinha, como autodidata. “Eu descobri diferentes personagens dentro de mim, e os criei para expressar meus sentimentos. Quero ir ao Brasil desde a primeira vez que assisti ao carnaval na tela da TV, no Cazaquistão. Fiquei chocada e intrigada com todas as belas roupas e os corpos nus. Da mesma forma que consegui me mudar para os EUA, acredito que, um dia, irei visitar o carnaval do Brasil. Adoro misturar Oriente Médio e samba brasileiro em minhas apresentações com fogo”, me conta, em nossa animada troca de e-mails. Olga, além de grande talento, é um amorzinho.

MC Xuxú. Foto Carlos Mendonça
Carnaval de Jufas
Mulú faz a Arrastão
DJ Ramemes e Crraudio

Momo ainda está com as chaves da cidade, e a programação de blocos segue firme na avenida. Hoje (17), 18h30, tem o tradicional Bloco do Beco,  no Parque Halfeld, salve Mamão. Sábado (18), rola a primeiro concentração da Banda Daki sem o Zé Kodak, às 10h30,  no Largo do Riachuel. Às 16h, no sábado (18), MC Xuxú comanda o Bloco da Benemérita, no Parque Halfeld e o bonde é pesadão-dão, com Dona Chapa, Ti Doido, Laura Conceição, Crraudio, Wally Kastro, DJ Poty e House of Império e mais, enfim, o bafo. No domingo (19), tem Meleka de Jacaré, infantil,  às 9h, na Avenida Brasil. Na segunda (20)e, começa o carnaval oficial da cidade, com desfile das escolas do grupo de acesso, a partir das 21h30. Na terça (21), a partir das 18h, desfilam três escolas mirins e as escolas do grupo especial (Rivais da Primavera, Unidos das Vilas do Retiro, Mocidade Alegre, Turunas do Riachuelo, Feliz Lembrança e Real Grandeza). Tomem muita água e usem camisinha.

O Carnaval do Rio segue tendo o seu valor, especialmente com os rolês de música eletrônica nessa época, como a Arrastão, do meu amigo Mulú, no domingo (19), no Passeio Ernesto Nazareth, com Deekpaz, Glau Tavares, Iasmin Turbininha, Ramemes, Sydney Sousa e +. Outro amigo, o Fernando Deperon, realiza, pelo oitavo ano, o Bloco Me Gusta, também no domingo (19), às 16h, com Fatnotronic, Léo Janeiro, Manie Dansante, Underdogs, Érica e muito mais. No dia 24 (sexta), às 21h, 0800, no Bar do Nanam, no Centro do Rio, rola a 4FE, com a turma da 4finest Ears, como Anna Leevia, Davat e Hollanda.  Q​​uem for pro Rio, hoje (17), tem Carnaval do Skylab, às 22h, no Circo Voador, com Rennan da Penha, Löis Lancaster e a banda Meu Funeral.

As festas Pancadão de som e a Kaô se juntaram e nasceu a Pankaô, que rola dia 25, às 16h, na quadra da Real Grandeza, na Avenida Brasil, com line pesadão com o DJ Ramemes, que acaba de lançar feat com Pabllo Vittar, “Calma amiga”, Amanda Fie e Crraudio, Ever Beatz e Submundo DJs.

Gustavo Bertoni por KVPA

Eu comecei a prestar atenção em Gustavo Bertoni, 29 anos, há pouco tempo, com o lindo clipe de  “Hyaline”, que passou aqui pela playlist sextante. Semana passada, saiu o segundo single, “Marionettes”, de seu quarto álbum, que chega no primeiro semestre de 2023. Coincidentemente, eu comecei também a gostar de sua banda, Scalene, que entrou em pausa em setembro, após o lançamento do bom álbum “Labirinto”, no ano passado. Me chamou a atenção o lirismo das canções e dos clipes de Bertoni, que canta em inglês, criando expectativa pro trabalho. As duas faixas foram gravadas em Los Angeles, no estúdio do produtor brasileiro Mário Caldato Jr e têm o piano como protagonista. Enquanto “Marionettes”, fala sobre hipervigilância digital, “Hyaline” orbita por novos olhares e pontos de vista, 

ÀTTØØXXÁ
Irmãs de Pau no Festival Sangue Novo, em Salvador

Ouviu um barulhão na terça-feira? Foram as Irmãs de Pau quebrando milhares de tabus, simultaneamente, com seis minutos do  Medley do Submundo”, com produção musical do maranhense Brunoso.  “É um x-tudo da putaria, grande por ter seis minutos suculentos de rimas, capaz de sustentar você e seu bonde. Duvido que não matará sua fome”, fecha Vita Pereira. E pra quem “se comunica com o rabo”, kkkkk. os cachorros estão sem coleira no single de carnaval da minha banda favorita no planeta, a baiana ÀTTØØXXÁ, que lançou “A Noite do Golpe”, música repleta de groove, sarração e adrenalina, primeiro single pela gravadora BMG. O videoclipe é inspirado no filme “Se Beber Não Case.

Fernando Priamo e Flavia Valle, Foto Fran Lucia/ Fórum da Cultura
"Inquietude"
“Consequência d’alma”

Duas pessoas que eu gosto demais se juntaram para uma colaboração artística: o fotógrafo Fernando Priamo, com quem tive a honra de reportar, por anos, na Tribuna de Minas, e sempre foi um grande colega e companheiro de reportagem, e a jovem artista Flávia Valle, que já apareceu aqui, nas páginas, com as suas canecas, e acabou virando uma grande amiga. A exposição “A libertação da alma” reúne 17 fotos de Fernando com as intervenções sanguinolentas em tinta óleo e spray (a gata se amarra num vermelho, vermelhaço, vermelhante, vermelhão) da Flavita, entre os dias 28 de fevereiro e 17 de março, no Fórum de Cultura, com violino na abertura, dia 28, às 19h. As fotografias foram feitas em viagens e reúnem artes romana, grega, renascentista e bizantina. “Com o vermelho, expresso as sombras da minha existência”, conta Flavita, pelo whatsapp.

Na próxima sexta (24), não haverá publicação da Sexta Sei, por motivo de aniversário deste jornalista. Voltamos a sextar no dia 3 de março

Playlist com as novidades musicais da semana. Todas as playlists do 2012, 2021 e 2020 nos links.

Playlist de clipes com Demarca, Guto, Animal Collective, Pabllo Vittar + Anitta, ÀTTØØXXÁ, Bonde das Maravilhas + Pedro Sampaio,  Pryanka, Muse Maya, Tove Lo, Gustavo Bertoni,, João Selva, Alicia Keys, IAMDDB, Gabriel Grossi + Stefania Talini + Jacques Morelenbaun, Meg Pedrozzo, Jaden, Badzilla + FBC, Bad Colours + KAS + Jarv Dee + JVDE, Qveen Herby e Ramonzin.

A campanha de crowdfunding da coluna continua, já atingimos 42.9%. Prefere fazer um PIX? O pix da coluna é sextaseibaixocentro@gmail.com