Sexta Sei: Carlos do Complexo perpetua sua música eletrônica experimental sem ceder às pressões da indústria

Artista lançou bom disco ‘Tórus” no apagar das luzes do ano passado e diz que gosta de contrariar o mercado e lançar músicas na segunda-feira

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Fotos e capa por Mateus Augusto Rubim 

Carlos do Complexo, 26 anos, estava se questionando, no Twitter, essa semana, como ser criador de conteúdo se apenas se sente mentalmente saudável para criar quando está longe do celular. A reflexão revela um artista indomável aos ditames do mercado, um verdadeiro criador, que não está nem aí para as listas de melhores do ano, charts, plataformas, resenhas ou o que for. Carlos está concentrado demais em sua própria música, como a que mostra em “Tórus”, lançado no apagar das luzes de 2021, depois da estreia com “shani” (2020) e colaborações com Sango e Kafé e remixes para Tuyo e Silva.

Para lançar o disco, que foi conceituado em cima de princípios da geometria, ele toca o álbum dentro de uma plataforma giratória redonda, em vídeo lindo que dá pra ver no YouTube. Ele não gosta de ser comparado a outros artistas, mas, como disse o jornalista Guilherme Guedes, no Twitter, o álbum lembra Burial, Four Tet e Joy Orbison. O que eu mais gosto são vários caminhos e histórias dentro do todo, com R&B, funk carioca, África e sons experimentais. Batemos um papo, pelo e-mail, que dá pra conferir a seguir.

Para o compacto “On-Line/Torus”, que antecedeu ao lançamento do disco, CDC aparece ilustrando formas geométricas em um quadro na sala de sua casa

Moreira – No compacto “On-Line/Torus” que antecedeu ao disco, você aparece ilustrando formas geométricas em um quadro. “Torus” é um conceito bem hermético para nós, reles mortais, e veio da geometria. O disco é baseado em frequências e sintetizadores microtonais. Você estuda matemática, qual a sua formação? Traduz tudo isso para leigos? Explica melhor seu processo e as inspirações e influências para o disco? O álbum parece mudar de direção e estilo em vários momentos (e isso é muito bom). 


Carlos do Complexo – Minha maior inspiração nesse projeto foram as cenas que eu criei para ilustrar onde eu gostaria de levar os ouvintes. Apesar do conceito ser baseado em geometria na sua mais pura essência, eu sempre fui um péssimo aluno de matemática. O curioso foi, durante o processo criativo, criar proximidade com o assunto. Eu perdi o medo dos números, os trouxe para meu contexto e apliquei tudo o que já li sobre teorias e estudos sobre misticismo. Eu sou formado em produção fonográfica, mas o que mais me ajudou a desenvolver o conceito foram as pesquisas que eu fiz por conta própria.

Carlos do Completo tocando o “Torus” em uma plataforma giratória

Moreira – Como foi lançar o disco em dezembro? Parece que rola uma certa pressão da imprensa para que se lancem novidades só até novembro, pois, em dezembro, estão fazendo as listas de melhores do ano e entrando em recesso. Vi uma matéria somente na imprensa. A indústria do streaming parece, por vezes, perversa com os músicos, esse mecanismo de lançamentos semanais parece impor um prazo de validade cruel, um envelhecimento precoce das novidades.

Carlos do Complexo – Eu adoro seguir estratégias e ações não-ortodoxas. Lançar músicas às segundas-feiras, fazer um álbum pra dezembro (não necessariamente natalino), etc. Eu perpetuo meu som por meio das minhas ações, de não ceder às pressões da indústria. Acho que nós mesmos nos encurralamos quando acreditamos no que as indústrias de stream e redes sociais nos contam. Eles precisam manter as máquinas deles funcionando, e ninguém melhor que nós. Cada vez mais, vejo que tudo o que nos contaram sobre engajamento de público, na maioria dos casos, é um grande papo furado. Eu não vejo problema em não entrar nas listas de melhores do ano. Não faço som para o ouvinte de hoje, eu tenho um propósito maior que os charts de qualquer plataforma passageira. O meio que você ouve a música sempre vai mudar: fita, vinil, cd, MP3 player, Spotify, etc. Mas minha obra é pra sempre. Não posso me prender a números que, daqui a alguns meses, não vão significar nada. Acho muito legal por considerarem meu nome, mas competição sobre quem é o melhor também não é minha praia.

A capa de “Tórus”

Moreira – Essa semana, repercutiu muito uma entrevista de uma empresária de uma estrela pop falando sobre os jabás da indústria do sertanejo. Se está ruim pra estrela do pop, como está para quem faz música eletrônica no Brasil? Há uma carência de sites especializados e mercado? Como furar a bolha?

Carlos do Complexo – Acho que, primeiro, o Brasil precisa amar seus próprios artistas que dão o sangue diariamente pra fazer arte aqui. Depois disso, “desembranquecer”, “deseurocentrar” e  “desamericanizar” a música eletrônica. Há sites, blogs, jornalistas e plataformas especializadas, porém, não para nós que não estamos na bolha. Eu, como artista periférico e preto, provo todo dia da marginalização amarga sobre o que eu faço e quem eu sou.

Moreira – Eu adoro os meninos do Lux & Troia, além de muito simpáticos, são muito talentosos. Fala mais sobre os convidados do disco, como SD9, Lifee, Yan Higa, Ryahn e Menor do Engenho, apresenta a turma e conta como foram feitas essas escolhas e colaborações. Ah, adoro o Maffalda, com quem você já colaborou. E mais: quais artistas do Complexo do Engenho da Rainha e da Zona Norte do Rio a gente deve prestar atenção?

Carlos do Complexo – Os artistas que trabalham comigo, escolho a dedo. Minha escolha nada tem a ver com números ou no que o artista pode me proporcionar, mas sim na conexão artística entre as artes. Todo mundo que eu chamo pra colaborações tem seu grau de importância na minha obra, às vezes, até mais que eu. Eu amo servir de hub pra artistas com gêneros, identidades, gostos e interesses diferentes. É mágico ver os universos tão distintos se colidindo e interagindo no meu álbum. O Menor do Engenho é um artista do Engenho da Rainha pra ficar de olho, mas podem prestar atenção em todos os artistas que emergirem não só do Complexo, mas de qualquer outra comunidade.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Capa de Efe Godoy

Janeiro é o mês da visibilidade trans, marco criado para ampliar a visibilidade de toda a comunidade travesti e transexual. No Brasil, é mais um mês de luta, pois somos o país que mais mata essa comunidade no mundo, com um assassinato a cada dois dias. Entre as pessoas assassinadas, 87% são pretas. A expectativa de vida da comunidade no Brasil é de apenas 35 anos, menos da metade prevista para o resto da população (75,5 anos), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para a população preta, é ainda pior, e a expectativa reduz em cinco anos.

Pensando em dar visibilidade a artistas trans brasileiros, a cantora e compositora sergipana Isis Broken, a bruxa cangaceira que já foi entrevistada aqui, fez uma thread, no Twitter, listando artistas trans para que a própria comunidade se conheça. Peguei as sugestões de leitores dela e fiz essa playlist, para celebrar a arte trans. A playlist tem a nossa MC Xuxú, Bixarte, Jup do Bairro, Danna Lisboa, Linn da Quebrada, Ventura Profana e muitos nomes que valem a pena conhecer. No ano passado, seu marido, Aqualien, fez uma thread semelhante que a inspirou.

“Existe uma carência das pessoas em conhecer artistas trans. Tem uma menina do Norte do país que é a Melissandra, que é uma mãe trans lésbica que faz som muito foda, regional, do Norte. Os homens trans também estão fazendo um barulho muito bom, muito interessante. As pessoas não conhecem homens trans, daí a importância de falarmos de artistas como ALL-ICE, homem trans preto, Aqualien, homem trans pai, que vive um relacionamento transcentrado comigo. É importante trazermos a visibilidade para nossos trabalhos, porque a gente não deve nada à cisgeneridade, que não faz esforço nenhum e tem milhões de visualizações. E é pouco visualizado não por ser ruim, mas por ser feito por uma pessoa trans. Precisamos mudar essas estruturas”, diz Isis.

A capa é um deslumbramento, obra da artista visual míope e transgenere Efe Godoy, de Sete Lagoas (MG),  que pesquisa hibridismo em suas variadas linguagens (vídeo, desenho, performance) com ênfase em recortes de memórias da infância e fabulações espontâneas. Efe hoje vive e trabalha em Belo Horizonte. “De uma maneira simples, tento interferir na vida das pessoas com a reverberação do afeto“, conta.

Tudo o que vem do Pará tem um gostinho especial, como o tremor do jambu ou os inusitados sabores do sorvete Cairu, e não é diferente com o festival Se Rasgum, que promove edição “Da Paz”, a sua décima sexta, em formato híbrido, mesclando shows com plateia e transmissões online e gratuitas pelo YouTube.

O line-up dos sonhos traz Jards Macalé cantando ao vivo o “Besta Fera”, Nilson Chaves, Giovani CidreiraLiège (hoje, 14, 22h), Adriana Calcanhotto, a dupla Nelson D (indígena) e Brisa Flow (rapper ameríndia), Anna Suav (Amazonas) e Klubber (sábado, 15, 22h) e Dona Onete e DJ Ananindeusa (domingo, 16, 19h30).

Fotos: Vania Marinho

A gente não quer só vacina, a gente quer vacina, diversão e arte. O Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) da UFJF captou nosso sentimento e, além de duas belíssimas exposições em cartaz, das quais falei aqui antes, vai receber duas apresentações do monólogo “Sr. M em: a jornada”, de Marcos Marinho, o maior de Jufas, sábado e domingo (15 e 16), às 17h, na área ao ar livre, com entrada franca e contribuições no chapéu do palhaço. É necessário confirmar presença pelo whatsapp (32) 9115-0018, e a lotação será de 30 pessoas com máscara. 

No monólogo de meia-hora de duração, Sr.M, vivido por Marcos, dialoga com seu companheiro de bordo, Roger, um boneco de papel. No espetáculo, ataques à bomba e ao autoritarismo, a morte, os estragos provocados pelo negacionismo e a contaminação dos oceanos pelo lixo. No início de dezembro, o artista fez quatro apresentações, em sua casa, quando a jornalista que eu gosto Márcia Carneiro, colega de tantos anos de Tribuna de Minas, fez a crítica a qual reproduzo trecho, abaixo.

Por Márcia Carneiro 

“A história cheia de realidade dramática é permeada pela ironia fina e sempre galhofa de Marcos Marinho, na pele do Senhor M. Além da arte de falar de coisas graves e sérias de forma engraçada, a peça nos presenteia com surpresas provocadas por recursos ao mesmo tempo simples e criativos e pela atuação do ator e diretor, com suas técnicas de palhaçaria e experiência em teatrodança de amplos e generosos gestos. Aliás, a linguagem é mesmo a gestual, aliada a um vocabulário inusitado: um blend de onomatopeias e barulhos com notas de francês e português que, segundo o artista, é uma técnica da commedia del’arte chamada gramelot.

O espetáculo mostra ainda a criatividade do diretor em valorizar a simplicidade e aquilo que culturalmente possui potencial descartável. A folha de papel ganha protagonismo com sua utilização em praticamente tudo em cena: da feitura de Roger, passando pelos barcos, chapéu, náufragos, chuva e até o sol. Inclusive o nome “A Jornada” e todos os acontecimentos advêm da leitura de um jornal feita pelo sábio Senhor M.

E, em cenário clean, os objetos surgem aos poucos, como mágica, sempre dentro de outros. São papier-mâché, dobraduras e recortes de papel, brincadeiras que povoam a memória afetiva de muita gente.”

Pandora Yume foi um dos grandes nomes da explosão drag no Brasil que aconteceu na esteira do sucesso de Ru Paul’s Drag Race. Integrante do coletivo carioca Drag-se, foi uma das primeiras drags barbadas no Brasil, abrindo caminhos. Seu criador, o querido Gabriel de La Torre, 31 anos,está dando um tempo pandêmico na arte drag e direcionou sua veia criativa ao trabalho artesanal que expõe no perfil Yume Bordados. A inspiração veio do perfil Maiamakeo, feito pelo casal gay Yollanda Maakeo e Luciano Maia. Entre as inspirações, tem Madonna ilustrada por Richard Bernstein, Him, o demônio queer do desenho “As meninas superpoderosas”, a cantora queer Ivana Wonder e o tatuador André Costa.

“Comecei a bordar em setembro de 2020, procurando novas formas de me ocupar em casa durante o isolamento. Aprendi por videochamadas com Luciano e tutoriais na internet. Resolvi fazer o instagram para postar o meu progresso e, logo, tive encomendas de familiares e amigos. No início, meu foco eram as contas no Instagram de bordados de anime, que sempre gostei, mas, com as encomendas, fui me adaptando aos pedidos dos clientes. É gratificante saber que estou produzindo presentes cheios de afeto e significados“, me conta, todo amorzinho, pelo e-mail.

Geral está elogiando a série documental “O canto livre de Nara Leão”, na Globoplay, dirigida pelo boa-praça Renato Terra. Em cinco episódios, ele mostra uma mulher forte e indomada, com direito a raridades, como fotos da adolescência e o áudio da primeira apresentação em público, em 1959. A foto acima foi colorizada especialmente para a série, que traz entrevistas com Chico Buarque, Edu Lobo, Fagner, Maria Bethânia, Marieta Severo, Nelson Motta e Paulinho da Viola. 

O Lúdica Música! que eu gosto começou o ano com uma live pra mexer com o coração da gente! Uma hora e meia de música boa e a excelência de Gutti Mendes, Rosana Britto e Isabella Ladeira. A guitarra do Gutti em “Samba de uma nota só” está a coisa mais preciosa do ano.

No canal de Getulio Abelha, o artista disponibilizou o vídeo da live ​​que rolou no America Circo e foi transmitida em julho de 2021, já com o repertório do excelente disco de estreia “Marmota”. A bicha é uma máquina, ao vivo, como já falei aqui antes dos shows no RecBeat e no DVD no Madruguinha. Dessa vez, ela canta até dentro do globo da morte.

No apagar das luzes do ano passado, a Biscoito Fino disponibilizou o excelente show completo de  “Margem, finda a viagem”, de Adriana Calcanhotto, com as canções de “Margem” (2019) e outras, gravado na Grande Sala da Cidade das Artes, no Rio. No palco, a boa banda formada por Bem Gil (guitarra), Bruno Di Lullo (baixo), Rafael Rocha (bateria) e Murilo Alvesso (MPC, percussão e direção). Ah, tem ainda participação do menino Rubel. Coisa fina.

Essa dica é do jornalista e pesquisador pernambucano GG Albuquerque, dos sites O Volume Morto e Portal Embrazado. Chegou ao YouTube o curta “Chega de demanda” (1973), de Roberto Moura, de 10 minutos, com Cartola refletindo sobre sua vida, as transformações na favela e na escola de samba com belas imagens do morro de Mangueira e trilha sonora inédita. Aliás, essa semana, o Embrazado ​lançou a coletânea musical “Embrazado hits”, com dez faixas, cinco delas remixes inéditos, com nomes como Jotaerre em remix de Iasmim Turbininha e Kdu dos Anjos.

A artista plástica Flavia Valle, natural de Cataguases e moradora de Jufas, está comercializando peças de seu projeto CaneKinha. A artista utilizou técnicas de xilogravura, linoleogravura e nanquim para criar canecas inspiradas nas figuras de Frankenstein, Niemeyer, Pink Floyd e Bob Dylan. Os preços variam de R$ 40 a R$ 60, com entrega em todo o território nacional.

Geral sentiu a partida do escritor e professor da UFJF Gilvan Procópio Ribeiro. Meus sentimentos à família e a tantos amigos que perderam tanto.

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano.  Aqui tem as playlists de 2020.

Playlist de clipes com The Weeknd abrindo e fechando e mais Pitty + Drik Barbosa + WEKS, Muse, Adele, Stromae, Julia Mestre + Lux & Troia, Jotaerre + Caatinga, alt-J, Milky Chance, Luccas Carlos, Kynnie + Lukinhas, Dornelles + Malharo, Enme, Papatinho + BK’ + Duda do Borel +  Kevin O Chris + Gilklan, Arthur Nogueira, SZA, Metronomy, Kanye West e The Weeknd.

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