Segundo álbum da juiz-forana, revelada no The Voice e sucesso no grupo de pagode Samba de Colher, responde com poesia e música à sociedade racista, misógina e homofóbica
por Fabiano Moreira
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“O Peso da Pele”, segundo álbum da cantora e compositora juiz-forana Alessandra Crispin, 34 anos, produzido por ela, DJ Black Josie e João Paulo Lanini, é a voz da mulher preta, lésbica e umbandista ecoando forte, em faixas que explodem em afeto, resistência e religiosidade. O afro-pop e os ritmos afro-brasileiros dão a cara do álbum, que tem visuais afro-futuristas insanos assinados pela Difference, com styling do genial Francisco Silva. Batemos um papo, por e-mail, no qual ela me contou as inspirações no prateado de Beyoncé e no look de Tina Turner em Mad Max que acabaram criando uma Iansã futurista. Também falamos como a intolerância religiosa é mais uma face do racismo, sofrido, por ela, por injúria racial nas mídias sociais, de visibilidade lésbica e de como todas essas opressões cotidianas foram transformadas em arte no álbum.
Moreira – Não posso deixar de elogiar o trabalho do CSJ Francisco (ou Francisco Silva) e da Difference com a moda da capa do álbum e da divulgação . Que Iansã deslumbrante! Como foi pensada essa parte visual impactante? Está belíssimo…. Assim como adoro uma outra produção dele pra você com argolas gigantescas… Adoro o trabalho do Francisco…
Alessandra Crispin – Juiz de Fora é uma cidade com uma cena artística muito potente, né? E neste projeto, em especial, eu tive o prazer de trabalhar com artistas talentosos e muito sensíveis que entenderam e interpretaram todo o significado das canções do disco e me ajudaram a construir esse enredo tão impactante (desde a capa aos arranjos das canções). Trazendo para a capa, o Francisco Silva é, pra mim, um gênio. Artista completo. E, nesse projeto, eu contei com o “trio perfeito”, como gosto de chamá-los haha. Além do Francisco, Jana Oliveira e Marcella Calixto esbanjam criatividade, talento e profissionalismo sempre. O Difference é essa força. A Jana é minha amiga e encontrei com ela, certo dia, no centro de Juiz de Fora e expus a vontade de fazer mais um ensaio, desta vez para a capa final. Foi questão de dias até que estivéssemos com o ensaio pronto. Eu apresentei para eles a minha proposta, que era sim, dar continuidade às fotos que havíamos tirado há dois anos, mas trazendo as influências afrofuturistas. Beyoncé nos presenteou com o prata e ninguém tirou isso da minha cabeça. Queria demais haha. Ao mesmo tempo, em pesquisa, lembrei da personagem da Tina Turner em Mad Max… uma guerreira que também trazia um figurino prata… Tudo é cíclico, né. O disco traz a potência da mulher preta como foco e eu queria que tivéssemos essa pegada da mulher preta em evidência, mostrando o seu poder, a sua realeza, pronta pra “guerra diária”. Num primeiro momento, nem havíamos pensado em Iansã, mas acredito que conseguimos também abraçá-la nesta homenagem que ficou potente, densa e sensível. Após realizarmos o ensaio, fomos pra a arte da capa. O João Paulo Lanini, co-diretor e co-produtor do disco, me apresentou ao Raul Gonçalves e eu me apaixonei de cara. A gente trocou mensagens, eu enviei algumas referências, e o Raul concretizou com excelência todo o trabalho que havíamos iniciado. A cor da pele, o brilho mais presente do prata, a “aura” azul, ele me conquistou até na sutileza da fonte haha. Enfim, fizemos todo o processo em 15 dias, mais ou menos ,e eu me sinto muito honrada por ter essa equipe comigo. Fundimos muitos elementos rítmicos e experimentamos, muitas alternativas sonoras… O afro-pop e os ritmos afro-brasileiros deram a cara do álbum, trazendo os conceitos urbano e contemporâneo
Moreira – É importante artistas como você, Iara Rennó, ÀIYÉ e tantos outros trazerem este conteúdo das religiões de matriz africana para a pauta cultural. O Brasil tem números alarmantes de violência contra os praticantes dessas religiões, o racismo religioso. Só em 2021, foram 571 denúncias de violação à liberdade de crença no Brasil, segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH). Como podemos combater isso? “Exú nas escolas”, como cantava Elza Soares?
Alessandra Crispin – Falar de, é falar de tantas coisas… E estas coisas sempre culminam no racismo. O Brasil é racista! Tão racista que, dependendo de quem estiver tocando o tambor ou entoando um canto aos orixás, a prática não será interrompida. Combater essa e outras violências contra a cultura afro-brasileira está em, de fato, abrirmos o jogo para assumirmos o estrago que o racismo causa na sociedade. E também perpassa pela punição efetiva a quem viola os direitos das outras pessoas de manifestarem a sua religião, de conseguirem um emprego, de entrarem em estabelecimentos sem serem revistados ou expostos de alguma forma. Exú é protetor, é mensageiro. É essa proteção que a gente precisa para lutarmos por nossas conquistas, cada vez mais.
Moreira – Lamento muito que o álbum tenha sido inspirado por um caso de injúria racial que você sofreu. Você se sente a vontade para falar sobre isso? Entendo se não. Mas, como veio no release, como podemos enfrentar o racismo? Como nós, brancos, podemos colaborar na luta antirracista? Como diz Angela Davis, “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.
Alessandra Crispin – Eu também lamento. Lamento porquê o racismo que sofri veio em comboio com lesbofobia, machismo… E também lamento porque não foi e nunca será “caso isolado”. Eu até hoje não sei quem escreveu aquele comentário pra mim. Talvez eu passe por essa pessoa todos os dias, talvez ela vá em minhas apresentações e eu sequer posso me defender, sabe. Esse gosto, o da impunidade, é o pior. A revolta que enraíza em mim, cada vez mais, também é alimentada por até hoje não sabermos quem mandou matar Marielle Franco e Anderson, também pelo fato de Sari, responsável pela morte de Miguel, estar em liberdade, por tantos de nós que somos invisibilizados, silenciados, assassinados… E nada acontece… Esse é o meu maior lamento, que tem se transformado em uma sede de justiça. O que eu posso fazer? Transformar isso em arte. Tentar chegar no universo de pensamento das pessoas porque a nossa realidade é insustentável. Sobre o que as pessoas brancas podem fazer… Acho que entenderem o quanto o racismo a colocam no lugar de privilégio, ressignificar todo o pensamento sobre o indivíduo e sociedade, procurar ler mais sobre a real história do país. Nós, pretos, não temos essa missão de auxiliar vocês nessa descoberta, a gente tá tentando não morrer, sabe…E, por fim, sobre a frase da Angela Davis, vejo muita gente se auto intitulando antiracista, mas silencia todos os negros em sua volta, continua disseminando as práticas racistas, segregam quando o assunto envolve o círculo de amizade ou de trabalho… É fácil postar no insta essa frase, bordar camisa e vestir, difícil é colocar em prática. E eu acho que a Angela Davis fala sobre ação. É só estudarmos a própria história de luta e resistência dela.
Moreira – A faixa “Presente“, que inspirou o álbum, fala de mazelas da favela e da opressão racial. Recentemente, questionei, na página (última nota) o uso de cenários (backdrops) de favela em clubes noturnos de Jufas. Sim, as pessoas estão fazendo fotos e posandoem cenário fake de favela. É preciso mostrar a favela de verdade? “Senzala e favela” é a mesma sentença?
Alessandra Crispin – Eu acho extremamente cansativo essas posturas, que a gente vê empresas praticando e pessoas tamo, que desrespeitam, objetificam e até romantizam a realidade da população negra. A nossa história é luta atrás de luta e é vergonhoso ver tamanha negligência com as nossas vidas. Eu tenho visto que em alguns países, o Estado têm pronunciado e criado formas de reparar financeiramente toda violência sofrida pelos escravizados. Eu tô esperando esse olhar aqui no Brasil porque quando você me pergunta se “Senzala e favela” é a mesma sentença me vem o questionamento de que o meu povo tá pagando esse tempo todo por um crime que quem cometeu foi o povo branco. A sentença não pode mais ser nossa. Somos descendentes de reis e rainhas. Fomos roubados, escravizados, torturados, e até hoje não houve um pedido de perdão que convença mais que a reparação histórica.
Moreira – Em “Mulher incomum”, há um verso no qual você nos conta, “Beijei minha dama”. A visibilidade lésbica precisa muito avançar, né? Importante que artistas como você dêem visibilidade ao amor entre mulheres. Porquê existe uma menor visibilidade lésbica? Tenho feito essa pergunta a vários agentes culturais do meio lésbico em uma pesquisa para um livro que estou trabalhando, a reedição do “Babado Forte”, da Erika Palomino.
Alessandra Crispin – Eu contei pra minha mãe que era lésbica quando eu tinha 18 anos e, desde então, passei a construir a minha história sem essa amarra. Nem todas conseguem, e é compreensível. Ainda mais uma mulher preta. A gente volta para o lugar que o racismo nos coloca: de que ninguém irá nos olhar com o viés de romance, somente de forma hipersexualizada (e olhe lá). Mas eu acompanho e muito um movimento de falar-se abertamente sobre a sexualidade (não sei se é na bolha que eu busco construir, mas tenho visto) e tem sido muito especial porque, com a internet, as vozes são diversas. Mulheres pretas, diversas feminilidades representadas, mulheres trans falando de suas experiências, PCDs lésbicas contando para o mundo o seu dia a dia. Longe de ser o cenário ideal, o machismo ainda impera e, quando o assunto é perversidade, parece que a sociedade sempre supera as piores expectativas. O que eu quero dizer é que hoje eu consigo, além de falar abertamente sobre a minha relação, consigo saber de histórias diversas. Infelizmente, a gente volta para a questão das violências e de lutar por nossos direitos. Mas tenho sentido que é mais um lugar que não me sinto sozinha.
Abaixa que é tiro!💥🔫
Assistir ao clipe de “Passageiro”, do artista mineiro Caio, é como embarcar em uma viagem lisérgica. A narrativa recorre ao universo da fantasia ao recriar a história do Mágico de Oz com uma iconografia brasileira na jornada de um andarilho místico em um macacão roxo. Apenas amo eles sambando ao final, na cachoeira.”O tempo é passageiro, amor”, e já está passando, já passou. A faixa tem influências do espírito hippies dos anos 70 de Raul Seixas e Mutantes. Não conhecia Caio, essa joia, que é descendente de negro e indígena, como canta em “Sente o tambor”. Ele que tem carreira com direção criativa de Felipe Sassi, que cuida de IZA e Juliette, e está dando novo rumo à carreira e anuncia disco de estreia esse ano, “Passageiro”, produzido por Douglas Moda e Nave. Dei uma passeada pelo canal e achei tudo bem feito e no talento. Bonito o moço, também não deixei de notar.
A cantora e compositora amazonense Luli Braga tinha uma calcinha fio dental, um shortinho jeans, um top, um engradado, uns aviamentos, uns colares e um vocoder e foi lá e fez o clipe pro remix cyberbrega de “Enigma“, faixa que, originalmente, faz parte de “Sinuose” (2020), seu álbum de estreia. O remix remete ao universo dos beiradões e aparelhagens nortistas. O Beiradão é um canal no YouTube criado pelo músico, cantor e compositor Hadail Mesquita, em 2016, que se transformou em selo distribuidor de músicas, na melhor escola Kondzilla. O estilo musical? Mistura xote, baião, lambada, cumbia, samba, frevo, choro e bolero. Vale a pena dar um passeio pelo canal dela e ver os clipes transantes de “Depois das onze” e na feitiçaria de “Rio abaixo de Rio“, feat com ÀIYÉ que eu gosto e Iana Moral. Outra coisa legal é que, no perfil da gata, no insta, tem um link de press kit pro seu drive, aonde dá pra pegar fotos e releases para todos os trabalhos, em assessoria de imprensa de guerrilha. Gata, você é massa 🎵.
Na playlist da sexta que passou, coloquei “Trago”, faixa que dá título ao bom álbum de estreia da carioca Alva, com colaborações de Vitão, CLEO, Day Limns e Chameleo. Alva se identifica como artista de dark pop, denominação que ganhou força com o sucesso de Billie Eilish e pode ser definida como o lado sombrio do pop, uma mistura de música pop animada com letras mais góticas. Tipo o meme do Chico Buarque rindo e sérião. A artista define o álbum como um ponto de cura, com canções que expõem feridas emocionais como uma forma de exorcismo. “Trago, de trazer, mas também de tragar, numa alusão ao que se consome, ao que inspiramos e colocamos nos nossos pulmões. Movimento inconsciente vital que nos faz humanos, mas também pode nos conectar com o divino”, explica Alva. Geral sentiu.
Na playlist do último dia 26 de maio, meti a ótima versão de “Sem samba não dá”, de Criolo, Ana Frango Elétrico e Jards Macalé. Pois a faixa faz parte de “Biscoito Fino”, uma coletânea lançada pela gravadora de mesmo nome que é tipos uma festa de famosos fazendo feats inusitados e apresentando novas versões para grandes canções. Biscoito Fino é expressão inspirada pela obra do modernista Oswald de Andrade, que cunhou “A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico”. E a biscoitagem comeu solta, com Jorge Mautner declamando sobre a bossa nova cantada por Dora Morelenbaun. O que pode ser mais moderno que Negro Leo e Arrigo Barnabé cantando “Sargaço Mar”, de Dorival Caymmi? Talvez Dona Leci Brandão em uma roda de samba tecnológica com Edgar, o glorioso encontro de Brisa Flow, Juçara Marçal e Metá Metá cantando Chico Buarque e ainda Luedji Luna e Arnaldo Antunes mandando aquele Robertão.
Este é o último finde do Sensorial, esta casa que vai deixar saudades e deu aulão de produção cultural e ética na noite juiz-forana. Sexta (9) tem Maracaju de Gaveta e Muvuka e, no sábado (10), Tatá Chama e as Inflamáveis e Varanda e aniversário da querida Laura Linhares.
A 31ª edição do Festival Forró da Lua Cheia está rolando até o dia 11, no Hotel Fazenda Vale das Grutas, em Altinópolis, São Paulo, com shows de Mestrinho convida Elba Ramalho, Marcelo Falcão, Luedji Luna, Leci Brandão, Lamparina, Marina Peralta, Foli Griô Orquestra (9) e Ney Matogrosso, Daniela Mercury, Black Alien, Larissa Luz, Academia da Berlinda, Siba, Alabama Mike & The Simi Brothers (10).
Pitty, Os Paralamas do Sucesso e Paula Toller estão no Planeta Ouro Preto, no sábado (10), no Centro de Convenções da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP.).
Segue o baile na primeira edição do Itaipava Jazz & Blues Festival, com Mark Lambert (EUA) e Little Joe McLerran (EUA) com Flávio Guimarães (9), Baptiste Herbin, Yaniel Matos, Blues Etílicos (10) e Victor Biglione, Cláudio Dauelsberg & Edigar Nio (11). O Soberano Itaipava fica Estrada União e Indústria. Calcula o frio.
Isso é muito Jufas Black Mirror: está rolando Festa das Nações até dia 13, e depois entre 16 e 18, na Praça Jarbas de Lery Santos, no São Mateus. Mano do céu, eu já andei de carrinho de batida no Parque Halfeld, pouco depois da mesma época quando ali havia uma pista de patinação, ai, os anos 80. Também fui muito na festa na Praça do Bom Pastor.
Conhecido por ser co-fundador e integrante do grupo de rap brasileiro Cacife Clandestino, o catarinense radicado no Rio, o rapper Felp22, criador da Medellin Records, selo da Sony Music, faz show no Cultural, na sexta (9), às 22h.
Sábado (10), no Beco, tem Samba de Colher, às 20h.
O espetáculo teatral “Seu Zé” (foto), inspirado em Zé Pelintra, do diretor Gabriel Bittencourt, segue em temporada na Estação Cultural, sexta (9), e no domingo (11), às 20h.
A peça infantil “As aventuras de Sonic”, tem apresentação, sábado (10), às 15h, no Teatro Solar.
Playlist com as novidades musicais da semana. Todas as playlists do 2012, 2021 e 2020 nos links. A playlist do streaming consolida lá pelas 2h de sexta.
Playlist de clipes com Rodrigo Cuevas, Duquesa, Bimini, Clarice Falcão, Halsey + SUGA, Alice Caymmi, Latto + Cardi B, Fado Bicha x Cigarra x JUDAS, Madison Beer, Idina Menxel, Danilo Timm, Siamese, The Weeknd + Madonna + Playboy Carti, ANNÁ, Kesha, Loreta, André Amahro, Puro Suco, Ian Ramil e Idris Elba + Toddla T + General Lewi + Naomi Cowan.
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