Sexta Sei: Brisa Flow faz música pelo bem viver

Artista indígena de sangue Mapuche lança seu terceiro disco, “Janequeo”, uma mistura de rap com outras vertentes eletrônicas e originárias em honra a guerreira de seu povo

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

 

Fotos por Camila Sánchez

Artista indígena de sangue Mapuche Brisa Flow faz som e arte em prol do bem viver em seu terceiro álbum, “Janequeo”, que chega hoje (3) ao streaming, em honra  a guerreira de seu povo que liderou quatro mil homens em guerra. Foi durante as gravações que ela descobriu o amor pelo parceiro musical Ian Wapichana, com quem divide o  amoroso e viajante clipe de “Making luv”. O brilho nos olhos surgiu durante as gravações, importantes justamente por mostrar originaries protagonizando afeto. “Não vemos corpas de pessoas originárias se relacionando em conteúdos de audiovisual, e esse é um reflexo do colonialismo que não nos quer felizes“, dispara.

No mais do que generoso papo, por e-mail, falamos do sentimento indígena de ver suas terras maculadas por extrativismo, garimpo e mineração e da criação do disco, um tear feito por várias mãos, as delas e de parceiros que encontrou, como Monna Brutal , Sodomita e Tidus, dentre outros. “Tem que ter coragem e autonomia para amar e fazer música em uma época de censura e tutela”, dispara.

“Making luv”, clipe gravado com o namorado Ian Wapichana na Mata Atlântica

Moreira – O clipe de “Making luv” é muito lindo e impactante. Adoro a moda, aquela cabeça rosa com franjas sobre a face, as sobreposições, a luva de agricultor, e adoro o clima meio onírico, meio hippie, de amorzinho na natureza. A ideia é falar de pessoas originárias e afeto? Realmente, é algo que não se vê muito. Você começou a namorar o Ian Wapichana, que participa da faixa, a partir do clipe?

Brisa Flow – Eu também amo esse clipe feito em parceria com Mimawai (selo musical transmídia que promove encontros e aliança entre artistas indígenas e não indígenas). A ideia inicial era trazer autoestima com um conteúdo audiovisual que falasse de amor e luta. Eu e Ian não namorávamos, mas já éramos bons amigos já há alguns anos, com parcerias de som e audiovisual. Nos conhecemos cantando juntos no pocket show do YBY (Festival de Música Indígena Contemporânea do Brasil) no MECAInhotim. Mas nunca tínhamos ficado, e acho que nenhum dos dois tinha pensado nisso. Aí, quando gravamos o clipe na cachoeira de Magé, aconteceu algo ali. Voltamos de lá com brilho nos olhos e estamos juntos desde então. Um relacionamento entre etnias diferentes, de lugares diferentes, mas com propósitos parecidos de fazer som e arte em prol do bem viver, o que falo na letra. Aí, mais de um ano depois, o clipe fez muito mais sentido.

Moreira –  Você é filha de imigrantes chilenos, com sangue da etnia Mapuche, um povo que sofreu despojo territorial. Mais da metade da população Mapuche vive hoje em zonas urbanas. Quais as principais reivindicações dos povos nativos hoje? O atual governo do Brasil é o mais insensível que já houve à causa indígena?

Brisa Flow – Eu costumo falar que a treta em Abya Yala (na língua do povo Kuna, significa terra madura, terra viva ou terra em florescimento e é sinônimo de América) é sobre território. Sempre é algo em torno da terra. Em nosso continente, os povos originários lutam e reivindicam terra para continuar suas vidas e cultura. Sem terra, não tem comunidade, não tem língua, não tem comida, não tem saúde, não tem moradia nem tem como criar nossos filhos sem bem-viver. Somos desterritorializados ou saímos de nossas terras por contextos de empobrecimento, violência e onde vamos parar quando vamos pra cidade ? Em periferias. A maioria das mulheres marronas (mulheres marrons, em uma tradução literal) em Abya Yala quando migram para a cidade estão em empregos mal remunerados. Infelizmente, os governos no Brasil e em Abya Yala como um todo ignoram que esses territórios pertencem a povos originários e não facilita processo de demarcação nem mesmo o de proteção às comunidades já demarcadas. O extrativismo, o garimpo,a mineração são práticas em curso alimentando um genocídio.

Moreira – O disco parte justamente do imaginário mapuche. “Janequeo” foi uma guerreira que liderou quatro mil homens na Guerra de Arauco para libertar Wallmapu do genocídio e vingar a morte de seu marido, Huepotaén. Quais histórias você conta no disco? O release fala de amor, coragem e autonomia.

Brisa Flow – Eu conto algumas narrativas pessoais misturadas com sonhos. Relações amorosas, sexuais, mercado da arte, academia das artes, indústria musical. Toda essa transculturalidade que me permeia. Esse lugar que meu corpo ocupa para conseguir existir fazendo música. Tem que ter coragem e autonomia para amar e fazer música em uma época de censura e tutela. Às vezes, eu lembro das músicas de Violeta Parra e Victor Jara que meus pais colocavam pra ouvir e sinto que ainda estamos cantando as mesmas coisas, de formas diferentes. “El derecho de vivir en paz”.

Moreira – A maioria dos artistas originários/nativos que conheci faz rap, como o Aworá e os Nativos MCs, que eu tive a honra de entrevistar aqui pra página. O rap é naturalmente o caminho para eles porque querem protestar? Porquê essa preferência do formato/ritmo? O seu som se desprendeu um pouco disso e parece caminhar em direção a uma música mais híbrida e, diria, mais globalizada, com rap, reggaeton, drill, trap, r&b, house… O disco está muito bonito 😉

Brisa Flow – O rap é uma música eletrônica muito foda que se mistura e se faz de muitas formas. Isso é muito foda. Talvez, daqui a muitos anos, a gente perceba o quanto o rap foi revolucionário. Acho que a facilidade de rimar em qualquer batida é a mágica que nos dá autonomia. Dá pra fazer rap na palma da mão, com bateria eletrônica, com trompa de jazz, com flauta andina. Eu amo fazer isso. Sou freestyleira, né, amo improvisar. Experimentar outros ritmos, novas misturas. Esse disco tem músicas como “Cerquita”, pra dançar juntinho, e tem música pra fazer amor e fazer roda de bate cabeça. Eu sou essa mistura aí de rap com house, drill, reggaeton. E, junto aos beats eletrônicos, têm instrumentos de sopro, como a flauta gravada em casa do Condor Andino Yaku, a trompa de jazz do Victor Prado.

Brisa Flow e Ian Wapichana. Foto Jon Thomaz

Moreira – Fala mais dos sons que te influenciaram na criação do disco e ainda das participações especiais que estão no trabalho, como Ian Wapichana, Sodomita, Monna Brutal e Victor Prado, Aby Llanque e Tidus.

Brisa Flow – Cheguei a uma época da minha carreira quando não dá para parar a agenda de shows para fazer um disco. Então, o disco vai se trançando conforme eu vou vivendo. Caminhando. Esse tear é feito por várias mãos, pessoas que atravessaram meu caminho e ficaram. Outras que tomaram outros rumos. E meu processo criativo é muito ligado ao que eu sinto e as conversas e fatos que acontecem. Todos os feats têm muita conexão envolvida. Monna Brutal sempre foi uma irmã com quem eu passo mais de uma hora no telefone. Eu a amo e a respeito muito, e a ter nesse disco é uma satisfação pra mim, que já estive no disco dela também (em “Dólar”). Sugiro que vocês escutem os discos dela, inclusive. São aulas. A Sodomita é uma mina que eu comecei a curtir recentemente e já sou admiradora do trabalho e do show dela. Ela me contou que quando gravamos, era seu primeiro rec. Isso é uma honra pra mim. Longa vida Sodomita! Ian Wapichana, se eu falar tudo que já fizemos juntos construindo nossos feats, vai parecer release risos. Eu gosto muito do trabalho dele já tem anos e estou feliz de estarmos juntos em uma faixa e na vivência e já aviso que vem mais um clipe por aí. Ele é muito talentoso, fez o beat do nosso feat e esteve presente em quase todo material de audiovisual produzido durante a feitura de “Janequeo”. Tidus me incentivou muito me mandando o beat de “Making Luv”, impulsionou o início da criação desse álbum. Ele me chamou pra colaborar com ele também e tenho certeza que vamos estar juntos em shows seja em Las Vegas ou aqui. Botem fé! Victor Prado é um amigo querido que fiz no período infernal da faculdade de música. Ele foi incentivo para eu não desistir de me formar. Ele é um dos trompistas de jazz mais fodas do mundo, mestre premiado internacionalmente. Precisamos conhecer e valorizar nossos instrumentistas no Brasil. Dá um google aí Victor Prado Programa Instrumental Sesc Brasil e assiste. O cara é muito foda. Abi Llanque é maravilhosa e me inspira muito desde que assistia o grupo que ela fazia parte, o Santa Mala. Me identifico com sua caminhada. Ela e eu somos mães de pessoinhas que já curtem muito rap e estamos sobrevivendo longe de nossa Terra e de nossas famílias em um país que muitas vezes nos vê como estrangeiras e não consegue nos ver como irmãs de mesma Terra Pachamama. As linhas das fronteiras são ficções coloniais e gravar com ela essa faixa que é uma das minhas favoritas  “Marrona Libre”: é uma conexão muito linda. Janequeo e Bartolina Sisa (heroína indígena que liderou numerosas revoltas contra o domínio espanhol em Charcas, atual Bolívia) devem ser lembradas. As mulheres dos Andes, caminantes ou não, assim como as pessoas originárias cis trans e two spirit, nao binaries de toda Abya Yala devem ser respeitades, tratades com dignidade e acesso à saúde e bem viver assim como a Terra também precisa ser tratada dom respeito e amor. É o início de um pensamento de liberdade.

*Os trechos em itálico são notas da edição

Abaixa que é tiro!💥🔫

Laura Conceição em foto de Natália Elmor e Radha Damasceno

O tempo é “um senhor tão bonito”, como diria Caetano Veloso, e parece que foi ontem que a rapper Laura Conceição cantava, pela primeira vez, a canção “Sossego”, em take exclusivo aqui para um das primeiras sextadas, em 2020. Ela acaba de lançar a música oficialmente, com produção de Alvaro Borges e Ever Beatz, anunciando novo disco que chega em julho, desprendendo a imagem dela um pouco do rap e trazendo uma cantora mais melódica. A faixa emula Tim Maia, Milton Nascimento, Elis Regina e Cazuza, uma homenagem à Música Popular Brasileira. Na pandemia, Laura participou de algumas lives da cantora Teresa Cristina. “Meu trabalho é muito pautado na MPB. Nossa música é nossa história. Quero reverenciar a nossa cultura”, analisa a cantora, que participu do especial de um ano de Sexta Sei.

Antônio Cruz., da Injustiçada, no La Cucaracha. Foto: I Hate Flash
Silva no Independência Vibra
Plutao ja foi planeta no Muzik. Foto: Victor Abex
Guilherme Veroneze. Foto Paula Duarte

Chique demais ser mineiro. Hoje (3), às 21h, tem show de Beto Guedes, no Cultural Bar, com as bandas Eminência Parda  e Los Kactus abrindo e fechando.

Hoje, às 22h, no La Cucaracha, em São Pedro, Crraudio, da Makoomba que eu gosto, está cheio das referências “Motomami” e vai tocar muito reggaeton e latinidades na festa Veneno, ao lado de Lucas Giello e do convidado carioca Antonio Cruz, da festa Injusticada,  que honra discos do pop que não tiveram reconhecimento.

​​No sábado (4), às 14h, a banda Polara, com integrantes de São Paulo, Rio, Porto Alegre e Osasco, faz show na Necessaire. Eles lançaram, no ano passado, a demo “Polara & Nico”, com quatro faixas. A tarde ainda tem shows da banda local Saginata, da carioca Passos Largos e da catarinense Cäbränegrä. Além dos shows, tem expo de Carlos Alberto Dos Reis Dias, de Ao seu alcance. Lindo o cartaz de Yuly Amaral.

O festival Independência Vibra chega à segunda tarde, neste sábado (4), às 15h, no estacionamento do Independência Shopping, com o cantor capixaba Silva e a boa banda local ETC, que já sextou por aqui.

Também no sábado (4), às 22h, no Café Muzik, a banda de indie rock/pop potiguar Plutão já foi planeta faz show na noite da produtora Microondas, que também tem apresentações das bandas Dulce melancólico, de Beloryhills, e a local Legrand.

No domingo (5) de junho, às 19h30, o pianista e compositor Guilherme Veroneze realiza show de lançamento do projeto artísticoSaudação”, no Teatro da Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora, na Rua Oscar Vidal 134, com entrada gratuita.

Aluayê por João Salamon

Taí um dos melhores discos do ano: inspirados em “Os Afro-Sambas de Baden e Vinícius” (1966), Chico Alves, Toninho Geraes e Trio Janaju lançaram “Aluayê – Os Novos Afro-sambas”, um desses raros discos que é todo bom, do começo ao fim. O Trio Janaju trouxe a estética do disco e é formado pelo maestro Jaime Alem e pelas cantoras Nair Cândia e Jurema de Cândia. O mineiro Toninho Geraes é compositor de sucessos nas rodas de samba Brasil afora, gravado por Beth Carvalho, Martinho da Vila e Zeca Pagodinho. “Pedi essas melodias aos Orixás, me conectando com as melodias lá de cima”, revela Geraes. “Ele me mandava as melodias assobiadas e eu caprichava nas letras”, completa Chico Alves.

Fotos por Louize Braga

O artista Felipe Vaz questiona o protagonismo dado à orla carioca no seu segundo disco, o bom “Terra de Mulher Bonita”, um tributo à sua Duque de Caxias. “Eu fico puto como a poesia do Rio de Janeiro se destina restritamente, às praias, bares e lugares da burguesia carioca. A gente da baixada, a gente de Caxias, ama, se apaixona, chora, fica triste. Conhecemos nosso grande amor num bar da cidade, e quando perdemos outros amores, é na igreja do bairro que acontece a missa de Sétimo Dia”, diz, na faixa de abertura, Ygûasu”. É sem medo de abraçar suas origens que ele construiu um lindo disco de amor no sentido oposto dos cartões postais. O título faz referência a uma antiga placa feita à mão na Baía de Guanabara, na altura da Linha Vermelha, com o emblema “Duque de Caxias: Terra de Mulher Bonita”. “A ideia central do disco é poder falar sobre meus amores, paixões, inseguranças, crenças, política e visão de mundo, tendo a cidade como objeto poético. Assim como é ‘belo’ falar sobre a Garota de Ipanema, quero mostrar como é bonito também falar sobre a Terra de Mulher Bonita. Para além do apego local, o álbum é para todos aqueles que amam, choram, sentem saudade, se frustram, e que vão se reconhecer nessa jornada”, conta Felipe. O disco teve produção de Buzu (Heavy Baile, Her Songs), também nascido e criado em Caxias.

Sim ou com certeza? A personagem Katylene, criada pelo querido amigo e blogueiro Daniel Carvalho, que nos deixou em 2021, ganhou um mural na rua Bela Cintra, 540, no bairro Consolação, na cidade de São Paulo, aonde ele morava. A pintura foi feita pelo artista Rafa Arena. O humorista foi uma das primeiras celebridades na internet e chegou a apresentar programa na MTV e na Band.

“Dani foi uma pessoa que sempre me ajudou muito. Achei que ele e Katylene mereciam uma homenagem e fiz por meio da minha arte. E ter um mural faz com que as pessoas também interajam e fiquem próximas do personagem. A escolha do local também é significativa: foi ali na Rua Bela Cintra onde ficava a Funhouse, casinha onde ele começou a sua primeira festa, Balada Mixta, em 2009″, me contou Rafa Arena.

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano. Ainda tem as playlists de 2021 e 2020.

Playlist de clipes com Tuyo, Tim Bernardes, Seventeen, DJ Snake, Calvin Harris + Dua Lipa + Young Thug,  Solardo + Comanavago, Gloria Groove, Mäneskin, Protoje, Fito Paez, Harry Styles, M.I.A., Pássaro vivo, Mulamba, Tears for fears, Arthur Nogueira, Radiohead

 

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