Sexta Sei: A sonoridade trans-oitentista de Viridiana

José Hansen viu um show da gata em Porto Alegre e é só elogios pra versão ao vivo do bom álbum de estreia “Transfusão”

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Todas as fotos por Lau Baldo

Viridiana era o nome que os pais da multiartista trans Bê Smidt, 23 anos, iriam escolher caso ela “tivesse nascido menina”. Qual nome melhor para assinar o seu bom disco de estreia, “Transfusão”, lançado em outubro último, pelo selo feminino PWR Records, senão esse? O álbum, que fala justamente do processo de se descobrir trans, tem sonoridade trans-oitentista, eletrônica, evocando os anos 70 e 80 e ainda nomes contemporâneos, como SOPHIE, Arca e Caroline Polachek.

Nosso correspondente em Porto Alegre, José Hansen, foi ao show de lançamento do disco, no último dia 23, no Agulha. “Bonita, ela produz o som todo, toca guitarra, solta as programações, canta muito também. A plateia cantou todas as músicas”, me contou, pelo Whatsapp, ao sugerir a pauta. Bati um bom papo com a gata, “rainha da câmera frontal”, por e-mail, no qual falamos como o disco ajuda a amplificar vozes e vivências como as dela, “dando uma dançadinha gostosa” no caminho.

“3×4”, rainha da câmera frontal

Moreira – O seu bom disco de estreia, “Transfusão”, fala sobre estar no mundo como pessoa trans, como “ser trans pra fora”, como diz a sua fala no release. Como ser uma pessoa trans influenciou na sua criação? Quais foram as suas principais influências musicais?

Viridiana – Oi! É um prazer estar aqui compartilhando um pouco da minha trajetória com vocês 🙂 Então, acho que a minha experiência como pessoa trans foi muito marcada, na minha juventude, por nem saber que isso era uma opção, sabe? Eu me lembro, na adolescência, a primeira vez que eu li na internet uma explicação sobre ser “transgênero”, e só pensar “putz… é exatamente assim que eu me sinto”. Isso foi com uns 13 anos e, desde então, é uma exploração contínua de como existir de uma forma plena e que me deixa feliz. Claro que com esse existir vem muitas situações de preconceitos, conversas chatas e um perigo pelo próprio desejo e existência, mas acho que o disco faz um bom trabalho em falar sobre isso, então vou deixar pras canções. As minhas influências musicais acabaram sendo muito importantes não só pra minha criação sonora, mas pra desbravar esses territórios de gênero dentro de mim. Me lembro de, desde o início, ter aquelas imagens icônicas do David Bowie na cabeça, como alguém que parecia não se importar muito com essas fronteiras de gênero (tanto de pessoa quanto de música). Pensando na contemporaneidade, a figura da SOPHIE é importantíssima pra mim, como uma mulher trans muito dona da sua imagem e do seu som. Parece que tudo que ela fazia vinha carregado de um conceito de beleza muito único e que ressoa muito em mim. Penso muito também no trabalho de pessoas contemporâneas aqui do Brasil, como a Maria Beraldo, a Juçara Marçal, a Jup do Bairro, a Linn da Quebrada e a Mahmundi. É um mosaico gigantesco, mas essas são pessoas que sempre surgiam nos papos da pré-produção do disco.

“Menina”

Moreira – Na sua bio do Instagram, você diz “Faço música eletrônica com sentimentos analógicos”, achei muito bom. Quais são os sentimentos que você processa no disco? Como foi a escolha do seu nome artístico?

Viridiana –  Que bom que tu gostou! Foi daquelas que eu me senti bem publicitária quando pensei rs. Então, o disco foi escrito no meio de uma panela de pressão de coisas: pandemia recém tinha começado, as (não) reações do governo, as distâncias físicas e emocionais que a gente teve que adotar entre ume e outre. e a minha relação comigo mesma, em um ponto em que eu senti que precisava adentrar profundamente na minha transição de gênero. Acho que uma grande parte das gêneses das canções caem nesses tópicos, mas gosto também de deixar um espaço grande pra interpretação de quem ouve. Até pra não datar muito as letras, não queria fazer algo que sempre remetesse a esse período que é super complexo. Uma das canções que não cabe tanto em nenhum desses assuntos é a última faixa do disco, “menina”, que fala sobre essa questão do nome. Eu escolhi Viridiana por causa de uma conversa que tive com a minha mãe quando eu devia ter uns 11 anos, em que eu perguntei que outros nomes ela e meu pai tinham pensado pra mim antes de eu nascer, e ela me respondeu, entre outros, que se eu “tivesse nascido menina”, meu nome seria Viridiana. Aquilo ficou comigo um tempão, e lá pelos meus 20, quando comecei a compor e produzir, eu pensei que esse nome fazia muito sentido.

Moreira – A masterização do disco foi feita pela Malka Julieta, do falecido Trava Bizness. Como foi trabalhar com ela, e quais colaborações ela trouxe para o disco? Ela esteve aqui em Jufas, participando de um bate-papo sobre música feita por pessoas trans e foi bem bacana.

Viridiana – A Malka é uma pessoa muito incrível e atenciosa com o trabalho dela, e isso é algo que eu acho essencial em uma colaboradora. Eu tinha antes uma relação de fã, olhando de longe, dando likes e streams (risos). Quando rolou a aprovação do projeto do meu disco no Natura Musical, e eu pude ter dinheiro pra pagar alguém pra masterizar, eu sabia que queria uma pessoa trans, e eu fui tremendo chamar ela no Instagram. Logo de início, eu falei que queria deixá-la  super livre pra ouvir o que ela sentia, que podia ser a cor e a textura dessas músicas, tanto que o disco, antes da master, tem uma cara super diferente! Ela conseguiu criar uma nostalgia e um conforto nas canções que eu nem sabia que tava faltando, mas tava! Me lembro o dia que ela tava finalizando a master do disco todo, e a gente trocando mensagem no início da madrugada “chorei fazendo essa”, ela me dizia. E eu aqui, em Porto Alegre, pirando em pensar que meu disco já tava rodando sem nem ter lançado ainda! Eu sempre tive aquele fluxo de trabalho muito de quem produz em casa, de também mixar e masterizar só com meus ouvidos, mas ser acolhida por uma outra pessoa que eu respeito e valorizo muito o trabalho transformou muita coisa no meu processo.

As fotos do show de estreia no Agulha

Moreira – Nosso correspondente em POA foi ao último show no Agulha e me contou que você toca guitarra e solta as programações, ao vivo, além de cantar muito. Como tem sido apresentar o disco ao vivo? O que podemos esperar do seu show?

Viridiana – O show que a gente fez na semana que passou agora (dia 23) foi o primeiro show oficial com o repertório do disco, com direito a banda, cenário e figurino! Uma chiqueza só. Antes, havia tido uma gravação de session só, mas em um formato reduzido, sem as programações, só com guitarra, voz, baixo e os samples que o baterista (Carlo Ferrari) dispara. Mas esse show de lançamento foi uma energia inigualável! O Agulha, aqui em Porto Alegre, é uma casa muito especial pra mim. É onde eu assisti aos shows que mais me impactaram como pessoa e, quando eu fechava os olhos lá, no início da pandemia, era o lugar pra onde eu ia ouvir essas músicas tocando super alto e vibrando tudo.  Então, no show, eu desempenho uma função meio híbrida. O show todo tem um objetivo de transportar a experiência imersiva do disco pro plano do corpo e da sensação de estar ali. Então, eu disparo as trilhas com tudo do disco que não temos como tocar ao vivo (os sintetizadores, efeitos, algumas linhas de guitarra e baixo), e, daí, temos uma formação de trio com a Gabriela Lery tocando baixo e guitarra, e o Carlo na bateria e na SPD. A parte legal disso é que o público quase não sabe o que esperar, me parece, porque tem horas em que o beat vem da trilha, e outras em que temos o beat eletrônico com a bateria acústica estourando por cima, é super lindo! Assim, a gente também pode transfomar alguns arranjos, pra proporcionar uma experiência única pra quem foi ver o ao vivo, mas ainda entregar os momentos mais queridinhos do disco pra quem é fã. Tem momentos, também, em que a gente suspende totalmente a trilha, eu vou pra guitarra, e fazemos umas inteiramente ao vivo, sentindo a conexão entre nós, banda e público. Uma verdadeira transfusão 🙂

Moreira – Porto Alegre tem uma boa tradição roqueira, mas tudo sempre feito por homens. Edu K estava se montando como drag, há alguns anos. Como a turma tem reagido ao seu som? Você troca com essa turma do rock?

Viridiana – É, acho que eu não sou exatamente a cara do rock gaúcho… Mas tem sido muito bom trocar com outras pessoas, principalmente de uma “nova geração”, da música daqui! A gente tem presenciado uma efervescência de muites artistas indo pra linguagens do Eletrônico (onde eu encontro a maioria de outras pessoas trans da cena), do hip hop, da música Instrumental, e até desse pop mais eletrônico que eu exploro. As duas pessoas que foram diretoras artísticas do projeto, a Bel_Medula e a Rita Zart, são duas figuras que eu considero vozes muito singulares e importantes pra cena daqui, até como pessoas que ajudam a desconstruir essa imagem de que no sul só tem um tipo de vertente musical! Evidente que rola, às vezes, uma sensação de não encontrar pessoas com pontos de vista muito parecidos com os meus, mas acho que tem uma riqueza nisso também! Essa semana no show, a gente conseguiu esgotar a lotação da casa com mais de 200 pessoas, e foi uma sensação de um grande abraço. Foi bom ver também que muitas pessoas trans daqui conseguem se identificar com as canções, que sempre foi um dos meus objetivos com esse trabalho: ajudar a amplificar nossas vozes e vivências (e dar uma dançadinha gostosa nesse caminho).

Abaixa que é tiro!💥🔫

the face of god
big brother brasil bbb
enjailed bolsonaro
there are only losers in war
stop the war
jair bolsonaro and vladimir putin french kiss
megadeth playing with maradona
no more war
bolsonaro dying and everyone is happy
aceita o troco em bala

Tenho me divertido acompanhando ao perfil ai_curio_bot, no Twitter, um bot que gera obras de arte criadas por meio de Inteligência Artificial. As artes são criadas a partir de tweets enviados ao perfil, que tem períodos de submissões todos os dias. Eu tentei, exaustivamente, gerar uma arte tuitando “Sexta Sei” ou ainda “Sexta sei Baixo Centro”, sem sucesso. Parece que o bot me achou meio marqueteiro, mas não guardei rancor. O mesmo perfil comercializa algoarts semelhantes e de preços bem democráticos aqui nesse link.

Estreia hoje (4), às 20h, no canal do Grupo Galpão no YouTube , o filme “Febre”, com direção de Marcio Abreu. O novo trabalho do grupo mineiro tem 23 minutos de duração e texto do ator Paulo André inspirado na realidade imposta pela pandemia. Às voltas com o fim de uma época, um mundo prestes a acabar, um casal resolve sair às ruas para respirar, andar, observar, duvidar e, se possível, antever horizontes. A história tem diferentes camadas temporais que se alternam entre a realidade e o delírio. O filme fica disponível das 20h às 23h até o dia 13, encerrando o projeto “Dramaturgias – Cinco passagens para agora”. Integram o elenco de “Febre” os atores Antonio Edson, Eduardo Moreira, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e a musa Teuda Bara. Eles se revezam no papel do casal.

Diários de Andy Warhol 

Depois de levar um tiro, em 1968, o ícone da pop art Andy Warhol começou a registrar a vida e seus sentimentos em diários que vão até 1989. A série documental de seis episódios “Diários de Andy Warhol” estreia no dia 9, na Netflix, com produção executiva de Ryan Murphy, e parte desses diários para contar a história do artista cuja maior obra de arte era ele mesmo. A série recriou a voz de Warhol por meio de tecnologia de inteligência artificial e conta como ele e Basquiat tinham uma relação especial e até como usava a cor vermelha para falar sobre Aids. A série traz o entrevistas com Julian Schnabel, John Waters, Fab Five Freddy, Jerry Hall, Debbie Harry e mais. Imperdível. 

Esse mês, no canal streaming, ainda tem o filme de “Downton Abbey”, dia 14, e a segunda temporada de “Bridgerton”, de Shonda Rhimes, no dia 25. Falando em Shonda, comi bem rápido a série “Inventando Anna”, que conta a história real da golpista Anna Soronkin, que fingiu ser uma rica herdeira alemã no início dos anos 2010. O jornalista Renan Guerra ainda indica o documentário “Madalena”, de Madiano Marcheti, com “um interessante olhar sobre a vida das pessoas trans no Brasil”.

No próximo dia 9, chega às plataformas “Gēmeos”, o quarto álbum de estúdio da boa banda paulistana Terno Rei, que sai pela Balaclava Records. O disco já chega com tour de dez datas por nove estados brasileiros e passagens por festivais como o Lollapalooza Brasil e o Mada. A banda já deu algumas pistas com dois singles lançados que passaram aqui pelas nossas playlists, como a melodia grudenta e as guitarras anos 90 de “Dias da Juventude” e a pós-punk, dançante e sombria “Difícil”. Na última quarta, saiu a balada “Aviões”. A banda é formada por Ale Sater, Bruno Paschoal, Greg Maya e Luis Cardoso.

homem perto dem
foda-se
o beijo do amor verdadeiro
homem numa brincadeira de sentir, sem sentido
homem lotado de referências, sem espaço para si mesmo
homem a bordo de sua própria solidão
Obra do artista tatuada por Marcos Moraes.
Obra do artista tatuada por Marcos Moraes

Considerado um dos artistas com mais obras tatuadas pelo Brasil, o catarinense  Susano Correia faz sucesso, nas redes sociais, ao traduzir sentimentos profundos e universais em uma atmosfera quase barroca. Ele está em cartaz, em São Paulo, com a exposição “À Melancolia”, na galeria Objectos do Olhar, na Rua Augusta, até 5 de abril, com 80 obras, entre pinturas a óleo, desenhos, gravuras e esculturas. “Cada obra tem sua mensagem, mas sempre foco na relação do sujeito com ele mesmo. Questões psicológicas e existenciais. Essas são questões que unem o trabalho de modo geral. Problemas que a maioria das pessoas têm em comum. Questões de vida, morte, solidão, amor, saudade, perda”, reflete Susano. As tatuagens das fotos foram feitas por Marcos Moraes, que estará na galeria, entre os dias 15 e 20, tatuando obras do artista.

​​Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano. Ainda tem as playlists de 2021 e 2020.


Playlist de clipes com Mulú + Letrux, Daniela Mercury, Tyga + Doja Cat, Sevdaliza, TH4I, Bonde das Maravilhas + MC Pedrin do Engenha, FKA Twigs + Jorja Smith + Unknow T, Giulia Be, One Republic, Luna Ki, Charli XCX, Sara não tem nome, Kalli, Troye Sivan + Gordy, Natiruts + Melim, Banana Scrait, Pabllo Vittar + Ivete Sangalo, Baby Keem,  Kygo + DNCE e BIAB


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