Sexta Sei: O silêncio brutal que precede a poesia do cantautor Gabriel Milliet

Álbum de estreia coreografa em música alguns sentimentos, como o de estar de volta ao Brasil

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Gabriel Milliet por Biel Basile

Eu fui tocado pela poesia do paulistano Gabriel Milliet, 34 anos, nos primeiros minutos de exposição à belíssima canção “Silêncio brutal” que, não a toa, é a detonadora de seu álbum de estreia, “Um“, que chega nesta sexta (1), tocando os corações. Sua poesia é de tão incontestável beleza que fez este velho lobo da imprensa parar de torcer o nariz para o termo cantautor. Pois Gabriel é um cantautor do nível de Bob Dylan, Paul Simon, Zé Rodrix, Belchior,  Elton John, Jorge Mautner, Sérgio Sampaio, Carole King e tantos outros gênios. Além dos papos que temos batido, pelo chat do Instagram, levamos esse lero aqui pra Sexta Sei, por e-mail, no qual Milliet falou, com muita generosidade, do álbum, que acompanha seu processo de retorno ao Brasil, depois de 7 anos na Holanda, estudando, e coreografa em música alguns sentimentos.

Moreira – Fiquei profundamente tocado quando conheci o seu trabalho com “Silêncio brutal”, canção que te fez entender a necessidade de fazer este álbum. Qual foi a inspiração dessa canção e porque acha que toca tanto as pessoas? Mostrei ao Lucas Gonçalves, e ele também ficou encantado…

Gabriel Milliet – Fico feliz que bateu aí e fez sentido! Essa canção tem chegado nas pessoas mesmo… tem uma sinceridade grande, é muito franca, e acho que a junção disso com os contrastes musicais é o que dá o barato – aquela primeira parte mais aberta e estática, e o refrão movimentado que chega nos arpejos meio etéreos; são coisas que não necessariamente tendem a funcionar juntas, mas acho que acabei acertando. É difícil dizer, ainda mais eu que não tenho distanciamento para analisar, né? Foi daquelas que vieram muito rápido, comece a escrever e depois de uma hora e pouco estava pronta. Quanto à inspiração, sinto que, além da coisa autobiográfica, da necessidade de criar para cantar para mim mesmo e coreografar em música alguns sentimentos, fazia um tempo que eu queria escrever canções desse jeito quase confessional, de alguma maneira menos rebuscada ou pretensiosa poeticamente – canções que tem sua beleza exatamente na maneira como essa fala desnuda em primeira pessoa se choca com a emoção musical. Eu diria que foram esses os impulsos iniciais. 

Moreira – No álbum, há uma analogia interessante com formatos de correspondência. Algumas canções são cartas, como “Silêncio brutal;”, “Carta de Natal”, “Carta de Ano Novo” e “Futuro”, e outras,  cartão postal, como “O sol e o mar”, de onde veio a ideia dessas analogias?

Gabriel Milliet – Isso foi algo que entendi a posteriori, que pela natureza do que eu estava sentindo/falando aconteceu de a forma poética ser de correspondência, como você mencionou. Durante os cinco anos que morei fora do Brasil, minha experiência de imigração foi sempre marcada por essa sensação de viver dois mundos em paralelo, quase que duas vidas, e nessas canções fui estabelecendo um diálogo entre esses mundos, seja através de amigos, de mim mesmo, de lugares, de menção a artistas que são referência para mim. Então o formato carta, correspondência, cartão postal – que é uma pílula de memória – veio daí. Agora que voltei, sei que é um mundo só, e minha percepção começa a dar conta disso – mas é confuso, acho que o mundo cresce para todo mundo durante a vida, mas a experiência de ter crescido minha percepção do mundo vivendo em outro país ainda é um racha nem sempre muito conciliável com minha recente vida cotidiana em São Paulo.

Moreira – Rapaz, tenho uma imensa implicância com os termos cantautor e autoral. Pra mim, se não é cover, é autoral. Essa semana, cantautor me apareceu em dois releases de artistas que estou admirando, você e o jovem Thomé. É realmente necessário usarmos? kkkk

Gabriel Milliet – Hahahahaha. Na real, também acho estranha a coisa do autoral – mesmo porquê tem música original que soa cover e gente que faz versão de forma muito autoral, né? Às vezes, acho a maneira como usamos “compositor” aqui no Brasil um pouco pomposa, um pouco herança da coisa da música clássica, do papel de “deus do olimpo musical” que tem essa figura – e desconfio que nem sempre o termo da conta de pensar a música popular, onde a composição acontece muito de forma coletiva. Por exemplo “Construção” do Chico, a gravação do álbum de 1971, num acho que dá para dizer só que é uma composição do Chico, aquela gravação é uma composição do Rogério Duprat também, no mínimo! O Chico é o autor, o cantor, o……. cantautor! Mas não há um só compositor ali. Ou “Silêncio Brutal” mesmo, o Biel Basile compôs aquelas viradas de bateria do refrão, e sem elas seria outra peça musical, outra sensação. Gosto como, nas culturas musicais em inglês, espanhol e italiano, usa-se esse termo (singer-songwriter, cantautor, cantautore), e sinto no termo cantautor uma coisa mais popular, mais próxima do ofício de quem escreve canções, do que o termo compositor. Mas assim, necessário num é né? Desconfio que palavras novas no repertório que começam a pintar por aí estão buscando nomear algo que as velhas não estão dando conta. 

Moreira – Depois do mestrado na Holanda, esse álbum me parece uma declaração de amor ao Brasil, especialmente São Paulo. Estava com muitas saudades? A poesia é imensamente paulistana, essa poesia urbana, da fumaça, com citação a Maurício Pereira… Adorei o álbum.

Gabriel Milliet – Estava morrendo de saudades. Estava buscando pertencimento, ressonância cultural, identidade. Como estrangeiro fui confrontado com minha identidade nacional como nunca – no meio de holandeses, eu era muito brasileiro, e em qualquer cidade que ia me sentia paulistano. É um processo de autoconhecimento, e de uma dose de idealização, porquê a distância, e o tempo (os cinco anos fora, em que tanta coisa mudou por aqui), dão uma fantasiada na memória e na sensação sobre o que realmente é o lugar de origem. Tentando cantar de forma objetiva a minha saudade do Brasil/São Paulo, acabei tocando de forma mais profunda nesses sentimentos de pertencimento, origem, memória, que acontecem na gente de formas diferentes.  O doido é que agora, de volta, vivendo concretamente no lugar antes idealizado, tudo mudou. Me sinto menos brasileiro do que nunca, não num sentido arrogante e bocó, mas a marca de ter sido estrangeiro não sai e, hoje, tenho um grupo de amigos muito íntimos cada um de uma nacionalidade, e são relações foda pois é um choque constante de diferenças no qual se constroem familiaridades e afeto. Enfim, um dos resultados dessa experiência como estrangeiro é que acho “nacionalismos” mais cafonas do que nunca. Obrigado pelas perguntas e pela troca de ideias, Fabiano! Uma alegria poder compartilhar um pouco as ideias que me rodeiam quando penso nesse disco.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Maestro Ubiratan Marques em imagem de Cartaro

“Se você não sabe o que é um Obi, se você não sabe o que é um Orobó, uma quartinha de água, uma vela, eu não tenho sastisfação para te dar”, diz a voz que abre “Obi Orobó”, uma das músicas mais belas do ano, a primeira do aguardado disco do maestro baiano Ubiratan Marques, “Dança do Tempo”, que será lançado pelo selo Música de Louco, do Baianasystem, no dia 19 de outubro. Obi Orobó são duas sementes utilizadas em processos do Candomblé, homenagem a Mãe Edelzuita de Oxaguian, filha direta de mãe Menininha do Gantois, e avó do maestro. Pianista, compositor, arranjador e educador, Bira Marques, como também é conhecido, é o fundador da orquestra Afrosinfônica, coletivo de 23 músicos criado em 2009 em Salvador com dois discos lançados, “Branco”, de 2015, e “ORIN, a Língua dos Anjos”, indicado ao Grammy Latino 2021. O álbum “Vida de Viajante, de Maria Dapaz, também com arranjos do maestro, foi indicado ao Grammy Latino 2004. Ubiratan une a tradição afro-brasileira, sua herança sertaneja e elementos sinfônicos, da música pop e do jazz. Marques já fez arranjos e trabalhou com Maria Bethânia, Johnny Alf, Toninho Horta, Mart’nália, Chico César, Jorge Mautner, José Celso Martinez, Mateus Aleluia, Daniela  Mercury, Gilberto Gil, Luiz Melodia, Margareth Menezes e Carlinhos Brown, entre tantos outros. O maestro é integrante do BaianaSystem desde 2018.

Eu já falei aqui que a cultura ballroom é a revolução em curso, o hip-hop das gays, tudo o que a gente quer ser. Pois o artista queer carioca Zéza acaba de lançar o clipe poderoso de “Jesus e o Orixá”, inspirado pela sonoridade do hit “Levitating”, da cantora Dua Lipa, tendo o ballroom como linguagem. “Eu quero ver Jesus voltar / de braço dado com meu Orixá / em posição de lótus / como um avatar”, diz a letra, que evoca a “fé no pix, irmão”, e decreta que “tudo isso é corpo vivo do que você chama de Deus”. A música combate o fundamentalismo e o racismo religioso e dá protagonismo à cultura preta e LGBTQIA+. O single faz parte do álbum “Bicha Mandingueira”, que será lançado em outubro, pelo selo Colmeia22. Fiquei curioso.

Acho que eu vou ter que engolir essa história de cantautor, ô palavra medonha, pois chegou mais um cantautor aqui no meu e-mail, essa gracinha que é Thomé, 28 anos,  que acaba de lançar o single “Ciranda pra Janaína”,  canção de Kiko Dinucci e Jonathan Silva que ganhou novas cores na sua interpretação, no link. A música, que remete à cantiga de roda, ganhou arranjo com a presença de um coro feminino composto por sete vozes. A faixa tem forte influência dos pontos de umbanda e candomblé, como mostram as percussões de Danilo Moura.  A faixa foi escolhida para abrir os caminhos para o álbum “Quebra-Cabeça”, que está vindo aí. Thomé é formado em canto popular pela EMESP, integrante do Coral Jovem do Estado e gravou backing vocals para o último disco de Chico César.

A Banca Vera
Obey! por Saul Carvalho
Helgi no JF Rocck City em foto de Pedro Quíron
Ana Frango Elétrico por Hick Duarte
Espetaculo Sala de Giz. Foto: Lucas Guimarães
Masego no Rio e em São Paulo
"Hair" por Débora Agostini
Ana Liz
Juliana Stanzani por Isabella Campos

Hoje, sexta (1), às 15h, inaugura, na vila do Meiuca, em São Mateus, a Banca Vera, de Paula Colucci, uma livraria independente, com livros, zines, prints… Conheci a Paula na vila e tivemos uma conexão instantânea. Tanto que ela me pediu fotos para plotar na banca, que ganhou capivarinhas do Paraibuna e cebas do Jardim Botânico.

Juliana Stanzani faz show do bom álbum “O avesso do não”, sexta (1), às 21h30, no Beco. A talentosa Ana Liz faz show, domingo (3), às 18h. Ela lançou, recentemente, o clipe de “Baralho”, dirigido por ela mesma. Ana é filha da minha amiga Fabrícia Oliveira, e a vi cantando, ainda adolescente, abrindo show do Martiataka. A gata promete.

Tem Baile do Cambará, sexta (1), às 22h, no Cultural, com Maracaju de Gaveta e DJ Kalango. No sábado (2), rola Onze:20 e Helgi.

O rock musical sobre a geração hippie “Hair, a nova era de Aquário” tem duas apresentações, sábado e domingo (2 e 3), às 20h, no Teatro Paschoal Carlos Magno. A prê-estreia foi diumtudo, com destaque para as performances de Pedro Araújo, Vincius Peres, César, Aline Crispin e Vinícius Cristóvão.

“Rede Bruta”, o mais recente espetáculo da Sala de Giz, volta ao Teatro Paschoal Carlos Magno nos dias 5 e 6 de setembro, às 20h. Uma comédia sobre webcelebrities e realismo fantástico.

Wanderléa canta seus sucessos, sábado (2), às 21h, no Cine-Theatro Central.

A primeira noite do Juiz de Fora Rock City rola na quinta-feira (7), das 13h às 22h, na Praça Antônio Carlos, com shows de Stonehenge (tributo a Black Sabbath), Helgi, Legrand, Libertá, Big Dog Daddy, Excêntrica e a Obey! que eu gosto. Continua no finde que vem. Doando 1kg de alimento não-perecível (exceto sal e fubá) que serão doados e entidades de combate ao câncer, ganha pulseira que dá acesso a todas as atividades do festival no dia em todos os espaços, na Praça, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM), onde acontecem as exposições de fotos e itens “40 anos de Rock em JF” (Flashback) e do artista Vitor Merij e arena gamer, e no Bar da Fábrica, aonde tem after todos os dias.  

O laboratório cultural e vitrine artística MangoLab realiza a primeira edição de Mango 2023, neste sábado (2), às 10h30, no jardim ecológico Uaná Etê, em Sacra Família do Tinguá, cidade do interior do Rio de Janeiro. Curadores de festivais como Rock the Mountain e Doce Maravilha, eles escalaram Jorge Aragão, Céu, Rodrigo Amarante, Marina Lima, Ana Frango Elétrico cantando Bjork a Jorge Ben, Julia Mestre, Os Garotin, Glau, Rodrigo Penna e grande elenco.   

O festival The Town acontece em São Paulo, nos dias 2, 3, 7, 9 e 10 de setembro, na Cidade da Música, no autódromo de Interlagos. O evento é dos mesmos organizadores do Rock in Rio. Entre os shows, estão Iggy Azalea, Demi Lovato. Post Malone, Tasha & Tracie convidam Karol Conká, Criolo convida Planet Hemp, Hermeto Pascoal e Esperanza Spalding (2), Luísa Sonza, Bebe Rexha, Bruno Mars, Ney Matogrosso, Seu Jorge, Lia Clark, Luccas Carlos, Jonathan Ferr e Esperanza Spalding (3) e Ludmilla, Liam Payne, The Chainsmokers, Maroon 5,  Maria Rita, Masego, Hodari, Larissa Luz, Afrocidade, Ivan Lins e Stanley Jordan (7).

Rodando o mundo com a nova turnê “You never visit me”, o cantor e multi-instrumentista americano Masego aporta no Rio de Janeiro em 5 de setembro, terça-feira, às 20h, no Circo Voador, em show promovido pelo Queremos!

O paulistano Maikon já foi evangélico e cantor de gospel e, há dois anos, saiu do armário com muita força, VRAU!, e está quebrando tabus dos tempos de oração no clipe de “Ainda estou aqui”, esquenta pro seu novo EP, “Independente”. O gato, que canta pra caramba, gravou clipe que mostra “situações de fetiches, desejos e sexo” no Dédalos Bar, point de pegação gay do Arouche, em São Paulo. “A espiritualidade é muito mais importante do que levar o título de alguma igreja”, prega o artista. Maikon já regravou canção de Wanessa Camargo,  “Não resisto a nós dois”, mas foi uma composição sua, “Inabalável”, que ganhou atenção do público, mais de 600 mil plays no Spotify. Para o EP, ele promete “canções sobre amizade, curtição, quebra dos paradigmas da família tradicional, e situações do cotidiano de pessoas LGBTQIAPN+”, adianta. Ele é um dos destaques da minha coluna de agosto na Revista Híbrida.

Playlist com as novidades musicais da semana, que consolida lá pelas 2h de sexta. Todas as playlists do 2012, 2021 e 2020 nos links.

Playlist de clipes com Clara Castro, The Kills, Greta Van Fleet. James Blake, beiramaquina & Marcelo Cabral, Smoove & Turrell, Audrey Luna, Mihay, Luna França, Yussef Dayes + Bahia Dayes, Funny Alexander, Anitta, Icona Pop, Aitana + Rels B, Tz da Coronel + Kawe + Vulgo FK, Sargaço Nightclub, Hodari + Marcelo D2, SZA, MHD, Iggy Azalea, Ebony e Dorian Electra.

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