Sexta Sei: Boneca Pau Brasil: Marina Mathey revê a semana de 22 pela perspectiva travesti

Artista paulistana lança disco de estreia que questiona a ausência de sua comunidade dos livros de história, do modernismo e do Tropicalismo

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Marina Mathey por Ferrerin

Eu já tinha cantado a pedra de que o álbum de estreia da cantora e compositora paulistana Marina Mathey, 29 anos, o conceitual “Boneca Pau Brasil” iria abalar as estruturas desde o lançamento da faixa-título, com clipe. No álbum, ela questiona o apagamento da comunidade travesti dos livros de história, do modernismo e até do Tropicalismo e da necessidade de uma perspectivas de prosperidade. “Quando eu atravesso o meu lamaçal, transiciono, encontro as minhas potências nesse mundo, toda a minha volta precisa transicionar de alguma forma para conviver com a minha existência”, dispara.

fotos: Christian Pentagna

Com direção musical de Amanda Magalhães, neta de Oberdan Magalhães, fundador da Banda Black Rio, o disco promove uma mistura antropofágica de samba, forró, tango, “brasilatinidades”, “rock debochado de travesti” e pop. Batemos um papo, por áudios de whatsapp, no qual ela me explica que o disco nasce dessa perspectiva de preencher essas lacunas históricas, não apenas com as dores da sua comunidade, de como a nossa colonização portuguesa impôs a cisgeneridade e o binarismo, perspectivas que não faziam parte da filosofia  dos povos originários, indígenas, ou dos africanos. Falamos também da música que ganhou de Liniker e das parcerias com a argentina Susy Shock e a indígena  Lyryca.

“Boneca Pau-Brasil”

Moreira – Como é a perspectiva travesti no resgate da Semana de Arte Moderna de 22? Segundo o release, o “disco quer discutir  o extrativismo e a colonização de corpos”… Explica melhor isso, eu adoro demais o clipe da faixa-título… Sabia que o disco ia ser matador quando ouvi.

Marina Mathey – Pra mim, a relação com o modernismo e a Semana de Arte Moderna de 22 aconteceu muito naturalmente, a partir do meu interesse e das minhas referências do Tropicalismo, que me levaram a estudar os modernismos brasileiros, que foi aonde o Tropicalismo foi beber: Oswald de Andrade, a antropofagia e a própria Semana de Arte Moderna. Olho pra semana como um possível nascedouro do que a gente entende, hoje, como apropriação cultural, muito em relação aos corpos indígenas e negros e aos trabalhadores, os proletários. Olhando pra isso, perguntei aonde estavam as corpas trans nesse momento. Percebo um gap de apagamento de ausência de registro de pessoas trans desde o período colonial, desde o assassinato de Tibira (Tibira do Maranhão, índio tupinambá executado em 1614, com anuência da Igreja Católica, por conta de sua orientação sexual), da existência de Chica Manicongo (primeira travesti não indígena do Brasil, trazida sequestrada da região do Congo para a Bahia), até meados do século XX, são 450 anos de inexistência de registros. Não existe informação. A minha releitura de tudo isso, da expropiacão de corpos, a partir dessa ausência. A ideia é falar da violência, desse apagamento e desse genocídio, pra gente construir um caminho de prosperidade e potência, histórias e lendas desse passado que foi tão apagado para que a gente possa preencher essas lacunas, com coisas que não se baseiem somente nas nossas dores, como esperam.

Moreira – O disco questiona a ausência de corpas trans nos modernismos brasileiros que desembocaram no movimento tropicalista. Como seu disco questiona isso?

Marina Mathey – Olhando para essa colonização, que veio generificada, com a imposição da cisgeneridade, do binarismo homem e mulher. Os povos originários daqui tinham diversas leituras de gênero, não era essa leitura binária, eurocêntrica, cristã. Inclusive, os povos de África também. Então, eu começo a traçar essa perspectiva de passado, presente e futuro, poeticamente, no álbum, com esse entendimento, de que nós somos pré-binárias, pós-binárias, muito mais antigas e muito mais  futuristas também. Isso abre espaço para muita poesia, e poesia enquanto potência de vida mesmo.

Moreira – Fala mais sobre as participações do disco, Liniker, Lyryca e a argentina Susy Shock, como se deram esses encontros? E também a produtora, Amanda Magalhães, ela é neta de Oberdan Magalhães, fundador da Banda Black Rio…

Marina Mathey – Acho que a Susy Shock, nesse caso, é a confirmação mais antiga e inicial desse álbum. Quando conheci a Susy, em 2018, foi na estreia do meu primeiro show, o “TRAVA”, no RISCO Festival, em São Paulo, e ela também estava participando do festival, pela Argentina. Ela estava presente no meu primeiro show como cantora, e a gente se deu muito bem, assisti ao show dela, no dia seguinte, e ficamos loucas uma pelo trabalho da outra. Quando comecei a pensar o meu álbum, no início da pandemia, resolvi mergulhar nesse processo, já tinha composto “Boneca Pau-Brasil”. A primeira coisa que eu fiz foi mandar uma mensagem para ela e dizer que eu queria ter um tango com ela, para trazer essa tradicionalidade da Argentina na voz de uma travesti, misturado com a minha brasilidade. No dia seguinte, ela me entregou a letra de “Tango na Navalha”. Aí veio também a letra da Liniker para “Águas para Marina”, ela cantando em um áudio de whatsapp, ela me deu a música de presente, é uma felicidade ter uma música dela no álbum. A Lyryca, eu já conhecia o trabalho dela, artista indígena, do rap, estava observado muito o trabalho dela, chamei para compor ‘Meu nome não é seu nome”, que a Suzy também participa, em castelhano,e ela traduziu para tupi-guarani nhandeva, trazendo mais camadas de poesia, entendimento e vivência para o álbum. A presença dela é muito importante, simbólica e potente. A Amanda, somos amigas há dez anos, a gente se conheceu na escola de arte dramática, na USP, eu era veterana dela. Nos aproximamos mesmo depois da escola, quando ambas começaram a caminhar pra música. Isso nos aproximou ainda mais. Ela produziu meu segundo single, de “Monstro”,e  foi muito gostoso e produtivo, e a chamei para produzir o álbum. Ela traz conhecimento e experiência familiar com a música. O álbum dela,“Fragma”, me trouxe vontade de cruzar essas estéticas que ela traz e eu trago. Foi um bom match, foi maravilhosa a experiência de produzir o disco com ela, ela comprava as minhas ideias ou me contrapunha, trazendo uma perspectiva diferente, me fazendo pensar melhor. A gente foi cada vez se divertindo e criando mais, da forma mais lúdica possível. É uma artista que admiro muito e com quem quero fazer muita coisa ainda.

A caoa do disco

Moreira – Essa brincadeira que abre e fecha o disco,”A travinha atravecou o pantanal” é muito boa e divertida, o “Pantanal pansexual”. E ela é bem modernista, “chupa toda fruta até o caroço”… Não a toa, abre e fecha o disco em diferentes versões…

Marina Mathey – “Pantanal pansexual”, pra mim, é uma diversão. Dentro dessa história que falei de prosperidade e perspectivas de potência, “Pantanal pansexual” é um grande deboche, uma grande brincadeira, um gozo coletivo. Cada pessoa vai ter a sua leitura. Ela é um deleite. Como diz o lema da ONG Casa Chama, “a transição é coletiva”. Quando eu atravesso o meu lamaçal, transiciono, encontro as minhas potências nesse mundo, toda a minha volta precisa transicionar de alguma forma para conviver com a minha existência. É esse gozo coletivo, esse carnaval de delícias, essa rede de afeto transbordado, que é uma tentativa de rir e gozar no meio do caos, ainda mais nesse momento político que vivemos, poder falar sobre gozo e delícia e prazer de um corpo dissidente é falar de resistência, sobreviver, sobre viver, queremos ter prazer, não apenas nos manter vivas, Começar e terminar com esse deboche é lembrar que precisamos discutir coisas importantes, sem esquecer de ter prazer.

Moreira – O disco tem samba, forró, tango “da navalha”, “rock debochado de travesti”, pop, é uma forma antropofágica de criar?

Marina Mathey – Essa mescla toda de ritmos tem a ver com a antropofagia, ou como diz a minha amiga Renata Carvalho, a transpofagia. A gente vem nessa perspectiva não de roubar o que não é nosso. Me interessa tudo aquilo que é meu e me foi roubado. Me interessa tudo aquilo que é meu e me disseram que eu não tinha direito. Eu até brinco que é um álbum de brasilatinidades. O Brasil tem dificuldades de se reconhecer como um país latino. Eu,como amante da música brasileira e dos ritmos latinos, fui fazendo essa salada com brincadeira e consciência. Fazendo esse jogo de cruzamentos. Quando encontro o bandoneon do tango e o acordeon do forró, do baião, e a gente troca esses lugares. Eu canto “O tango da navalha” em português em um tangado, e ela vem, em castelhano, no ritmo mais frenético de um baião, mostrando como estamos mais perto do que a gente imagina. Em vez de procurar o que nos diferencia, porque não procurar o que nos é semelhante e habitar as fronteiras. Acho isso lindo.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Foto:Bel Gandolfo
Fotos: Fernando Schlaepfer

Depois de ser presa por cinco dias em 1997 e ficar 22 anos sem gravar novas músicas, a Planet Hemp, banda seminal da cena independente brasileira, lançou o álbum“Jardineiros”, cantando a erva que amamos no momento quando a gente mais precisa de artistas assim, à frente do seu tempo e questionadores da realidade. O disco tem participações de Black Alien, MC Carol, Tropkillaz (na maravilhosa “Ainda”, que esteve na última playlist sextante) e o trapper argentino Trueno. O discurso combativo e as mensagens questionadoras que sempre caracterizaram a banda estão de volta, na formação com Marcelo D2, BNegão, Formigão, Pedro Garcia e Nobru. A crítica à política sobre drogas segue firme em Remedinho e Jardineiro, mas também há espaço para questões sociais em Eles Sentem Também e Veias Abertas.

Capa com arte de Gabriel Finotti e Mateus Acioli

“Jardineiros”,

Gabriel.Sielawa_por_Fernanda.Baldo

Eu já tinha falado aqui da cantora Jade Faria, paulistana radicada em São José dos Campos, minha terra natal e de onde vem também o talentoso Gabriel Sielawa, que acaba de lançar o seu disco de estreia, o bom “Terra”, que tem a participação de Jade em “Mania de aceitação”. Gabriel tem mais de 12 anos na estrada com as bandas que ajudou a fundar Homens de Melo e Dom Pescoço, a última ainda na ativa, e mostra suas influências nas 12 faixas. As músicas falam do olhar interior, do amor e das relações sociais e têm fortes influências nacionais e latinas, das claves de samba ao chão terroso da música popular brasileira, passeando por claves de maracatu, afrobeat e ijexá.

 “Terra”

Ana Cañas no Sensorial
Cangaia Blues no Beco
Parangolé Valvulado no Pátio Mirador
"Nostalgia", de Mario Martone, no Festival de Cinema Italiano
"A lasanha assassina" de Ale McHaddo, na mostra "Terror na tela"
Jonathan Ferr no Queremos! LAB

Amar e mudar as coisas interessa mais nesta sexta (28), às 20h, no Sensorial, quando Ana Cañas faz show de seu belíssimo disco cantando Belchior. Bati um papo com ela quando saiu o primeiro EP do disco, em julho de 2021. 

O finde no Beco tem Cangaia Blues e Tentativa7, hoje (28), Halloween do Bartô com Visco no sábado (20), às 20h, e Roda de Choro com Muvuka, no domingo(21), às 18h.

Neste sábado (29), as 19h, tem Gabriel Acaju no Maquinaria e, às 21h, no Bar da Fábrica, tem show do Parangolé Valvulado, bloco de carnaval de rua formado por um artistas e músicos desde 2007, como Edson Leão, Daniel Goulart, Roger Resende e Erica Salazar.

O Festival de Cinema Italiano no Brasil acontece entre os dias 4 de novembro e 4 de dezembro, com 17 filmes inéditos, produzidos em 2021 e 2022, entre  comédia, romance e drama, como “Nostalgia”, de Mario Martone, que representa a Itália no Oscar 2023.

A mostra “Terror na tela” está em cartaz na Itaú Cultural Play com cinco curtas brasileiros clássicos de terror: “A lasanha assassina” (2002), de Ale McHaddo; “Akai” (2006), de Carlos G. Gananian; “O duplo” (2012), de Juliana Rojas; “Tropel” (1999), de Eduardo Nunes; e “O desejo do morto” (2013), de Ramon Porto Mota. A seleção faz parte do Festival internacional de curtas de São Paulo.

Oi Futuro e o grupo Queremos! apresentam o evento Queremos! LAB, com quatro encontros inéditos entre nomes da cena musical contemporânea brasileira, de 31 de outubro a 24 de novembro, com apresentações gratuitas toda quinta, às 20h, com transmissão pelo YouTube. Anota aí a escalação de classe: Yoùn & Celo Dut (3), Jonathan Ferr & Mateus Fazeno Rock (10), Ilessi & Pedro Índio Negro (17) e Ana Frango Elétrico & Juliana Linhares (24).

Fotos; Mateus Lustosa

O músico, cantor e compositor de Belo Horizonte Guto Brant é o novo nome para se prestar atenção na cena nacional. Ele se divide entre a igreja e o bar em novo clipe e single, “Mal & Bem”, no qual mistura pop, ares oitentistas e elementos do funk e da disco music, livremente inspirado na obra de Prince

Na boca das eleições, o clipe discute a oposição direita e esquerda em comparação ao  antagonismo do bem e do mal e tem participação de Effe Godoy,artista que já fez capinha de playlist da visibilidade trans aqui pra Sexta Sei. Guto tem dois EPs lançados,“Duplo” (2018) e “Pombália” (2021).

Foto: Jessica Americano

A banda Roça Nova tem um lugar especial no meu coração depois da página que fiz com a banda, bem lá no começo da Sexta Sei. Neste sábado (29), eles lançam o primeiro single depois do álbum de estreia, o bom “Tramoia” (2021). “Conversa pra boi dormir” recorre ao surrealismo para narrar a distopia da manipulação em massa. A banda acaba de vencer o concurso de bandas do João Rock e abrir o palco principal do festival de Ribeirão Preto (SP). Também no sábado (29), eles lançam videoclipe bem viajandão dirigido por Pedro Quíron e gravado no interior de Minas Gerais, na cidade de Liberdade, seguindo o conceito roceiro do grupo.

Arte por Paulo Abreu

“Conversa pra boi dormir”

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano. Ainda tem as playlists de 2021 e 2020.

Playlist de clipes com Phoenix, Adele, Harry Styles, Ola Jacob Nestande + Röyksopp, Ladytron, Ana Moura, Thiago Pantaleão, Orbital + Sleaford Mods, Bout, Jimbo, PVRIS, Milky Chance, Ellie Goulding,  Rafa Militão, Fado Bicha, Aluna + MK, Zoe Dorey, ZAAC +Jojo Maronttinni, Borgore + Tima Dee e a-Ha.

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