Sexta Sei: Trava que faz trap! Isis Broken, a Bruxa Cangaceira do sertão sergipano, faz arte da adversidade

Em seu disco de estreia, ela conclama a “morte ao governo que pagou esse disco”, em repúdio a tratamento transfóbico da Secretaria de Cultura do estado de Sergipe

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Fotos: Annx Mascarenhas

Bisneta de coiteiro de Lampião e neta de repentista e cordelista, Isis Broken, 27 anos, é uma “Trava que faz trap” no Sergipe, a “Bruxa Cangaceira”, como ela se auto intitula em seu excelente disco de estreia. O álbum, apoiado pelo governo do estado de Sergipe, acabou envolvendo a artista em episódio transfóbico durante a divulgação do resultado do edital. Teve até hashtag de apoio, #meunomeéisis, devido à insistência no uso de seu nome de batismo no processo.

Lá do Sergipe, ela sempre esteve de olho aqui em Jufas, na nossa MC Xuxú, que faz feat com ela em  “Cúceta”. “É até difícil de falar da Mc Xuxú sem me emocionar, ela foi a primeira travesti que vi na televisão, ela me deu sopro de coragem pra acreditar na minha voz”, ela me conta, emocionada, no bate-papo por e-mail, no qual falamos sobre o disco e suas músicas ácidas e politizadas que transitam por rap, trap, repente, prosa e pop, com guitarras arrojadas, uma sanfona que chora e programações eletrônicas. Em “Um rock, um roubo, um love com você”, ela faz parceria com o esposo Aqualien, homem trans, que acaba de conceber o primeiro filho do casal. Apolo, lhes damos as boas-vindas, boas-vindas, boas-vindas, venha conhecer a vida ♥

“Ararinha da Viola”

Moreira – “Tarantino insano”, o cangaço gay, a ideia naturalmente transgressora da bruxa cangaceira, o disco traz todo um imaginário novo, instigante, desordeiro, diria punk, como foi a inspiração para criar toda essa embalagem? Saiu muita poesia de alguma precariedade, perceptível nas fotos, nas quais você se eleva. É bonito de ver, viu? Adoro o texto de abertura, a primeira faixa, que explica bem o espírito, profético, invoca a “morte ao governo que pagou esse disco” 🗣️, é bem maldito! Explica esse conceito da bruxa cangaceira e como foi o processo de criação do seu lindo disco (eu adorei, saiba).

Isis Broken – Na verdade, tudo que fiz e produzi nasce na precariedade, o clipe de “Ararinha da Viola” (que está concorrendo no MVF), por exemplo, eu só tinha apenas R$ 1,5 mil pra tudo. Fazer audiovisual em Sergipe é algo muito precário, e não gosto de romantizar isso, ser uma travesti preta e nordestina não me dá acesso às ferramentas necessárias, mas travesti é Eshùa, e Eshùa é movimento, então faço das tripas; coração. Pra mim, a frase que resume todo o álbum é o “morte ao governo que pagou esse disco”, eu recebi a grana pela lei de incentivo à cultura pelo Estado de Sergipe, mas na hora que eles divulgaram a lista foi com meu nome de batismo, numa tentativa de instrumentalizar a transfobia institucional do Governo de Sergipe. Pensa que acabou? Eles ainda fizeram uma nota tão transfóbica quanto. Essa foi a frase que escolhi para responder ao ataque escroto deles! Tudo isso fez parte do processo de criação, todas as minhas dores e amores (e a falta deles), minha vivência travesti no país que mais nos assassina no mundo, além de todo o arquétipo do “cabra macho” que recai sob nossas corpas. Além de toda a minha ancestralidade afro-indígena e do meu avô, Ararinha da Viola, que era repentista e cordelista. Esse disco tem a alma fervente das travas cangaceiras do alto sertão sergipano, de onde minha família veio, onde minha mãe sobreviveu à fome e à seca dos anos 70, tendo apenas feijão bebido e palma como alimento e que, mesmo assim, prosperou com sua força. Hoje minha mãe alimenta pessoas em situação de rua, porque ela conheceu de perto a fome, minha mãe é um exemplo de luta e, com certeza, meu maior raio de sol em dias nebulosos.

Moreira –  Você começou a me contar pelo chat do Instagram que “Trava que faz trap”, a faixa que eu mais gostei, na primeira audição, brinca com a gíria americana “she is a trap”, usada quando cara sai com travesti, tipo “é cilada, uma armadilha”. Como é ser travesti no mundo do rap e do trap, por origem machista e transfóbico?

Isis Broken – “Trava Que Faz Trap” é uma das minhas favoritas, ela nasce dessa expressão transfóbica, além do trap ser o ritmo musical base dessa track, então quis fazer essa brincadeira da expressão com o gênero, e com os caras do rap que só sabem falar de maconha, buceta e dinheiro e, mesmo com essa tabula rasa, fazem milhões, entregando um básico para seu público, sem nenhuma profundidade crítica. Engraçado que escrevi essa música há dois anos e canto “eu rimo mais que o Don L” e ele lançou um álbum no mesmo dia que eu, bruxa? (Risos)

“O Clã”

Moreira – Apresenta a gente à equipe que produziu o disco contigo, Adam Viana e Mombin, conta o que cada um trouxe pro vôo da bruxa, risos. Também tem  baixo de Filipe Williams, da banda “Taco de Golfe”, né? Timão.

Isis Broken –  Foi uma casadinha desses dois gênios! Mombin é meu parceiro de longas datas, ele sabe o que eu gosto e o que eu não gosto, entende a minha viagem e sobe na vassoura comigo e entrega os sintetizadores mais bizarros que ouvi em minha vida, mas ele também trouxe a leveza pro álbum, instrumentos indígenas como o pau de chuva, ele tem a vibe mais solar e brilhante do sol nordestino. Sou fã! Adam, é a emo, gótica, vampira e roqueira, elu traz toda a aura mística, densa, dark, punk e suja, com aquelas guitarras que quase falam, trouxe a sanfona chorona de “Manga com Aguardente”, elu me trouxe profundidade e desejo, me deu textura, Adam é meu pupilo, tem seu próprio tempo, mas quando o tempo acaba, elu entrega tude! O baixo é uma delicia né? Felipe ouviu “Gangue da Bruxa” e falou “deixa eu colocar o baixo”, foi assim que nasceu essa parceria, quando ele mandou a linha do baixo eu quase colapsei ouvindo, ele foi o eclipse lunar que faltava pra bruxaria acontecer de verdade.

“Capeta gasolina”, com Netu X

Moreira – “Cúceta” é um feat com a nossa Mc Xuxú, a maior que nós temos aqui em Jufas. Como surgiu essa conexão com ela, como foi fazer esse dueto, vocês chegaram a se encontrar? A minha primeira coluna foi com ela, tenho muita admiração pela artista, o show pega fogo demais.

Isis Broken – É até difícil de falar da Mc Xuxú sem me emocionar, ela foi a primeira travesti que vi na televisão, ela me deu sopro de coragem pra acreditar na minha voz, eu nunca nem imaginei que algum dia teria essa deusa num álbum comigo, eu compus a música pensado nela, se não fosse com a Xuxú eu iria engavetar e colocar outra no lugar, quando mandei, ela surtou! Foi tão lindo esse momento, ela é a ancestralidade travequina da música brasileira, ter essa entidade no meu álbum foi muito mágico e recompensador, foi nesse momento que eu falei pra mim mesma: você sabe que venceu, né, Broken?

Moreira – O que você gosta e recomenda da cena de Sergipe? Eu sou alucinado pelo som dos meninos do The Baggios, mas não conheço mais nada. Faz esse tour amoroso com a gente, com links? Beijos

Isis Broken – Reconheço o trabalho dos meninos, mas não consumo. Mas as mulheres sergipanas são fodas demais! Começo com Sandyalê, que participei como atriz do clipe de “Sua”, meu personagem era a bruxa exorcista, vale o play! Temos também uma preta que faz um samba de coco e samba de pareia da Mussuca, espetacular essa mulher, Jaque Barroso, ouçam “Banho de Quilombo”. Pra quem gosta de uma coisa bem vanguarda, temos a quase pornografica (amo), Piton com “Web Namoro”. E por último, pois o melhor a gente deixa pro final, minha madrinha, que com seu coração tão grande abraçou e me defendeu com unhas e dentes, Patrícia Polayne, um patrimônio tombado, seu primeiro disco “O Circo Singular – as canções de exílio” virou uma Bíblia de sergipanidade, acho que o hino de Sergipe deveria ser “Quintal Moderno” faixa desse disco, também indico um dos seus últimos trabalhos pelo qual tive a grande aportunidade de protagonizar o clipe de “Fogueira (o dragão da maldade)”. Essas são as maiores artistas de Sergipe.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Chegamos ao último episódio da fantástica Mostra Maré de Música 2021, que deu um show, na pandemia, ao promover encontros de qualidade entre as culturas popular e erudita. O último show rola neste sábado (11), às 19h no Youtube, só com as brabas: Larinhx, que foi entrevistada aqui na sextada, e recebe algumas das vocalistas de seu disco de estreia, Ciana, Ebony e Ikinya. Quem abre a noite é a DJ Glau Tavares e, no final, tem roda de passinho. Perdeu os shows do projeto? Cata a playlist com os shows de Teresa Cristina e Nova Raiz do Samba, o duo Yoùn e a baiana Larissa Luz, Priscila Tossan, Kassin e Rubel, Canto Cego e Tico Santa Cruz, Os Três Forrozeiros e Juliana Linhares e Zola Star e Joca. Os encontros têm sido realmente especiais.

Já fez a higienização? O artista drag queen Gustavo Bacchini, 26 anos, tem alegrado o YouTube com o programa Clube da Xuka, no qual recebe e entrevista artistas da cena por meio de um chuveirinho que faz as vezes do microfone, claro. O tema de abertura é “Eu fiz a  chuca”, de MC Xuxú, uma das entrevistadas. Já passaram por lá nomes como Imbapê, Dona Chapa e Tita Tully, que respondem perguntas enquanto realizam ações domésticas corriqueiras. O programa vai ao ar todas às quintas-feiras, às 20h, e é deliciosamente improvisado e repetitivo, com direito a Xuquitas e sessão de cartinhas.

João Brasil fez fama com músicas que trabalham com o humor, como “Baranga”, “Cobrinha fanfarrona”, “Michael Douglas” e o projeto 365 mashups. Esse ano, resolveu surpreender os fãs com feat de house com Alma Thomas, “Love is all around”, e um projeto de jazz experimental eletrônico, o mais que simpático Chicken From Angola, em parceria com o percussionista Zero Awá. O projeto acaba de lançar EP, autointitulado, no qual os  artistas compilam a musicalidade instintiva e celebram a natureza e a ancestralidade.

O clipe para “Onda”

Estou acompanhando este processo desde o princípio, quando a dupla foi formada dentro do projeto Primeiro Abraço, que construiu relações inovadoras e obras  originais durante toda a pandemia, iniciativa do Teatro Solar de Botafogo. João quis se desafiar a trabalhar seu mundo tecnológico em clash com outro, orgânico, do pesquisador dos ritmos africanos e caribenhos e especialista no toque do instrumento xequerê. Ficou bonito pra caramba.

O Grupo Galpão está em temporada, no Youtube, com a peça-filme “Partida de vôlei à sombra do vulcão”, de 39 minutos. Com dramaturgia de Silvia Gomez e direção de Fernanda Vianna e Clarissa Campolina, o espetáculo ficará em cartaz até 19 de dezembro, com exibição semanal, sempre de quinta a domingo, às 20h. Hipnotizada pela imagem de um vulcão ativo do na Islândia, uma mulher parte ao encontro de sua fúria. No caminho, sem conseguir voltar, ela se descobre em uma gravidez extraordinária, começando o relato da viagem que dá forma a esta peça-filme, jornada entre o teatro e o cinema inspirada nas narrativas do realismo fantástico.

Exposição “Escritos para ninguém ler”, na Sala da  Casa. Foto: Gabriel Venzi

O aniversário de Clarice Lispector é comemorado, todos os anos, pelo Instituto Moreira Sales (IMS). Este ano, os 101 anos são celebrados com a exibição do curta-metragem “Fragmentos de estrelas”, de dez minutos, produzido pela Coordenadoria de Literatura do IMS com a escritora Ana Maria Machado, que conta seu encontro com Clarice em 1975. Ainda para comemorar Clarice, os vídeos produzidos para o curso Infâncias em Clarice, que ocorreu em novembro deste ano, estarão disponíveis no YouTube do IMS com leituras da atriz Mariana Lima e da narradora de histórias Adélia Oliveira.

 O espetáculo “Coletivo”, do PianOrquestra, será transmitido neste sábado (11), às 19h, pelo canal de Youtube da Casa Museu Eva Klabin. São dez mãos e um piano para executar obras de Pixinguinha, Claudio Santoro, Villa-Lobos, Beatles, Queen, Michael Jackson, Milton Nascimento e Toninho Horta.

O 4º Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba acontece de forma simultânea em 37 cidades, incluindo Jufas, homenageando Alcione, a partir das 17h.

O Sesc em Casa não está de brincadeira e programou uma série absurda de shows, este final de semana, com Mahmundi e Paulinho Moska, hoje e amanhã (10 e 11), respectivamente, às 21h, e Letrux lançando o álbum “Letrux aos prantos”, no domingo (12), às 18h. Também tem Letrux na Virada SP, no sábado (11), às 23h05.

O Festival Levada chega ao segundo final de semana, com shows de Foli Griô Orquestra, hoje (10) e Maglore, amanhã (11), às 20h30.

Aqui em Jufas, a maravilhosa Sala da Casa convida para a exposição “Escritos para ninguém ler”, com livros de artista de Guilherme Melich, com curadoria de Mariana Bretas. Os livros foram transformados em objetos escultóricos versáteis que saem das estantes para serem pendurados nas paredes ou manuseados de um jeito diferente. Especial sempre. A visitação vai  até o dia 14 de janeiro, de quarta à sexta, das 15h às 19h.

Foto: Mariana Smania

A quinta edição do WME Awards by Music2! vai rolar na próxima quinta-feira (16), às 20h30, com transmissão ao vivo pela TNT, direto do Teatro B32. O prêmio, o primeiro totalmente dedicado às mulheres do universo musical, tem 17 categorias e apresentações de mais de 30 mulheres icônicas da música, como Sandra de Sá, homenageada da edição, Luísa Sonza, Marina Sena, Paula Lima e Karol Conká. Um marco histórico desta edição será a presença inédita de um cypher indígena no palco, com as cantoras indígenas Ray, Aby Llanque e Lyryca. Ainda se apresentam Preta Gil, Fernanda Abreu, Negra Li, Alice Caymmi, Majur, Bia Ferreira, Mc Dricka, Mc Trans e Mc Mari. O evento homenageia Marília Mendonça, indicada em duas categorias (música mainstream e compositora), e também Cássia Eller. O Women’s Music Event (WME) é idealizado por Claudia Assef e Monique Dardenne. Entre voto popular e júri técnico, destacam-se a cantora Duda Beat, que levou cinco indicações, seguida por Luísa Sonza (quatro indicações), Ludmilla e Marília Mendonça (cada uma com três indicações). 

 

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano.  Aqui tem as playlists de 2020.


Playlist de clipes com Tierra Whack, ASA, Luisa Sonza + Mariah Angeliq, Doja Cat, Nêssa + MC Tchelinho + Zamba, Paula, ChinaIna, Hungria Hip Hop + MC Ryan SP, Os Barões da Pisadinha, Cais + FACA, RoB, MC Nathan ZK + Jottapê, Manila Luzon, Ed Sheeran + Elton John, Jimmy Falkon + Ariana Grande + Megan Thee Stallion, ABBA, Letrux, Dora Morelenbaun e Emicida

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