Sexta Sei: Bel Medula inventa tradições com o sampler

Artista gaúcha acaba de lançar o seu quarto disco, o potente “Abala Ladaia”, que chega com desejo de viver e respirar de quem enfrentou uma pandemia

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Bel Medula por Lau Baldo

A multiartista gaúcha Isabel Nogueira, 50 anos, lançou, no último dia 30 de junho, seu quarto bom disco pelo projeto Bel Medula, o “Abala Ladaia”, que flana entre o existencialismo e o hedonismo após o período mais difícil da quarentena e chega com clipe para a faixa-título. Isabel já tinha passado aqui pela página como diretora artística do disco de estreia de Viridiana e também pelas playlists como ponta de lança de um novo movimento de gaúchas na eletrônica, com nomes como Viridiana, Rita Zart e Saskia. Isabel é doutora em Musicologia pela Universidade Autônoma de Madrid e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Aulas.

O disco foi produzido, composto e registrado ao lado do parceiro musical luczan e mixado por João Meirelles, que integra o BaianaSystem e o (alucinante) duo Taxidermia, com Jadsa. O disco traz uma atmosfera electro-experimental embalada em melodias faladas e foi dividido em dois atos: o primeiro, existencialista, e o segundo, que propõe o hedonismo e a curtição, ufa. Batemos um bom papo, por e-mail, sobre o clima de alforria pós-quarentena do videoclipe de “Te Dizer”, do flerte com a poesia concreta e a spoken-word, na sonoridade pesada e groovada alcançada na parceria com João Meirelles e da potência das novas artistas mulheres de Porto Alegre, que chegam após a onda do rock gaúcho, na esteira do aniversário de uma década do curso de música popular na UFRGS, e que são listadas pela mestra, em um gostoso passeio feminino por Porto Alegre.

“Te Dizer”

Moreira – O videoclipe de “Te Dizer” é tão up! Foi gravado no Parque da Redenção, aí em Porto Alegre, e antecipa um pouco o clima do disco? Traz um clima de libertação pós-pandemia, né?

Bel Medula – Que bacana que tu observou isto, tem um clima de libertação, sim! Acho que o fato de fazer ao ar livre, e em um lugar que é ao mesmo tempo perto de onde eu moro, mas que eu nunca tinha explorado deste jeito! O uso do drone, operado pela Camila Pedrassoli, fez com que eu realmente visse o parque de um outro ângulo, e foi surpreendente! Todo o processo foi muito fluido, combinamos a locação e algumas cenas mas nos deixamos ser surpreendidas pelo que fosse acontecer enquanto sentíamos o lugar. A direção da Liz Thiel, que também fez a edição do clipe, foi muito sensível para encontrar imagens e movimentos que pudessem traduzir o clima da música. Acho que sim, antecipa um pouco o disco, porque expressa um sentimento de “vamo dale”, de “a hora chegou, bora pra rua”, se tu passou este tempo da pandemia pensando em tentar descobrir o que tu queria de verdade, é hora de levantar e ir atrás disto!

“A pedra e a vidraça”

Moreira – Há um flerte com a poesia concreta em algumas composições? Senti um perfume em “O sampler é uma máquina de inventar tradições” e “O sentido é o olho”, de melodias faladas.

Bel Medula – Sim, com certeza! Este flerte está presente e vem de muito tempo na minha vida, acho que ele aponta para um modo de criar que brinca com a sonoridade das palavras. Testar sons, fonemas, repetições de sílabas de jeitos diferentes, buscar uma sonoridade que fosse próxima da fala, brincar com encaixes de palavras e frases nas melodias que já existiam foi um processo-chave para a criação das letras do álbum. Tem um elemento de construção de sentido através disto, que vem do jogo de palavras, e das ideias que elas trazem consigo. Às vezes, repetir pode ser reafirmar, ou pode ser subverter o sentido por meio do uso exaustivo. Ao mesmo tempo, a ideia foi trazer no processo de criação das letras o mesmo conceito que usamos para criar as sonoridades das músicas, que foi sobrepor elementos contrastantes.

Moreira – Como foi trabalhar com João Meirelles, que tem trabalhos incríveis com BaianaSystem e Taxidermia (Jadsa)?

Bel Medula – Foi uma experiência muito bacana! O João tem uma diversidade de abordagens no trabalho dele que conversa com a música experimental (nos projetos Infusão, Beto Júnior, Sonar Atmosfera) e o trabalho em parceria com a Jadsa, que é incrível, além da explosão sensorial que é o BaianaSystem. A gente escutou referências e conversou sobre a forma de levar estas sonoridades dos anos 90 para uma abordagem que fosse contemporânea, que fizesse sentido hoje. Ao mesmo tempo, tem toda a questão de como levar para o palco, para os shows, uma música que usa muitos sintetizadores. Conseguimos chegar na sonoridade pesada e groovada que eu tinha na cabeça e posso adiantar que esta parceria está só no começo.

“Abala ladaia”

Moreira – O disco tem duas partes, a primeira, mais existencial, questionadora, e a segunda, mais sensorial e corpórea. Como surgiu essa divisão? Essa divisão surgiu já na criação?

Bel Medula – Esta divisão surgiu depois da criação das músicas, quando comecei a criar as letras. Foi um processo intenso, porquê, nos álbuns anteriores, eu sempre criava letra e melodia juntas mas, desta vez, as melodias vieram primeiro, e foi um trabalho de várias semanas até finalizar a criação das letras! Meu processo mais fluido é criar tudo junto e ao mesmo tempo, mas desta vez não foi assim. E como foi diferente, foi também transformador para mim: acho que deste processo veio a questão dos dois diferentes aspectos que o álbum acabou ganhando: a ideia da sensorialidade e do questionamento. Para mim, a pandemia trouxe isto: olhar para o que eu quero dizer neste mundo, olhar pra isto sem ladaia, sem meias palavras, questionar mesmo, e através disto entender que a sensação é a chave que me mostra o que faz sentido fazer hoje.

Bel Medula por Ana Beatriz Vieira

Moreira – Já falamos de você antes na Sexta Sei, no papo com a talentosa Viridiana. Depois de anos de excelência no rock’n’roll, vocês são uma nova POA, feminina, sintética e eletrônica? Tem mais novos nomes femininos para se prestar atenção por aí? Recentemente, falei da dupla Funny Alexander, a vocalista é bem especial. Adoro POA, morei aí brevemente, nos anos 90, para fazer um curso com Otto Guerra. Fui prenda n’outra  vida, gosto demais da cidade, comer um bife no Barranco…

Bel Medula – Sim, acho que tem uma nova cena acontecendo, e que vem sendo, de certa forma, incentivada pela criação do curso de música popular na UFRGS, e que neste ano completa dez anos. Claro que este não é o único fator, mas acho que contribui! Vejo que o movimento das mulheres que atuam ou atuaram na edição Porto Alegre do Girls Rock Camp tambem é muito significativa nesta cena! Vejo que a Viridiana, a Rita Zart, a Saskia são nomes que vem fazendo este namoro com a música eletrônica, que tem uma produção consistente e que são inspiradoras para mim e para muitas outras mulheres. Percebo também que Nina Fola Dessa Ferreira, Gabriela Lery, Ada Bellatrix (vocalista e saxofonista da banda Flor ET), Sara Nina (vocalista da Banda Zanzar), Ariele, Jalile Petzold, Kristal Werner, Giovanna Mottini, Anna Perin e Thays Prado são nomes importantes desta nova cena, que tem uma base forte em uma apoiar o trabalho da outra. Nem todas trazem a sonoridade da música eletrônica, mas percebo que esta atitude de experimentação e de se colocar como protagonista dos discursos, como inventoras de suas próprias narrativas, está presente nas letras e na forma como elas escolhem produzir suas músicas. Que massa que você morou aqui! Sim, acho que tem uma nova PoA acontecendo, e ela é feminina, sintética e eletrônica!

Abaixa que é tiro!💥🔫

“Andromeda”, Alles Club 

Gosto de acompanhar o cuidado e o ambiente artsy que a banda juiz-forana Alles Club tem e imprime na divulgação de suas canções. Hoje ela lança o single duplo “Andromeda/Oumuamua” com um videoclipe de animação para a primeira canção assinado pelo craque e amigo de longa data Léo Ribeiro, ilustrador, animador e diretor juizforano radicado na Noruega que é meu parceiro das épocas do fanzine Bat Macumba. Leo, aliás, está vindo passar uns dias na cidade para abrir a exposição “Transformatorhus” na Reitoria, no campus da UFJF, no dia 20.

Capa de Rodrigo Braumgratz a partir de ilustração de Léo Ribeiro

O filme traz até algumas imagens da pequena Ana Julia, 6 anos, filha do Leo, e mescla animações coloridas de animais marinhos a fotografias em preto e branco de lugares solitários, distantes ou em ruínas. “Imaginei esse trabalho como uma vingança dos seres do mar. Os peixes, as baleias e os tubarões invadindo essas antigas fábricas de enlatados e peixes em conserva. A diferença fundamental entre o mito original e o clipe é o papel da mulher. Andrômeda foi salva por Perseu, no clipe é a própria menina que transforma o monstro em pedra. Ela não precisa ser salva por ninguém”, diz.

O single duplo tem inspiração no post-rock e no kraut-rock e sai pelo selo Midsummer Madness, de Rodrigo Lariú. As faixas são composições de Rodrigo Lopes em parceria com o músico turco Chadas Ustuntas.

Duo Nascente em fotos de Marina Costa
O visual pro single “Brasa Cor”, de Bia Nascimento. Foto: Felipe Saleme

Jufas tem tradição e excelência na área da música instrumental que vêm sendo renovadas por jovens nomes no setor, como o clarinetista e saxofonista Caetano Brasil,  indicado ao Grammy Latino e arranjador do primeiro single do novo Duo Nascente, a faixa “Água de Nascente”, composta por Leandro Domith especialmente para a formação do duo, que tem minha nova amiga virtual e violonista Bia Nascimento e o vibrafonista João Cordeiro.

O vibrafone ainda é pouco usado em formações de música popular, no Brasil, e é um instrumento de percussão que tem a possibilidade de tocar melodias e harmonias, para além dos ritmos de sua função mais básica. O instrumento é formado por placas e tubos de alumínio. O vibrafonista toca nas placas com baquetas. Embaixo delas, existem tubos de ressonância que aumentam o volume do som produzido pelas placas. O resultado é um timbre único que atrai e prende a atenção do público nas apresentações. Bia Nascimento é danada, integrava a banda Matilda e também lançou, recentemente, o single solo “Brasa Cor”. O Duo Nascente prepara seu primeiro EP amadurecendo uma sonoridade na qual a intensidade da música instrumental se encontra com a vibração da música popular. Chiques.

Pablo Picasso
Joan Miró
Fernand Leger

Ocupando todo o espaço expositivo do Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), a mostra “Coleção Murilo Mendes: 25 anos” chega acompanhada do lançamento do catálogo de mesmo título e tem noite de abertura hoje (1), às 20h. As galerias Poliedro e Convergência apresentam os originais de Murilo Mendes que chegaram à Universidade Federal de Juiz de Fora em 1994. Na Galeria Retratos-relâmpago, “Itinerários tão vastos” traz seleção de trabalhos em sintonia com a linguagem estética expressa no colecionismo do escritor.

Max Ernst
Braque
Arpad Szenes
Georges Rouault(1)
Maria Helena Vieira da Silva
Ismael Nery

No primeiro e no terceiro pisos do prédio, encontram-se as obras que, além de representar o maior e mais importante ingresso internacional de artes visuais no Brasil durante a segunda metade do século XX, refletem aspectos do colecionismo de Murilo Mendes em diferentes intervalos temporais. As obras apresentadas são registros de um tempo marcado pela convivência com a genialidade de artistas como Pablo Picasso, Fernand Léger, Joan Miró, Max Ernst, Georges Braque, Arpad Szenes, De Chirico, James Ensor, Vieira da Silva, entre tantos que espelham a inquieta produção criativa internacional, e com Ismael Nery, Alberto Guignard, Lívio Abramo, Candido Portinari, Athos Bulcão e Jorge de Lima, alguns dos que delinearam seu momento nacional.

A visitação presencial começa no dia 5, de terça a sexta, das 10h às 12h e das 13h às 18h, e sábado, das 13h às 18h, com entrada gratuita. Na solenidade de abertura, hoje, a Orquestra Sinfônica do Pró-Música, sob a regência do maestro Victor Cassemiro, apresenta um mix de canções. Viva a universidade pública e o nosso museu, o maior acervo de arte moderna de Minas.

Estúdio Toca do Bandido em foto de Rossato Lima
“Infância – Caixas da Memória”, Marcs Marinho no Museu Ferroviário. Foto: Cassio Elizio
"O Engenheiro", de Tim Rescala, temapresentação no Cine-Theatro Central
Beile doCambará . em Fronteiras. Foto: Natália Elmor

Estão abertas as inscrições, até 31 de julho, para o edital Aceleração LabSonica 2.0 :: Toca do Bandido, que tem como proposta alavancar a carreira de novos músicos e bandas independentes, por meio de um ciclo que inclui jornada de diagnóstico de carreira, mini curso de negócios,, workshop de planejamento estratégico, pitching, além de mentorias individuais promovidas por especialistas da indústria da música. Ao final da capacitação, os selecionados participarão de uma residência artística na qual farão um songcamp e produzirão um EP com três faixas e uma Live Session, produtos que serão lançados pelo Selo Toca Discos.

Até 21 de julho, oito filmes russos estão disponíveis gratuitamente no âmbito do Russian Film Festival – Volta ao Mundo. Para assistir, é preciso ativar assinatura mensal gratuita no site À La Carte (clique “assinar”, cadastrar-se, selecionar a opção “plano mensal”, inserir o código “RFFMES” e introduzir dados, não esqueça de cancelar a assinatura para não pagar mensalidade).

O tradicional Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga chega à sua 33ª edição em 2022 e, na abertura, tem apresentação da ópera “O Engenheiro”, de Tim Rescala, que terá apresentação no Cine-Theatro Central, sábado (2), às 19h, com entrada franca. Os convites serão distribuídos no local, hoje (1º), das 8h às 18h. Caso ainda estejam disponíveis, serão distribuídos também no sábado, uma hora antes da apresentação.O festival prosseguirá no segundo semestre.

O documentário “Lula Lá, de fora pra dentro”, da diretora juiz-forana Mariana Vitarelli, será exibido no YouTube, de hoje (1) a 4 de julho, com estreia hoje, à meia-noite

O ator, autor e diretor teatral Marcos Marinho apresenta o espetáculo “Infância – Caixas da Memória”, no Museu Ferroviário, dias 2, 3, 9 e 10 de julho, às 19h. Ingressos aqui. Falei mais da peça aqui.

Amanhã (2), às 18h, tem o Arraiá Sem Fronteiras da ZunZunZum com o forró de Cambará e DJ FaustoZ na Toca do Tatu.

O Festival Mulheres no Volante (MnV) completa 15 anos de história com a edição que acontece de 1 a 7 de agosto. As inscrições para curtas-metragens realizados por mulheres estão abertas até o dia 10 de julho no site do festival.

Ferraz e Tieppo, do Festa Tempestade por Naira Mattia

Se a sua vida está precisando de um pouco de poesia, fantasia e mistério, recomendo conhecer o trabalho do duo paulistano Festa Tempestade,  formado por Zé Ferraz (baixo, violão, vozes, percussão) e Guilherme Tieppo (pianos/sintetizadores, violão/guitarra, vozes, percussão). O single “Mexe” é um mantra dançante e hipnotizante que passou aqui pela playlist e grudou na cabeça. “É um mantra percussivo que tenta levar o ouvinte a um lugar onde as certezas absolutas se tornam questionáveis, e a reflexão passa a ser o principal objetivo. “Mexe” ilustra a busca de uma maior consciência de si mesmo, que muitas vezes é dolorosa”, analisa Tieppo.

“Mexe”

Adoro também a forma como apresentam o trabalho no YouTube, com lyric videos que trazem os dois ilustrados por Fábio Vido, como no primeiro single, “Vale”, assinado por eles. Os dois singles fazem parte do seu primeiro álbum, “Festa Tempestade”, que será lançado esse ano. Me sinto pronto.

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano. Ainda tem as playlists de 2021 e 2020.

Playlist de clipes com Willow, Ozzy Osbourne, Lil Nas X + Youngboy Never Break Again, Sofi Tukker, Tinashe + Channel Tres, Diplo + bbno$, Two Door Cinema Club, Maglore, Jean Tassy, Vitão,Gloria Groove, Chico César, Nobat + Mariana Cavanellas,, Hess is more + Kenneth Bager, Chris Brown,* Giveon, MC Estudante, Alexia Bomtempo + Fernanda Abreu e Arthur Nogueira.

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