Sexta Sei: O grunge, o experimentalismo e a música de concerto na obra de Klüber

Artista de Curitiba lança disco de estreia, “Pra duvidar”, com produção de Érica Silva, do Mulamba, e  Leo Gumiero

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Klüber por Amanda Lavorato

Há um mês, falei aqui na Sexta Sei da artista Klüber, 25 anos, de Curitiba, quando lançou o single e o clipe de “Ninguém precisa”, um mantra hipnotizante de auto-respeito. A faixa é ponto de lança do disco de estreia, “Pra Duvidar”,que chega nesta sexta (23) ao streaming, com uma mistura de grunge, samba, experimental e música de concerto e produção da dupla Érica Silva, da Mulamba, e  Leo Gumiero. Batemos um papo, por e-mail,  no qual falamos da mistura da música de concerto ao sertanejo e Lady Gaga, da colaboração com os produtores e parceiros, da presença forte do piano e das experiências de  solidão e desumanização da pessoa trans que levaram a compor “Ninguém precisa”

Capa de "Pra Duvidar"

Moreira – O disco passeia por  grunge, samba, experimental e música de concerto. Como é essa definição que você criou pro seu som? Pop prolixo?

Klüber – Costumo falar que, quando comecei a compor, na adolescência, as minhas referências eram a música de concerto – tendo em vista que eu estudava piano clássico – e as músicas da rádio, de sertanejo a Lady Gaga. Eu também sempre amei escrever, experimentar palavras incomuns, buscar coisas que fugissem do óbvio. Isso, às vezes, gera essa coisa verborrágica e experimental; toda coisa nova que eu descobria ao estudar ou tendo contato com outres musicistas eu queria testar, e esse disco é reflexo disso tudo. Mas eu falo de pop prolixo porque, no fim das contas, o pop, mesmo que alternativo, é o que eu gosto. O pop na real é muita coisa, né? Pra mim, são as canções que conectam com as pessoas. E eu tô tentando fazer isso do meu jeitinho, meio confuso às vezes, mas sendo muito sincera.

Klüber por Duda Rogalski 06

Moreira – Em um disco de canções autorais, por que regravar “O Menino da Porteira”? É a primeira versão não tão animada da canção?  

Klüber – Porque também é um experimento, e ela não soa em nada como a original. As harmonias estão diferentes, a melodia tem umas mudancinhas pequenas, a instrumentação é basicamente um cello solista com uma guitarra. Eu acho que ninguém fez ela soar desse jeito que eu tô propondo e isso também é uma coisa de personalidade, que eu tô tentando estabelecer nesse trabalho.

Moreira –  Como foi trabalhar com os produtores Érica Silva, do Mulamba, e  Leo Gumiero? Quais as contribuições deles ao disco?

Klüber – A Érica é uma grande amiga, que eu amo muito. Em 2019, a gente fez um show de lançamento do meu EP (Cante Comigo Esse Refrão Clichê de Pop Farofa”/2019) e eu percebi ali que era ela que poderia juntar as referências todas pra esse disco, desde a música de concerto até o pop que a gente queria emular. Na real, eu acho que a Érica é sui generis mesmo nesse campo da produção e ela é extremamente underrated nesse país. Enfim, o corpo que o disco tomou é muito de responsabilidade dela. Pela escuta de entender as minhas composições e os meus arranjos originais pra entender onde colocar a mão e construir junto. E, no fim das contas, ela gravou a maior parte das guitas do disco (exceto em “Fazer Música” e em “O Menino da Porteira”), todos os baixos, fez quase todos os arranjos de cordas e sopros (exceto em “O Menino da Porteira”), pensou tudo isso.

O Leo Gumiero é outro artista que admiro e com quem tenho me conectado a níveis pessoal e profissional. Ele, a princípio, iria fazer a engenharia de gravação, edição e master mas, assim como a Érica, ele é um ótimo diretor de gravação e tem uma enorme bagagem de referências. Como a Érica e ele já estavam no pique da produção conjunta por conta do último disco da Mulamba, ele sutilmente acabou assumindo a produção do meu também e foi ótimo. Os caminhos de algumas músicas não eram tão nítidos antes das intervenções dele e foram se abrindo com as texturas, beats e outras propostas. Acho que elus deram vida às minhas propostas, conseguiram ouvir o potencial das canções e de onde elas estavam bebendo e também renovar a minha própria percepção sobre essas músicas. Lançar um primeiro disco produzido por essa dupla deixa o nível de exigência pros próximos bem alto.

Moreira – O piano está presente em todo o disco, foi seu primeiro instrumento? Como ele foi trabalhado no disco? Quais formas as suas principais inspirações e influências para criar o disco?

Klüber – Sim, o piano foi meu primeiro instrumento, comecei a estudar teclado aos 7 anos e piano aos 11. Acho que a voz estava sempre ali junta desde criança, mas era uma relação que, na minha cabeça, não era tão séria, até que o coração conduziu a coisa toda e eu comecei a compor. Acho que tem muita coisa acontecendo pianisticamente, parando pra pensar. Tem desde as influências de Radiohead e Sarah MacLachlan, até Sara Bareilles e Regina Spektor, e Chopin e Debussy, e Yael Naim e Adele, e vish, altas coisas. Nas canções que não eram baseadas tanto em piano, acabei trazendo as refs de música brasileira, de pouco que estudo de blues e jazz, e também as conversas com rock alternativo e tudo o mais – vocalmente, além da Sara Bareilles, a maior referência é o Jeff Buckley, então, mesmo que não tenha piano nas gravações dele, a aura toda contamina o disco. A gente gravou os pianos mais complexos no Gramofone, que é um estúdio que tem um Yamaha C5 bem legal, e os pianos mais simples são VSTs (Virtual Studio Technology, software que emula um piano. ) mesmo.

“Ninguém precisa”

Moreira – “Ninguém precisa” é uma canção muito marcante. Quais os principais desafios que se colocam para pessoas trans e não-binárias na hora de se relacionar?

Klüber – Acho que cada pessoa trans pode falar por si porque há uma diversidade incrível de corpos, identidades, expressões de gênero e manifestações trans. Fala-se muito na verdade sobre a coisa da solidão e também da desumanização que é o lance do sigilo e tudo o mais. Penso que, na real, eu possa falar da minha experiência, e o que sinto hoje é uma grande interrogação. O não-lugar que eu me encontro – que sempre esteve aqui, mas, talvez, hoje, eu consiga nomear e também entender onde quero estar – gera lugares muito desconhecidos nas relações. É sempre um tatear, porque, teoricamente, venho do mundo gay, mas, teoricamente, gay não fica com trans e aí eu tô sempre medindo e entendendo o meu desejo, sabe? Na verdade, tenho estado muito sozinha, estou nesse processo de autodescoberta que é tão lento… E é meio difícil quem banque tudo isso, é difícil pra gente que transiciona e vive essa loucura toda se abrir. Pensando aqui na canção “Ninguém Precisa”, acho que a coisa mais dolorida é alguém não te assumir, né? Te deixar ali de reserva, curtir os momentos contigo mas não ter a cara de dizer por gestos e outras coisas que está contigo. E, hoje, nem falo de um estar monogâmico não porque não acredito nisso. Isso tem um peso quando se é cis e um peso quado se é trans. Juntando isso tudo com a transfobia diária e estrutural, dá um caldo pra muitos anos de terapia, rs.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Caramelows em fotos de Leila Penteado
Antonio Carlos e Jocafi em foto de William Thompson

Dois EPs especiais chegaram ao streaming esta semana: “ViraLata (parte 1)”,  o primeiro da banda paulistana Caramelows sem Liniker, cantora com quem lançaram dois álbuns, e “Afro Funk Brasil”, da dupla baiana Antonio Carlos e Jocafi, em parceria com a Orquestra Violões do Forte de Copacabana.

Os Caramelows mostram suas novas parcerias com artistas como André Abujamra, Deep Leaks, Estela Paixão, Jota Pê, Joyce Alane, LUIZGA e Renata Éssis, alguns dos nomes que integram o álbum, que teve gestação na estrada, nos palcos pelo mundo, e virtualmente, durante o isolamento pandêmico. Um dos destaques é a inédita “Concha”, parceria com a pernambucana Joyce Alane, música que inicia em um groove soul bem lento, com uma melodia que lembra as raízes da cantora e se desenvolve em um rock classudo. André Abujamra participa em “Vita D”.  

Caramelows - Viralata Parte 1
Antonio Carlos e Jocafi e o EP "Afro Funk Brasil"

A dupla Antonio Carlos e Jocafi segue promovendo a mistura de afrofunk, afrobeat, candomblé e ritmos afro-baianos dos anos 70. A inédita “Ogun Ni Lê” tem participação do parceiro musical da dupla, Russo Passapusso, do BaianaSystem. A capa tem projeto gráfico e arte de Filipe Cartaxo, também do grupo baiano. O EP traz novas versões para clássicos da dupla, como “Simbarerê”, “Kabaluerê”, “Chamego de Iná”, “Glorioso Santo Antônio” e “Quem vem lá”.  

“Meu Vício é Você”

Ficou bem bacana a versão de “Meu Vício é Você”, de Alcione, na gravação da da cantora e compositora carioca Marianna, com produção musical da craque Vivian Kuczynski.  O clássico da Marrom foi lançado 1987, no álbum “Nosso Nome: Resistência”. “O lançamento dessa música vem pra escancarar minhas referências e me colocar no caminho que vou seguir para o primeiro álbum, no qual quero compartilhar minha jornada amorosa do ponto de vista de uma mulher negra que descobriu seu valor há pouquíssimo tempo, mas não tarde demais. A releitura da música traz essa proposta de misturar o meu trabalho pop, R&B, eletrônico atual com a estética dos anos 80, quando a música foi lançada. Levamos essa mesma ideia para o fashion vídeo, que faz alusão a grandes divas da música global, como Alcione e Whitney Houston”, conta Marianna sobre o vídeo, dirigido por Vitin Allencar .

Caoa de @raquelbrust

Foi muito aguardado o disco de estreia do duo ÀVUÀ, composto por Bruna Black e Jota.pê, o belo “Percorrer em Nós”, que transborda amor e afetividade negra em uma sonoridade orgânica com traços eletrônicos e rítmicas africanas. “Bentivi“, que abre o trabalho, ganhou clipe, somando na clipografia cool que já tinha filmes para “Dois Sóis, Famoso Amor e “Comum”, gravada para a Colors Studio. O disco tem produção assinada por Lucas Mayer e Rodrigo Lemos. “Chegamos à conclusão que o nome “Percorrer em Nós” sintetizava  tudo o que tentamos dizer em nossas letras: a busca pelo autoconhecimento e a disposição para construir sensações e reflexões”, conta Jota.pê.

Tagua Tagua por Guillermo Calvin

Tagua Tagua é projeto do produtor e compositor gaúcho Felipe Puperi que lançou o primeiro disco, “Inteiro Metade”, em 2020. O segundo disco, “Tanto”, chega em 2023, com o primeiro single, homônimo, aterrissando nessa sexta, em parceria com o selo de Nova York, Wonderwheel Recordings. “Tanto” é um disco sobre se apaixonar, e as canções foram compostas nos últimos dois anos. “Foi uma jornada, dois anos criando, maturando, mudando, trocando, fazendo e refazendo. Agora aqui estamos, no novo presente. O tempo correu”, conta Felipe.

Capa do single por João Lauro Fonte
ANAVITÓRIA no Expominas
Banda Varanda no Muzik
Onze:20 no Cultural
Racionais MCs no Terrazzo
Roça Nova no Beco
A andas Bratislava no Maquinaria,

Anavitória fazem show da turnê “Cor”, sexta (23),às 22h,no Expominas.

No sábado (24), às 22h, o Café Muzik recebe shows de Luma Schiavon, Varanda  (foto) e Gabriel AcajuNa quinta (29), às 22h, rola audição do novo disco de Tatá Chama e as Inflamáveis,“Fogo-fátuo”

Ainda no sábado (24), a banda que eu gosto Roça Nova faz show, às 20h,no Beco. O Maquinaria, em São Mateus, tem shows com as bandas Bratislava (SP) e One inch galaxy  (Jufas). Às 21h. Às 22h, a banda Onze:20 faz show no Cultural

Tem Racionais MCs e Mc Poze do Rodo, sábado (24), às 22h, no Terrazzo.                        

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano. Ainda tem as playlists de 2021 e 2020.

Playlist de clipes com Planet Hemp + Criolo,  Bomba Estéreo + Manu Chao, Madonna + Tokischa, Blackpink, ÀVUÀ, Toro Y Moi, Santigold, Lia Clark + Naninha, Paulo Londra + Duki,  Yemi Alade + Spice,  Anne-Marie + Aitch, Scalene, Márcia Novo, Hotelo + Tati Quebra Barrqco, Protoje + Jorja Smith, Carly Rae Jaepsen, Marcelo Tofani + Sem Peita, Pelados, Alewya,  Björk

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