O MEI da super maconha juizforana

Em pleno centro de Juiz de Fora, adolescente cultiva, acende, fuma, prende e passa super maconha

por Fidalgo Cruz
ilustrações: Filippo Gesualdo

Ítalo Calvino*, 20 anos, chegou três horas atrasado para nosso encontro, agendado quatro meses antes, num outfit ostensivo, com airpods vibrando Kallidade, do trapper carijó Kalli.

Porque a noite é clara, kit caro, kush na travessa. Minha tropa é travessa e, se tentar, nós te atravessa / Mente calma, verde claro, ascende e desestressa / Sem preguiça ou pressa, só agradece e segue a meta”

Kush é uma strain de maconha que contém altas taxas de canabidiol e é conhecida no meio grower (dos plantadores) por se adaptar bem ao cultivo em ambientes fechados e, entre suas variações mais conhecidas, estão OG Kush, Bubba Kush, Purple Kush, Skywalker OG e Master Kush, nomenclatura fortemente apropriada pela cultura trap.

“Man, olha, que louco, eu tenho uma clientela forte dos rico aqui da cidade, manja? Rico memo! Juiz, médico, empresário. Os cara é limpa-safra (compra tudo) pro cê vê, a erva que eu tô fumando agora eu comprei dum parça. Hahahahaahaha”. 

Quando perguntamos sobre o faturamento da última safra, Calvino riu, e fechou com saliva um generoso cigarro de kush. “Hahaha, mano, digamos que foi bom, certo? Melhor não escrever isso aí não.. Se bem que.. Pera… Porra, eu nem devia tá falando com vocês, né?”. 

Degustamos o kush para provar que somos defensores do direito de plantar e da legalização de todas as drogas**, posição, aliás, fortemente criticada por ele. “Todas não, pera. porra, vai liberar crack? Pra todo mundo ficar nóia?”. 

Calvino aprendeu a plantar maconha indoor em um fórum da internet e, hoje, compartilha seus segredos “somos uma comunidade, devemos passar adiante o que aprendemos e descobrimos. E tem espaço pra todo mundo”. Os dois primeiros pés foram plantados para consumo próprio, lembra Calvino, abriram a porteira. Ainda menor de idade, morando com a mãe, comprou sementes feminizadas de um site gringo, mas só nasceu macho [a maconha que fumamos provém dos cachos das plantas mulheres, o macho não chapa].

Após o primeiro êxito, Ítalo largou os estudos em uma tradicional instituição da cidade para virar as madrugadas na internet, trocando informações canábicas, e, hoje, oito anos depois, administra cerca de oitenta pés em um apartamento alugado no centro da cidade. “Mano, eu preciso agradecer ao japa que criou o led. Ou foi chinês? Se não tivesse o led, eu não ia conseguir pagar a conta de luz, sem contar que dá pala, né? Uma mina do Brasil já rodou, na gringa, plantando skank dentro de casa. Os homi passaram com um sensor de temperatura e sacaram a casa cheia de luz”. 

O cultivo indoor, grosseiramente explicando, consiste em enganar a planta, emulando as etapas de germinação, crescimento, floração, utilizando recursos facilmente encontrados na internet, como lâmpadas, temporizadores, fertilizantes, ventiladores, exaustores, hormônios e, claro, as sementes.  Sobre a capacidade produtiva de cada planta “Vai do grower, né? Do dedo verde kkkkkk”. 

Calvino se esquivou de todas nossas curiosidades numéricas e, respeitando isso, vamos imaginar um grama por pé, numa cotação de 130 reais, “dá pra pagar o aluguel kkkkk”. Embora jovem e cheio de testosterona, o grower não explana o latifúndio para ganhar seguidores nas redes ou alavancar os matches no tinder. “Mano, tenho carro? Tenho. mas tô no limite pra não passar a visão, tendeu?. Se quiser eu listo as marca que dá pra ter e não se enrolar no imposto de renda kkkkkk”.   No subtexto, dá pra entender que o agricultor também graduou nos módulos de contabilidade e direito tributário nos fóruns da deepweb e, cá entre nós, pós-graduado em retórica, quando questionado se somente um apartamento estava locado para plantas: “eu não tenho intenção de prejudicar ninguém, não destruo famílias. minha clientela trabalha, paga imposto, gera emprego. tô errado?”.  

Após eloquentes freestyles no melhor estilo coach, baforadas estilosas e altas atividades no iphone doze, nos despedimos secos pra ouvir um “leva um pouco pra testar com calma”, que não rolou 🙁 Mas rolou a melhor linha pra fechar esse texto: “o pai é MEI, moçada!”.*** 

Obrigado.

* nome inventado, né? 

** acreditamos na legalização e descriminalização de todas as drogas, incluindo o crack, uma forma menos elegante de consumir cocaína. procede, Aécio?

*** julgamentos à parte, vale lembrar que muitos estão encarcerados por muito menos, e que a onda “legacionista” mundial segue privilegiando raças e classes.

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