O espaço bonito não frequentado, os rostos roubados, os muros pulados e os a serem transpostos. Se ainda não conhece, prazer, Van Guina.
por Francis Hempi e José Hansen
Quais os critérios de escolha dos personagens retratados por você?
Em geral gosto de retratar pessoas com quem convivo ou já convivi em algum momento. Me atrai o senso de intimidade que os retratos podem passar, mas, ao mesmo tempo, gosto de roubar retratos… sou fissurado em entrar numas contas do Instagram e fazer prints de fotos de uma galera que mal conheço. Se me parece que vai gerar uma pintura interessante, já é o suficiente.
Fale sobre sua técnica e quando foi que decidiu que seu estilo seria esse?
A verdade é que luto com a coisa da técnica o tempo todo. As aulas de pintura que tive foram bem precárias e nunca aprendi realmente um método de pintar. Experimentei muito, e na base da tentativa e erro cheguei à maneira que trabalho hoje, algo que me incomoda, porque ainda me sinto muito limitado. A ideia de se associar a um estilo é tentadora, faz parecer que você tem uma marca, uma voz específica, mas não deve limitar o que você tem a expressar, nem sequer a forma como quer expressar.
Você vive e trabalha em Juiz de Fora. Acha isso um privilégio, uma sorte? O que falta à cidade para absorver seus artistas?
Me sinto bem de viver em JF. Acho que conheço e exploro quase que diariamente as partes mais bonitas e menos frequentadas da cidade… as matas do Morro do Cristo, a Usina de Marmelos, as represas… são meu respiro quando a cabeça anda mal. Já o miolo daqui é um lixo. Vem se tornando um grande complexo da Rezato e similares… é algo tenso de se ver. Só gera raiva e o clima propenso para o punk rock. Em relação ao circuito artístico e cultural daqui, minha impressão é a de que temos uma fartura de artistas, alguns bons espaços e pessoas interessadas no que circula. O que falta é apenas mercado, ou em outras palavras, público consumidor… quem sustente a cena.
Ganhamos muitos tapinhas nas costas, elogios e sorrisos, mas viver do que se produz, conseguir vender trabalhos ao ponto de sustentar sua família sem depender de outros trampos, ainda é algo que praticamente não acontece. A solução para vários colegas foi de partir para as capitais, onde há maior circulação de din-din. Eu ainda prefiro tentar fazer vingar daqui, usando a internet… sem ter que abandonar a terrinha.
Dreads e natureza
Bahamas sempre presente na vida do estudante
Você se formou na primeira turma do IAD uma época bem diferente do curso em vigor hoje. Você acompanha as novas turmas e os artistas recém formados?
Na verdade, quando me formei, o Instituto de Artes e Design ainda nem existia. Foi assim que saí da UFJF que as coisas começaram por lá. Realmente eram tempos bem diferentes… nosso curso foi de Artes plásticas/visuais com uma singela pitada de Design. Hoje em dia é um curso interdisciplinar que abrange um pouco de moda, um pouco de audiovisual, um pouco disso e um pouco daquilo… um pouco de tudo. Me parece pouco. Não que em minha época tenhamos tido muito, mas mesmo assim ainda me parece pouco.
Vejo um potencial monstruoso no IAD, mas ainda pouco explorado. Os muros da academia devem ser pulados, senão a galera sai de lá sem noção nenhuma do que é o mundo real, e quando digo mundo, é o mundo da arte mesmo. A não ser aos que desejam seguir vida acadêmica, o curso aponta poucos caminhos para o sustento dos profissionais da área.
Quanto as novas turmas e artistas recém formados, confesso que conheço poucos. Gosto daqueles que produzem independente de sua formação, dos quais a vida acadêmica foi um complemento, um gás a mais, mas não tudo. Aqueles os quais a produção vem de uma necessidade interna, pessoal.
Gosto muito da produção do Nickolas Garcia e da Amanda Pomar, pra citar alguns.
Guilherme e Fil, adultos.
O que a formação acadêmica em artes trouxe que você não encontra na faculdade da rua?
Pra mim trouxe uma organização nos estudos, algo que eu nunca tive por conta própria. Além disso, poder estudar História da Arte, algumas matérias da Filosofia e da Comunicação foram fundamentais para ampliar minha leitura não só de obras de arte, mas também da evolução daquilo que chamamos e entendemos como arte ao longo dos tempos. Foi algo que ampliou minha sensibilidade… quebrou diversos preconceitos que trazia comigo.
Direção: Luan de Azevedo
Pode nos contar um pouco sobre seu trabalho de conclusão de curso?
Meu trabalho de conclusão foi uma pesquisa prático-teórica. Realizei uma espécie de instalação em que queria testar/ampliar os limites da pintura enquanto linguagem. Eram diversas telas suspensas e alinhadas entre si. Cada uma dessas havia sido pintada e depois queimada, ficando com um rombo em seu centro, o que permitia a visão das outras telas através de cada uma.
Além dessas telas, todo o chão do ambiente expositivo havia sido coberto com sacolas de mercado, colados em uma lona com cola de sapateiro.
Meu desejo era o de criar ali um ambiente multi-sensorial… talvez tivesse sido mais fácil só dar a cola de sapateiro pra galera cheirar. Hahahahahaha….
Muita cola
Hummmmmmm
Retratos roubados
O que motiva a sua pesquisa atualmente ?
Tenho feito muitos retratos, principalmente esses retratos roubados. Gosto de juntar o material em uma espécie de arquivo… é algo que me estimula e sempre que chego no ateliê sei que tenho algo pra fazer.
A ideia de que não se produz por falta de inspiração é uma balela. A parte da ideia, da “inspiração” é o mais tranquilo… duro mesmo é por a mão na massa. Sentar e fazer. Reservar tempo para sua produção sensível em uma rotina lotada com outros afazeres é algo que requer organização e, acima de tudo, vontade (com V maiúsculo).
A cidade influencia o seu trabalho de que formas, pensando aqui na série motivada pelo acervo do Museu de Arte Murilo Mendes?
As matas, o tipo de vegetação, as terras e as diversas vistas do mar de morros são o que mais me encantam de nossa região. A verdade sobre essa minha última exposição, em que retratei os artistas que haviam retratado Murilo Mendes, é que foi um desafio que impus a mim mesmo.
Eu vinha numa sequência de retratos muito íntimos… retratei diversas vezes meu pai, minha mãe, minha filha, minha esposa, etc… então no fim de 2018 pensei em fugir dessa minha zona de proximidade e retratar pessoas que não conhecia, com quem não tinha contato algum, só não sabia quem seriam, até entrar no MAMM e me deparar com o retrato que o Guignard fez do Ismael Nery.
Percebi que existia em torno do Murilo Mendes uma rede de conexão entre diversos artistas e que essa rede poderia gerar a tal série de retratos que buscava.
Clarice e sua garota
Caraio, olha o Bubu.
Carinha de stoner
Caraio, olha o Nick 2
Guilherme tocou na Wishkah, Dedo Amarelo, Punkeka di Matu, Big Hole e Dedo Amarelo. Atualmente toca na Traste e Caiau.
Você também é músico. Acha que isso contribui no seu processo ou são coisas distintas?
Eu penso em música o tempo todo. Mesmo se estiver pintando sem som algum ligado, fico sussurrando ou cantarolando algo. A música alimenta minha sensibilidade e o punk rock, especificamente, me lembra o tempo todo que é possível fazer algo maravilhoso com poucos elementos e que, mesmo sendo limitado em termos de recursos ou virtuose, é possível fazer um trabalho expressivo, potente, capaz de explorar e compartilhar a experiência da vida.
Para os leitores mais leigos, você pode explicar didaticamente como você pinta?
Me interessa pintar as coisas que tocam minha sensibilidade, seja por me deixarem encantado, ou por me deixarem perplexo. As vezes são pessoas, as vezes são objetos, cenas de um incêndio, pesadelos recorrentes… qualquer coisa que me instiga me dá vontade de desenhar ou pintar… faço isso desde criança.
Assistia filmes e desenhos animados, e durante o intervalo comercial eu desenhava aquilo que estava assistindo. Já sentia desde novo essa necessidade de jogar de volta pro mundo algum resquício do que havia absorvido. Sinto que é o que continuo fazendo até hoje.
Como você vende sua arte? Acha que trabalhos encomendados são “menos artísticos” que aqueles criados sem intenções comerciais?
Hoje em dia vendo prioritariamente através do Instagram. Não tenho nenhuma galeria que me represente, nem ninguém que venda meu trabalho. Admito que sou péssimo pra fazer esse papel por não ter tino comercial algum. Adoraria saber vender melhor, ou ter por perto alguém qualificado que soubesse fazer isso.
Acho simplista a ideia de que um trabalho encomendado é menos artístico do que o que se faz por conta própria. Entendo que existam diferenças e questões distintas a se levar em conta, mas nada impede que sua pesquisa e objetivos artísticos sejam mantidos em um trabalho encomendado, a não ser que aquele que encomendou o desenho ou a pintura se sinta no direito de intervir em suas escolhas.
O trabalho artístico é um campo de batalha entre o artista e seu fazer. Se ficar a mercê de pitacos externos vira outra coisa, algo como uma prestação de serviço… mas nem por isso ele é pior ou melhor. Tudo depende dos objetivos de cada artista.
Lendo um tutorial do instagram
Como você utiliza as redes sociais para promover seu trabalho?
Uso basicamente o Instagram como um portfólio atualizado e uma plataforma para fazer circular meus trabalhos e me comunicar com aqueles que o admiram, assim como potenciais colecionadores. Tenho alguns vídeos no Youtube apresentando um pouco de minha pesquisa e de meus processos, mas é através do Instagram que apresento com maior regularidade o que venho fazendo.
Sinto que fico sempre um passo atrás por não seguir à risca o “manual do algoritmo”. Me dizem que eu deveria ser mais regular com as publicações, que deveria postar selfies ao lado dos trabalhos, que deveria fazer isso ou aquilo, mas eu só faço o que sinto que deveria fazer. Não vou virar escravo de rede alguma.
Meu objetivo ali é o de promover meu trabalho, a minha maneira, e não o de fazer uma promoção pessoal… ficar pagando de foda. Artistas são uma merda… o que deveria realmente importar (o que me importa) é a arte.
Alguma vez na vida você ouviu “o Guina faz um lance meio Van Gogh”?
Claro. Van Guina !!!