Sexta Sei: Eu não sou gay, só quero experimentar o Fado Bicha

Grupo português artivista quebra tabus ao subverter o tradicional estilo musical português e faz tour, pelo Brasil, com shows em Rio de Janeiro, São Paulo e BH

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Foto: Daryan Dornelles

Desde que comecei a fazer a Sexta Sei que desejo entrevistar o Fado Bicha, duo formado pela cantora e letrista Lila Tiago e pela guitarrista e violonista João Caçador que me impactou com “O namorico do André”, em 2020, minha porta de entrada para esse universo queer lusitano e revolucionário. O projeto versa sobre questões jamais abordadas no gênero fado e acaba de lançar seu primeiro disco, “OCUPAÇÃO”, esse ano. Eu juro, eu não sou gay, só quero experimentar o Fado Bicha, kkk, que faz pequena tour nacional, essa semana, que começou dia 7, na Casa Natura Musical, em São Paulo, segue neste sábado (9), na Gruta! BH, em Belo Horizonte, e dia 13, no Dolores Club, no Rio de Janeiro. Depois, elas fazem a abertura do show de Ney Matogrosso no festival SummerStage, no Central Park, em Nova York, em 17 de julho.

Foto Daryan Dornelles

O fado tem dois séculos de história, e nunca houve um projeto tão provocador à maior expressão cultural do povo português e às suas rígidas tradições quanto o do duo. Seu disco de estreia traz doze faixas com todos os ingredientes do fado tradicional, temperado com uma sonoridade contemporânea, de guitarras distorcidas e efeitos eletrônicos, produzida por Luís Clara Gomes, o Moullinex. Batemos um papo, por e-mail, para falar como é fazer fado sendo gay em um “país muito conservador, profundamente marcado pela Igreja Católica, patriarcal e colonialista”, das versões de fados clássicos, processo comum e até estrutural do estilo, de como Portugal é menos violento com a comunidade LGBTQIA+ do que o Brasil, mas impõe uma invisibilidade sistémica às pessoas queer, e do clipe polêmico que vem aí para “ESTOURADA”, que traça uma analogia entre a violência animal das touradas e a masculinidade tóxica.na tradição tauromáquica, o Ribatejo, dentro da proposta do trabalho artivista.

“O namorico do André”, minha porta de entrada para o Fado Bicha, o amor entre o pescador e o peixeiro

Moreira – O fado é a maior expressão cultural do povo português, e o Fado Bicha chegou com o pé na porta, abalando essa estutura. Vocês enfrentam muita resistência na rigidez cisheteronormativa do fado?

Fado Bicha – Antes de falar dessa resistência, que é expectável, acho que é relevante refletir sobre como nos ligamos ao fado e queremos fazer dele o nosso instrumento de trabalho artístico, apesar de não nos vermos plenamente representadas nele. Achamos até que isso é um dos maiores elogios que podemos fazer ao potencial de sedução e capacidade criativa do fado: que duas bichas, tendo a inteira consciência de que não há, na prática do fado, um lugar de existência e criação plena para pessoas como nós, nos recusemos a aceitar essa exclusão e queiramos criar este lugar experimental do nada e ver que espécie de fado surge a partir dele. Agora, a resistência… é claro que enfrentamos, assim como enfrentam todas as pessoas queer em Portugal, um país muito conservador, profundamente marcado pela Igreja Católica, patriarcal e colonialista. Mas nós rejeitamos em absoluto o silêncio e a modéstia e não dependemos da validação de ninguém na comunidade do fado para fazermos o nosso trabalho. 

“Lila Fadista”, adaptação de “A Júlia Florista”

Moreira – Quais faixas do disco são adaptações de fados conhecidos em Portugal? Como chegaram a essas escolhas?

Fado Bicha – Então, há faixas que têm novas letras para melodias de fado já existentes, como o “Requiem para Valentim” (que utiliza o “Fado Cravo”) e o “Fado Alice” (que utiliza a melodia da “Rosinha dos limões”); há faixas que são adaptações com alguns acrescentos de letra ou novos arranjos, como “Lila Fadista” (adaptação de “A Júlia Florista”), “De costas voltadas” ou “Fado do ciúme”; e há um fado que é inteiramente novo, “Fado Ribeiro Santos”. As escolhas foram surgindo de forma espontânea, pescando melodias de que gostamos muito e que, pelo seu teor emocional, serviam as histórias que queríamos contar ou pegando em fados que nos remontam a experiências das nossas vidas, sem ser exatamente a razão porque foram escritos. Mas isso é um processo comum e até estrutural do fado, reciclar melodias, encontrar novos sentidos em fados antigos.

Foto: Daryan Dornelles

Moreira – Em Portugal, como é o tratamento à comunidade LGBTQIA+? Pelo discurso de vocês, parece que é diferente do Brasil.

Fado Bicha – A cultura portuguesa valoriza muito o silêncio e a moderação, cremos que ainda por influência direta dos mais de 40 anos de ditadura fascista. Então, há muita resistência a discursos e reclamações mais assertivos ou acintosos. Isso é muito notório no nervosismo e resistência generalizados que provocam as pautas das pessoas negras em Portugal e os discursos antirracistas ou anticolonialistas – ou mesmo a releitura dos “descobrimentos” como invasão e genocídio escravocrata. As violências a que as pessoas queer são sujeitas, desde a infância, podem não ter os números horríveis do Brasil, no que toca a violência física e assassinatos, mas assentam numa invisibilidade sistémica: a presença, existência e contribuições das pessoas queer são simplesmente não reconhecidas, escamoteadas, escondidas, até por nós. Nas famílias, nas escolas, nos locais de trabalho, nos espaços públicos – mesmo na cultura, é uma presença muito condicional. Há um grande manto de silêncio sobre as nossas vidas e isso acarreta custos pesados na nossa saúde mental e nos recursos (comunitários, emocionais, financeiros) a que temos acesso.

“Crónica do maxo discreto”

Moreira – Crónica do maxo discreto” é inspirado na obra de António Variações. Qual a influência deles no trabalho de vocês e na cultura queer portuguesa?

Fado Bicha – Sim, essa canção tem uma influência direta e planeada das melodias e arranjos que a música do António Variações desenvolveu. Ele é a grande (das muito poucas) referência queer na cultura portuguesa e também nos inspira muito a forma como ele criava obras que, estando bem situadas no seu tempo e espaço, continham ao mesmo tempo uma matriz forte da música popular portuguesa, principalmente do norte de Portugal, de onde ele era nativo. Revemo-nos nesse exercício.

Moreira – “ESTOURADA” traça uma analogia entre a violência animal das touradas e a masculinidade tóxica. Como vocês influenciaram essa conversa sobre a tauromaquia com a música?

Fado Bicha – Sim, eu (Lila) sou de uma região de Portugal que está muito ligada à tradição tauromáquica, o Ribatejo. A minha família sempre foi apreciadora de touradas, e elas sempre foram muito perturbadoras para mim. Mais tarde na vida, comecei a entender essa tradição como fazendo parte de um esquema patriarcal de valorização pela dominação. A música “ESTOURADA”, que será o nosso próximo single com um videoclipe bem provocador, nasce precisamente dessa reflexão e dessa zanga. Chamemos para cantar o refrão a Symone de lá Dragma, uma cantora drag também ela ribatejana e muito vocal contra as touradas. Queremos provocar não apenas uma reação emocional com a dignificação do touro (e de toda a vida animal não-humana) mas também um desconforto que coloque em causa posições hegemónicas não refletidas, neste caso sobre um animal, cuja tortura e matança enquanto ritual estão normalizadas na nossa consciência coletiva. No fundo, esse exercício é a base de todo o nosso trabalho artivista.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Marcelo Queirantes, da Celo Tapetes

O algoritmo sugeriu e ele me conhece o bastante pra saber que eu ia adorar a tapeçaria divertida e xóven da Celo Tapetes, que faz produtos a mão em Santos (SP). O casal formado por Marcelo Queirantes e Amanda Capito, que já fazia trabalhos de string art, com madeira, prego e linha, aproveitou a pandemia para encontrar um hobbie e ainda faturar algum. Eles conheceram a técnica de tufting gun pela Internet, por sites gringos e canais no YouTube. Eles logo importaram uma máquina e começaram a costurar lã acrílica sobre tecido-base de polipropileno, tudo finalizado com resina antiderrapante. Ao contrário de outros tapetes, esse não gruda muita sujeira, por não ter folga entre os fios. Adoro os capachos de tigresa, smile derretido, Lacoste, Nike Air, Get Naked e muitos outros.

Fotos por Rodrigo de Carvalho

A playlist da última Sexta Sei começava e terminava com faixas do mais novo EP de MC Tha, o envolvente “Meu Santo é Forte”, no qual ela relê cinco composições já entoadas por Alcione e que falam da  vivência com as religiões afro-brasileiras. Essa verdade da MC Tha é que também conduziu seu maravilhoso disco de estreia, “Rito de Passá” (2019), produzido por Pedrowl e com participação afetiva de Jaloo. Dessa vez, MC Tha ressurge, mística e poderosa, pelas mãos do gênio baiano MahalPita, produtor musical e artista transmídia do grupo que eu amo demais ÀTTØØXXÁ, que criou um ambiente musical genuíno por meio de funk, tambores e pontos cantados. Três das faixas ganharam coro da Comunidade Jongo Dito Ribeiro. Para completar, ela ainda lançou um programa de TV irreverente, o “Clima Quente Show”, uma paródia do programa “Alerta Geral”, e faz show de lançamento, hoje à noite (8), às 22h, no Circo Voador, com Jup do Bairro. Tá de descer a Serra, hein.

Amaranto por Élcio Paraíso
Obey! por Renato Campos
Ken-gá B*tchwear na Casa de Criadores
Pixies por Travis Shinn

O nosso Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades está com inscrições abertas para a 21ª edição, este ano, que volta a ser presencial, para nossa alegria. Cineastas estreantes podem inscrever seus trabalhos até o dia 31 de agosto, por meio do site. A previsão é que o evento de uma semana ocorra em novembro, e a Mostra Competitiva Regional, voltada a estudantes, terá prêmio de R$ 10 mil.

Após dois anos em formato digital, a Casa de Criadores (CDC) volta presencialmente para completar os seus 25 anos de existência com sua edição 50. Os desfiles também serão serão transmitidos ao vivo pelo site e pelo YouTube.. Os desfiles começam às 20h, hoje, e às 18h, sábado e domingo.

No sábado (9), às 22h, tem noite Emo 00‘ no Café Muzik, com as bandas Obey! (foto) e Disk, e no domingo (10), rola o Karaokê com banda, às 18h, com entrada franca até às 20h.

Zé Renato, do quarteto vocal Boca Livre, e as irmãs Flávia, Lúcia e Marina Ferraz, do trio Amaranto (foto), apresentam o espetáculo musical infantil “O canto em nós”, domingo (10), às 16h, no Teatro Solar. A entrada é franca (oba), com retirada de ingressos pelo aplicativo do Diversão em Cena , no Sympla ou uma hora antes na bilheteria do teatro. Zé Renato e o trio já gravaram “A primeira luz” juntos e, no espetáculo, cantam sucessos do cancioneiro infantil, de Vinícius de Moraes a Gilberto Gil.

O ator, autor e diretor teatral Marcos Marinho apresenta o espetáculo “Infância – Caixas da Memória”, no Museu Ferroviário, dias 9 e 10 de julho, às 19h. Ingressos aqui. Falei mais da peça aqui.

Neste sábado (9), tem Caetano Brasil & O Choro Livre na rua, com Bia Nascimento e Francisco Cabral Vasquezem frente ao Cine-Theatro Central, a partir das 11h.

A 18º Feira de Flores de Holambra rola de 7 a 17  de julho, das 8h às 20h, na Praça da Estação, com entrada franca.

O Popload Festival vai fazer show do Pixies, 11 de outubro, no Vivo Rio.

Eu sou virjão de tatuagem, mas acho lindo, e estou encantado com o trabalho que lembra a delicadeza da porcelana da paulistana Giovanna Benetti, 20 anos, a Gio da Tattoo Azul, que mora em Cotia e atende em Itapecerica da Serra (SP), no estúdio do Flamingo, o Monkeys Tattoo. Ela, que aprendeu a tatuar durante a pandemia, faz dois anos de profissão agora em setembro, e está chamando atenção com os bluework que fez na cliente Larissa, que já tinha tatuagens no estilo e concluiu mais duas com ela. “Fiz no meu estilo e amei o resultado, o Twitter também, kkkkk “, conta a tatuadora, que viralizou lá no passarinho que também é azul. “Sempre fui apaixonada em tattoo, quando criança, tatuava minhas bonecas, depois amigos da escola, rabiscava tudo e todos”, conta. Ela aprendeu a tatuar na pandemia, com laranjas e pele de porco.

Eu já tinha falado por aqui do Aquafaba em junho do ano passado, quando o duo formado pelo chileno Cristóbal Rey e pelo brasileiro Danilo Timm lançou seu primeiro álbum, autointitulado. Pois a dupla radicada em Berlim lança, hoje, seu segundo disco, Electric City”, no qual faz música com captação analógica com instrumentos como charango, saxofone, violino, guitarra elétrica e percussões brasileiras. Os singles que saíram antes abriram caminho para o trabalho,    “Mania de Você” , uma versão de Rita Lee com Salma Jô, do Carne Doce; e a inédita “Vênus”, com Ícaro Silva e Aline Wirley, que passaram aqui pelas playlists. O clima é bem gostoso, psicodélico e festivo. O álbum foi co-produzido por Tomás Peralta, da Blue Whale Records (Berlim). Destacam-se o forró “Além do Temporal,  os ares latinos de “Bichos de Sol” e a festeira “Electric City”.

Aquafaba e seu segundo disco, Electric City”,

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano. Ainda tem as playlists de 2021 e 2020.

Playlist de clipes com Victor Seixas, LUIZGA + IZEM, Luli Braga, Marô, City Girls + Usher, THAMI, Villa, Puro Suco, Russ, Duestesia, Zeeba + Mariana Nolasco + Pedro Calais, Bianca + DJ Pedro Henrique + JL O Único, Kevin O Chris, João Gordo, Falamansa + IZA, Ivete Sangalo, Martins + Isadora Melo + Rafael Marques, Clara Castro, Iuri Bittar e Coldplay.

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