O infinito de Carlos Dias

por Francis Hempi

Entrevista realizada por WhatsApp entre fevereiro e julho de 2020. Tenho pavor do termo “multifacetado”, mas a eloquência do personagem exige duas linhas de lembrança: música e artes plásticas (que será publicada em breve). 

Tentei preservar o fluxo da memória e me resumi ao trabalho de organização dos fatos, sempre em construção. Siga o baile com o infinito

Carlinhos

Carlos Alberto dos Reis Dias, filho de Martha Helena dos Reis Dias e do roqueiro gaúcho Flávio Chaminé, nasceu e morou até os 15 anos em Porto Alegre, onde tocou nas bandas Spektro, Sexomaniacos, Diarreia Cerebral e Battery. Em 1988, mudou-se para São Paulo com a mãe.

Para entrar no Sexomaniacos eu tive que rapar a cabeça, a banda era uns caras mais velhos de Cachoeirinha e o baterista foi preso assaltando um consultório de dentista, foi quando entrei, no lugar do guitarrista que assumiu a batera. Era mais punk hc baseado nas coisas da época Cólera, os discos da New Face, punk finlandês, sueco e discos tipo SUB e Ataque Sonoro. Daí, nessa época, veio o DRI, Suicidal, o crossover…

Depois, 1989, já em São Paulo, tinha um programa de rádio com o Redson e o Tatola, Independência ou Morte, que passava música punk/hc de todo o mundo e anunciava os shows. Era muita banda com nome esquisito e eu escrevia pra saber quem tinha tocado, nessa época eu curtia mais barulho e skatepunk, tava fissurado no Scum e no From Enslavement to Obliteration, os dois primeiros discos do Napalm Death… Crossover, DRI, essas coisas…

Primeiro freela

Primeiro show que foi sozinho

Nem peixe, nem transa.

Eu tinha um amigo mais velho de POA que vinha pra cá correr campeonato e ficava em casa, daí ele me levava, então acabei conhecendo uma galera. Conheci os floyds, uns manos que pixavam e andavam de skate (tinham outras assinaturas tipo porcs e beisso), na rua deles tinha rampa e no domingo rolava uma matinê numa danceteria que chamava House, e outras bancas de skatista colavam, de Moema, de outros pico… Ali comecei a tocar na banda do irmão do Pedro floyds, o Mário, tocamos uns covers de metal, não lembro de ter feito música com eles, só um show no festival do colégio Equipe.

Umas das primeiras bandas que toquei em São Paulo foi o Megaforce, uma banda de thrash/crossover, um dos guitarristas tocou no IML depois, manja? Fred Mosh, melhor palhetada com abafadinho. 

Depois do Megaforce eu conheci o André e montamos uma banda chamada Noise Corporations.  Garage Bands Will Never Die, I Love My Tennis Shoes eram algumas de nossas músicas, a gente tava curtindo Mudhoney, Dwarves,  Seaweed, Nirvana, mas a banda não deu certo, só uns ensaios.  

O Tube Screamers veio depois, quando conhecemos o Rubens, que também tinha tocado no Megaforce em outra época. Nós colocamos um anúncio na loja “tok entre”, na galeria, procurando um baterista que curtia Mudhoney, The Faction, Sonic Youth, 7 Seconds, Descendents, Melvins.. sei lá se a lista tá certa, aí apareceu o Fusco, que curtia isso tudo. 

Noise Corporation, banda do Carlos e André, anterior ao Tube Screamers

I Love My Tennis Shoes.
Música e letra André Maleronka.

I Feel The Pain (meio misfits meio velvet meio metallica hahaha)
Música e letra André Maleronka.

Tube Screamers

Os Tube Screamers: Rubens (baixo), André (vocal), Carlos (guitarra), Fusco (bateria).

Em 92, Carlos Dias, Rubens Akira, André Maleronka e Marcelo Fusco fundaram o Tube Screamers.
A história do Tube Screamers pra mim é bem mais legal hahahaha, eu não tava preocupado com “cena”, e cena existia né? Cena under. No começo, a gente tinha umas músicas próprias meio grunge, e fazia cover de Bad Religion, Sonic Youth, Dag Nasty, Olho Seco e Exodus. Montamos a banda pra ser uma banda de garage, meio punk, hc, sei lá! Tínhamos gostos variados: o André ouvia Mission of Burma e pegava as parada tudo da Sub Pop, o Rubens e Fusco também. Todo dinheiro era pra comprar discos e eu aprendi muito no meio disso tudo. Eu tinha alguns discos mas nunca tive muita organização, conhecia muita coisa trabalhando na MTV e ouvindo  Kid Vinil no rádio. 

Seguimos fazendo o som que curtíamos, ouvíamos Hard Ons, até paradas da SST Records, através dos vídeos da Flipside. Aí veio Afghan Whigs, Nirvana…Tinha esse clube dos 7, da Sub Pop… Eu ouvia grunge sem saber que era grunge. Enfim, o Tube Screamers era meio grunge, meio Lookout Records com influência de hc californiano, eu tava aprendendo e nem sabia o que era americano ou europeu. 

Nessa época eu ia mais pro rolê na Dynamo e lá eu conheci uma galera, o Kichi (roadie do Sepultura),  as Volkana, teve show do P.U.S., do Morbid Angel, tinha aulas com o André Pomba, do Vodu.  O rolê era noturno manja? Retrô, Der Tempel, Urbania. 

Tube Screamers no Der Tempel

Tube Screamers no Der Tempel, agosto de 1992, São Paulo.

Teve um show iniciático do RDP e Pin Ups, e ninguém tava entendendo muito, foi quando eu conheci o Gordo, ele namorava a Ale.  O Pin Ups era diferente, mas o RDP e o Sepultura já tinham sido isso. A Ale e o Gordo iam noivar e chamaram a gente pra tocar no dia, foi o primeiro show do Tube Screamers.

E o “apadrinhamento”?
Veio daí, o Rubinho era amigo do Zé e eu era amigo da Ale, e eles chamaram a gente para abrir o show no Retrô.
Era nossa estréia, a gente era moleque e estávamos meio nervosos. Fomos a pé no dia, chegamos cedo e ficamos deitados na porta do pico (menos o Fusco), até que o cara da mesa chegou pra abrir, ficamos lá das 6 às 6 e fomos os últimos a tocar.  Tomamos um grafite, um ácido da época, e foi tudo em ordem. Foi lá que conheci o Rafael Crespo, que tocava no Cold Turkey.

Foi uma vitrine legal pro período? Desculpa o termo vitrine.
Hmmm … Era diferente, né? A gente tocava pra se divertir, apesar de que tínhamos patrocínio da Dirty Money que pagava nossos ensaios  e davam umas peças. No Tube Screamers ninguém queria ganhar grana com banda não. Logo após esses shows teve uma festa da Dirty Money no Der Tempel, com Kangurus in Tilt e Cuervos, banda que eu cantava com os caras que eram ex integrantes do Tormenta. 

Depois disso começamos a ir pra um lado mais Seaweed,  Dag Nasty, eu ouvia Afghan Whigs mas não conseguia copiar hahahah. Eu trampava na MTV essa época também, tinha acesso a um youtube particular.  

Daí, no Tube Screamers, nós gravamos duas demos, tocamos no rádio ao vivo, participamos da coletânea No Major Babes (gravamos com um cara chamado RH Jackson)  e teve o Juntatribo, tocamos no primeiro dia.

Tube Screamers no Juntatribo 1993

Nos dê um panorama das drogas dessa época.. qualidade e tipos…
Pausa panorama drogas…. Essa época se chapava com tudo né? Fanta uva com pinga na pet de dois litros e remédios em geral: dualid, inibex, hipofagin, que era comum no sul. Em SP, também rolava, mas os remédios não eram controlados, tipo benflogin e marax. Maconha, pó e ácido era meio difícil. Começou a ter crack também essa época, só que era mais elitizado hahahah.

Quais outras bandas e cidades o Tube Screamers se relacionava?
No Violence, IML, Kangurus in Tilt, Pavilhão 9 (tocamos com eles duas vezes, na época do primeiro disco). Em Piracicaba tinha Killing Chainsaw e o Happy Cow (que era mais guitarra), e tinha outras bandas que eu vou lembrar… Disk Putas era legal, isso tudo tamo falando de 90-94. Em Campinas rolava uma cena da hora, Muzzarelas, No Class… 

De Santos tinha o Blind, o Psychic Possessor, o IHZ entre outras bandas, sempre existiu um estilo “santos” de punk hc. Essa época de Der Tempel, Hoelisch, conheci o Farofa, na verdade lembro da cara dele ainda dos shows do Damaxoc, talvez no Napalm ou no Nuclear. Tenho  memória dele com uma camiseta pintada à mão do Minor Threat, acho, e também lembro do Garage Fuzz ainda trio, tocando no Dynamo.

O Garage sempre foi mais ensaiado e, tipo, se tivesse cinco bandas num show e eles fossem os últimos a tocar, se todos soassem podres o deles soava bom. Sempre foram exemplo disso, seja nos shows ou nas gravações dos discos. Participei dando aquele grito no cover de Bullet Lavolta, gravado via telefone.

Em 97/98, eu, Farofa e Dani moramos juntos, na Vergueiro, e, ali, começaram as primeiras experiências de arte, no sentido de fotografar algo pra usar e ficar experimentando, tivemos um projeto lo-fi experimental, gravando coisas em fita, ali, além de desenhar fazíamos as artes dos shows que rolavam.

Você gostava de Muzzarelas? tenho o Gorgonzulah!
Gostava. Eram muito bons os shows, o Flávio (guitarrista) era primo do André, eles gravaram uma do Tube Screamers.

carlos, @djdvbz @felipecama na mtv nas vesperas do verao grunge

Tube Screamers no Phenix

Demo do Tube Screamers, gravada ao vivo no MK. Janeiro de 1995.

Porque vocês não saíram na “Fun, milk & destroy!” ?
Nós fomos cotados para entrar nessa coletânea mas ninguém falou mais nada e entrou o Lethal Charge de Campinas no lugar. A coletânea foi feita pelo João Gordo e nessa época ele me chamava de Carlos Alberto Melódico… Acho que ele não gostava do nosso som. 

Se fosse alguém dos Pin Ups lançando, com certeza nós estaríamos hahahha. Você tá perguntando coisas que mexem na memória e aí perco o foco hahaha, essa eu poderia responder o dia todo.

Em 94 também veio aquele cd do Raimundos né…
Sim, a gente tocou com eles no Juntatribo. Cheguei a fazer uns rolê com eles, mas da demo até o primeiro disco, passou para outro nível, né? Gravei um MTV Sports com o Raimundos e lembro de ter emprestado uma camiseta do Youth of Today pra um deles, pintada à mão… 

Qual foi o desfecho do Tube Screamers?
Alguns desentendimentos sobre o que fazer ou não no direcionamento musical, tivemos uma reuniãozinha  e o Rubens saiu, ele tava noutras pira de som e queria um lance mais perfeito, acho que ele queria experimentar mais um pouco.

Será que ele tava ficando mais erudito? pelo fato de sempre conhecer muitas coisas…
Ele era muito avançado, ouvia de tudo. Foi o primeiro cara a colar com disco racional do Tim Mais e falar que era foda. Mutantes todo mundo curtia, ok, mas Gal Costa não era assim, né? hahahhah.

E hoje tá usando muito discotecagem brasileira…
Sim, uma hora assimila, né? Amor e ódio não são a mesma fonte?

Tube Screamers no Armagedom

Após o fim da Tube Scramers (92-95), Rubens sai da banda e entra César Lost no baixo, configurando a primeira formação do Againe.

Junho, 95, Againe

“A gente curtia som saca? Em 92, não queria tocar metal, na verdade acho que é que nem skate, nunca fiz muito bem haha. Era meio feio gostar de thrash, né?  Mas já ouvia B-52’s e The Cure escondido, na época do heavy.”

Carlos, André, César: cabelos aparados, cd, fita, coca.

O que aconteceu em 95?
Deu uma mudada em tudo, no som e na proposta, mas no fundo era mesma coisa hahha. Com o Againe nós gravamos e fizemos vários shows, de 95 a 97, Curitiba, POA, BH… não lembro de tudo mas vamos indo. A gente queria fazer um som mais rápido, acho. Eu pirava em um guitarra sem distorção e a outra estourada, querendo levar um som tipo Treepeople, da C/Z Records, gravadora que conheci por uma fita beta na MTV, acho que foi o Gastão que trouxe de Seattle. 

O Fusco enfim era, e é, a alma do Againe, desde o Tube Screamers sempre batemos as ideias, e mesmo quando ficavamos sem se ver, quando nos encontramos é igual até hoje, manja? Ele que cuidava da banquinha e teve a loja na galeria com o Fred da Submarine, a Trezeta

Qual idade média do conjunto no começo?
17 anos, fomos mais longe que imaginávamos…Em 97, eu tava sem trampo então rendeu bem nesse sentido: gravamos o disco no Rio, durante o carnaval, pela Spicy. Foi uma loucura. Gravamos 17 sons, to até perdido pra lembrar hahaha. O Rafa era meu amigo e queria lançar, eu ajudava na Spicy na época e morávamos juntos perto da Augusta, tudo despretensioso, a gente só queria fazer as coisas.

“Acho que o Againe carrega uma raiva que não existia  antes. Quando entrou o César Lost  (do Cold Beans) nós compusemos Removal e Ashtray – músicas que já falavam da cidade e das angústias… “

Demo do Againe (1996). André (vocal), Cesar Lost (baixo), Marcelo Fusco (bateria) e Carlos (guitarra).

Um amigo meu fala que existe o “hardcore de malhar”. Você nunca fez um som de malhar…
Hahah ficou mais “hardcore”, eu ouvia som pesado mas no punk eu curtia mais a califórnia.  Depende da época, né? The Vikings Are Coming, 1985 foi um disco importante para mim.  Eu curtia som, manja? Tinha o metal e veio o punk, isso lá atrás… No metal aprendi a disciplina e no punk o faça vc mesmoO Againe foi meio malditinho…

O Againe enquadrado no emo contribuiu para o malditismo?
Acho que no Againe deu uma”’modernizada”, tendo umas partes noise, punkinho, sujo, hc torto… Quando estávamos gravando o primeiro disco, o Speed disse, em sotaque carioca, “porra manero, entendi esse Iron Maiden tortão”. Na época, tudo que não queríamos parecer era Iron Maiden hahhaha mas aquelas guitarra tão em tudo, né? 

Aqui em SP é tudo setorizado, as ceninhas. Hoje em dia é punk europeu e nacional o cool, né? Ou era… Acho que acabou sendo classificado como emocore na época assim como grunge. Você moleque, arrogantezinho, cheio de argumento, nunca quer ser aquilo que te falam que você é. Porque você acha que é tão dono daquilo, que no momento que alguém fala, você simplesmente troca o nome do que você gosta hahahhaha, deu para entender? Queria desenvolver melhor essa parada, do o que liberta, te acorrenta… Meio anarco essa frase…

Hangar/SP

Santos/SP

Ouro Preto/MG

O Againe flertou com os sxe e com os anarco. Na Argentina, lembro do André me zoar porque meu boné era da Stereo e eu andava podre, mas sempre com um acessóriozinho… memórias… hahahahha, pera que tá vindo fluxo… Acho que ele (André) começou a se engajar mais que que nós, e começou a namorar a Silvana, que era do No Violence. A Sil era punk em POA, das primeiras ali, mas isso é outra história, uma boa pessoa para entrevistar. 

Na Argentina, com o primeiro disco, tocamos com o Fun People e Delmar, fizemos tour no BR/AR duas vezes, tocando na casas de pessoas e comendo omelete de um ovo para cinco cabeças, convivemos. 

Adri, Trabalho, Mari e Silvana. POA, 90 e pocos.
Show do DeFalla no Porto de Elis.  Foto: Fábio Pacheco, acervo Trampo.

Em 97, quando lançamos o primeiro disco do Againe, estávamos ficando amigo das Dominatrix e, lembrando dessa parada, de engajamento, sxe, feminismo, to até tendo uns insights.. Nós fizemos shows com renda revertida para vítimas de violência doméstica, entre outras causas, mas eu só tocava mesmo, não organizava show. É nessa época, 97/98, que deu algumas divisões, acho que foi dando um caminho mais político na banda essa época… Depois quero escrever um texto adicional, pra você não publicar. As vezes me perco no romance da história, as vezes fico mais antropólogo, tempestade polipolar, ou encosto, não sei.

Aí veio o segundo EP que era pra ser split com Delmar, banda do Tomás (que também tocava no 7 Magníficos), primo do Nekro (Boom Boom Kid), mas a banda acabou. O Tomas (Tomas Spicolli, artista plástico) foi um cara muito importante nessa parada das artes, ele já era a parada, manja? Cantava, desenhava e fazia as capas e os cartazes, e eu também, mas ele tinha aquela postura, e me fez ver que não precisava ser um dedonoqueixo pra fazer arte, que era só fazer. Até hoje, quando nos encontramos, rola um “e aí, tá fazendo as paradas?”.

Em 98, quando gravamos o segundo EP, 5 sons, tinha Neoliberalismo que é em português e o Againe já falava da cidade, de como nos sentíamos em viver aqui. Tinha uma ou outra de amor, mesmo porque, na real, o André sempre quis escrever meio umas histórias, tipo Jawbreaker. Sei lá se era bobo, mas não era intenção, acho que foi indo por esse caminho e logo depois do segundo EP o Marcílio (baixista) saiu.

Sobre o eau bouili et poison:

O Marcílio era skatista pro (assim como o Lost) e eu sempre penso nas linhas de baixo do Againe como linhas de skate, daí o Guilherme entrou no baixo (que também era skatista) e seguimos com o André por um tempo, até que ele saiu e eu assumi o vocal. Depois o Fernando convidou o Ede, do Small Talk, eles sempre tocaram juntos e essa entrada foi meio gangsta.

Fora isso tudo, eu saia muito a noite, ia nas premiação de rap em Santana, uma vez fui no samba, tocou Racionais, Sampa Crew… Comecei a ir em balada de techno porque era o que tava aberto, e pensava “porra por que nosso rolê não é assim? Hahahhaha.

E respondendo a pergunta do emo…
O som mudou um pouco, acho q nunca nos prendemos a rótulos, mas voz gritada e o apelo emocional… acho que “emo” era só um termo, que era aplicado aos que eram mais teatrais e emotivos, mas esse significado mudou quando veio o emoshopping, eu não recrimino ninguém, nem nunca quis ser emo, só hoje em dia, hahhahha.  A Isabela gravou uma fita pro Rafa, acho, que chamava “não use o termo”, a gente trocava bastante fita, era a playlist da época, né?  Vc viu mulheres do século 20?

Sim
A gente era uns black fags.

Againe: gravações de gaveta

Sobre o Fun People, se parear a timeline, parece existir algumas equivalências entre lá e aqui…
Algumas coisas que falo são minha lembrança, minha ótica e minha bolha, então podem haver “erros”. Acho que os sxe enxergavam a gente como o Avail, sei lá, uma banda que não era sxe mas tocava junto, daí o Fun People vinha pra cá (não lembro quem tinha o contato) e falavam: “ah os caras são MM”, que era melódico maconheiro.

Eles ficaram na casa do Cacá/Carol, André/Silvana, onde rolavam alguma Dragas, evento do Cacá, que começou depois do fechamento da Oitava DP (antiga casa noturna). Nós tocamos juntos e viajamos pro sul, acho que na segunda vez fomos até Vila Velha de van, duas bandas fedendo e o motorista com 40 graus de febre… 

Foi uma aula ali, manja? Eles eram legais, amo esses caras. 

A primeira formação do Againe resultou na primeira demo, a participação na coletânea “Monday isn’t a bad day at all” (Compilation Record, 1996) e a primeira tour na Argentina, além de diversos shows dentro de fora de SP.  Após ajustes a última formação do Againe ficou: Carlos (voz), Fernando (guitarra), Edmundo (guitarra), Guilherme (baixo) e Marcelo (bateria).

Mulheres do Século 20, Mike Mills

Black Fags

O Cacá (Carlos Issa / Objeto Amarelo, Auto), no meio disso tudo, foi importante. Um artista sem problema nenhum. Antes de ter banda ele montou o Auto e aprendeu a tocar ouvindo The Fall, Sonic Youth, Suicide, bandas que eu passei a conhecer melhor. Aprendi muito ouvindo ele tocar a guitarra do jeito, do jeito que achava que era… Puta influência… Ahhahah, sou fã dele, daquelas pessoas que quando encontro flui a conversa igual.

Fiquei tentando lembrar esses dias e até consultei ele sobre as primeiras banquinhas em show… Lembro que em 94 eu fui pra São Francisco e NY e vi bastante show e banquinhas, shows pequenos em bares, no Gilman 924.

O Nenê e o Fun People influenciaram muito com a parada de vender coisas nos shows. Nessa época tinha muita coisa rolando, o skate tava muito gangsta, e, tipo, a gente fazia um “skate rock” mas só alguns skatistas manjavam. Minha intenção era meio skatepunk de som, ouvia as coletâneas de fita da thrasher que tinha punk com violão e aquilo soava mais livre. Hoje, acho que uma banda que foi foda foi Guided by Voices.

Você não flertava com o Cap’n Jazz?
Em 97 eu estava voltando do Brooklin e estava no ponto de ônibus, nisso passou um amigo de carro, Rodrigo Brasil, e perguntou se eu queria carona. Ele tava ouvindo Cap´n Jazz no carro! A história só seria mais perfeita se, sei lá, eu tivesse tomado um fora no dia hahhahahha.

Daí ele gravou duas fitas com Cap´n Jazz e, pensando agora, vendo as guitarra tortíssima e a guitarra limpa, eu me identifiquei com aquilo, mesmo não conseguindo ouvir os dois discos de uma vez, era muita informação. Depois veio as parada da Polyvinyl  e Jade Tree Records. 

Anos depois o Againe tocou com o Joan of Arc e o Tim Kinsella me deu um livro com dedicatória e eu dei uma pilha de desenhos pra ele e falei “i love you”. Ele falou que o Againe parecia as bandas dos anos 90 e dissemos que éramos isso mesmo.

Dedicatória fofa do Tim Kinsella

Mano, de curiosidade, que treta que rolou no Alternative, com os sxe?
Onde você leu isso? A treta era com o Againe.

Já tinha saído a coletânea Monday isn’t a bad day at all que  fizemos juntos, e a gente tava amigo dos sxe e começamos a marcar shows com as bandas Personal Choices, Self Conviction, Newspeak… Juntamos nossos mailings e tinha mais de 400 nomes no Brasil pra mandar carta.

Dentro deles (da galera sXe) uma parte gostava de nós e a outra não, e, no meio disso, ainda tinha as picuinhas de mulher, porque droga não ia ser, né? Tinha saído o Earth Crisis e acho que eles tavam mais gang nessa época, enfim, fiquei sabendo na rua que eles iam no show pegar a gente. Lembro que levamos um taco de basebol, não sabíamos o que era, mas tava uma ameaça no ar.

Teve outra parada descontente dessa, os caras fizeram uma carta de esclarecimento, uma carta aberta e mandaram pra todo mundo cancelando o Againe da cena, falando que nós éramos modinha. Também recebemos um cd do Againe quebrado e colado.

Hoje em dia a gente acaba rindo tal, e ainda bem que não aconteceu nada de pior nisso… Acredito que a maioria de nós cresceu com essas histórias, a gente era tudo muito novo, não queríamos sucesso mas gostávamos de ser parte de algo, sei lá. Já faz tempo que isso acabou.

Teve o Diluentes, bem nessa época, eu, Rafael, Flávio Forgotten, Luana (Lurdez da Luz) e a Zuleika, irmã da Eliane do Pin Ups. A gente queria montar uma banda mais guitar/indie, grunge revival fora de hora, guitar bands… Indie Wannadies, manja? Eu tocava baixo, lembrei agora.

Pra mim o metal, punk, hc, foi uma libertação mas ao mesmo tempo uma prisão.  E esse é o ponto que lá na frente chega no pop.  Essa memória melancólica é engraçada, por ex: os metaleiro 80 curtem tudo relacionado aos anos 80 para ambientar, inclusive coisas que já se odiava na época. 

Olha isso!

Caralho, acho que vou ler.

Polara

“O Againe era melódico demais pro hc e o Polara era muito hc pros indies e muito indie pro hc. Me deixa com meu Superchunk, porra.”

O Againe começou a não rolar, bandas paralelas, estúdio, e eu tava compondo umas coisas em português que acabei terminando com o Rafa, então montamos o Polara com a intenção de tocar essas músicas. No começo era um trio e o primeiro show foi só violão.

O EP e a banda eram um projeto ainda, eu queria tocar a guitarra limpa que fazia no Againe, mas com letra em português e misturando punk, hardcore, indie e as outras coisas que ouvíamos. Voltar a tocar guitarra foi um desafio, ajuda numas coisas e atrapalha em outras.

O que é Collouetil? (nome da primeira demo do Polara)?
Em 99 ou 2000, o Polara tava dando seus primeiros passos e a irmã menor da minha namorada na época não sabia falar o nome de um remédio de prisão de ventre da mãe dela, aí ela criou essa música lendo o rótulo de leite. Eu cheguei no Rafa, essa época já estávamos morando juntos numa kit no centro, e ele disse vamo gravar. Gravamos e foi pra demo, o Lê Almeida gravou também

Pala o Lê ter gravado, ele aprecia neologismo. Quando vocês começaram tinha um conceito “emo” ?
Na verdade quando acabamos de gravar Alright (do Tube Screamers), o Marcelinho Sábado, que era um amigo do Rubinho disse “isso tá meio emo core”, era 93 o ano, acho. No Polara não foi tipo “ah vamos fazer uma banda de emo”, o Againe já chamam de emocore, né? O nome do primeiro ep tem a ver com isso “não use o termo” hahhahah tErMO.

Qual sua palavra favorita em português?
Hmmm, essa é boa.

Por que as pessoas gostam de cantar no show do Polara?
As músicas do ep tentavam contar umas estorinhas, de forma poética, mas com um toque de rua, solidão, amizade … Com o passar do tempo acho que comecei a pegar mais uma frase daqui e dali, coisa que alguém disse, e misturava com outras coisas pessoais. Ritmo Jovem vem dum jeito, falando de uma coisa e, de repente,  coloquei a frase de um amigo “tá gostando, tá se divertindo?” e “fala alguma coisa aí “, que era outra coisa, de outro amigo.

Empate e Rabo de Galo são as que mais foram pro lado que gosto, e o mas o legal  é as pessoas se identificando e fazendo as suas estórias com as frases. Acho que as pessoas se identificam, mas com uma frase só…Acho que tem bastante de auto análise e autocrítica nas letras.

Use acessórios. Sdds Marinho, vamos tomar um latão.

Outro dia vi um comentário a seu respeito, dizendo que você era a síntese de sp (um lance assim)… dai eu queria perguntar (essa pergunta é idiota mas serve) se você pode definir o que é o Paulista e queria saber sobre o metrô…
Hahahahahaha carai tá ficando complexo preciso pensar.

Foi mal
O metrô é como fala o gato pardo, a engrenagem da cidade. Copan e metrô talvez foram as primeiras coisas que ouvi falar de São Paulo, coisa pra quem é de fora e acha muito louco, né? Ou alguém se achando muito louco que anda de metrô hahahhahah, no caso, a música a do Caxabaxa.

Vamos falar do Rafa
Ele morava aqui, era namorado da Sandra e tinham o Cold Turkey, nos conhecemos no Retrô mas logo depois ele foi pro Rio, voltamos a andar juntos depois, e ele já estava no Planet Hemp. Ele tava ouvindo bastante hardcore punk entre outras coisas e a gente ficou muito amigo. Somos irmãos. Essa era época do Usuário, do Planet, e não tava bombado ainda.

Os Planet Hemp eram amigos do Rodrigo Brandão que morava comigo e eles colavam direto em casa pra dormir, o Rodrigo apresentava ou ia apresentar o Yo! MTV. Depois eu gravei a música HC3, do disco Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára, era pra ser um som meio Minor Threat, Bad Brains…

Poniboy na galeria polinésia

Rafa, Tiago, Nicolas, Marinho, Carlos

Seixlack, tour no sul com o College

Caraio, Carlos, você está em tudo…
É, dei um rolê, mas hoje em dia, aliás, faz tempo, tenho muita preguiça de sair. Podia ter feito meu pé de meia, né? Vacilei hahhahaha Não to reclamando, deve ser culpa nossa mesmo, mas nem no doc do emo, esse que tem aí nós estamos. 

O Againe ficou meio reject uma época e o Polara acho que por consequência, a agente era meio Saginata hahhaha. Quando veio o icq e o mirc, fiz meu email bonzinhos@hotmail porque tava cansado dessas tretinha e isso refletiu no som também, na guitarra limpa, nos acordes de bossa nova tudo errado.

A gente misturava música brasileira mas notaram só no ano passado, eu comecei a comprar disco pela capa no sebo, catei o primeiro da Clara Nunes.

Altas aventuras no Rio de Janeiro

Sato menor de idade fumando

Vó Bety

Carlos quase famoso

Carlos Brasil…
Na época achei que o Stereolab copiava Clara Nunes, essas coisas… Comecei a ouvir Jorge Ben, só Caetano que não desce, embora hoje esteja melhor nossa relação, eu e caê… 

Nem o Transa?
Nem peixe, nem transa.

Dos músicos que passaram pelo Polara, o que cada um trouxe de particularidades e somaram/mudaram o som do conjunto?
Começou eu, o Sato e o Rafa. Rafael tocava bateria, eu tocava e cantava e o Sato no baixo. Depois entrou o Mtakara na guitarra e quando ele saiu entrou o Ganjaman. Depois passei pro vocal quando entrou o Marinho e o Smut. Os irmãos do estúdio El Rocha nós nos conhecermos desde novos, tanto o Mau quanto  o Ganja deram uma orquestrada na banda. O Maurício até hoje, as vezes toca trompete no fim de Ansiedade, o Ganja tinha tocado no single (compôs 2:30) e tem uma noção de melodia muito foda, ele é um grande produtor, sinto saudades dele cantando, me influenciou bastante. Ele e o Rafael juntos resultou no “não use o termo” gravado na casa da Saúde.

O Sato é um samurai, sempre foi, um pilar forte com um senso de amizade que é raro hoje em dia. Linhas seguras e aquele groove amarelo. Sato nunca tem tempo ruim com nada.

Rafael é só o melhor guitarrista do Brasil. O Marinho e o Smut davam aquela liga Dinosaur Jr. com Wu-Tang Clan. Nem sei o que dizer, só tenho a agradecer de tocar com todos esses caras.

O que faltou para o Inacabado ficar acabado?
Não quero ficar reclamando do que não deu certo ou foi difícil. Nos reunimos algumas vezes e gravamos músicas, algumas aqui em SP, outras no Rio e uma na Trama. No disco teriam mais músicas e uma ficou sem voz, daí juntamos o que tínhamos e lançamos.

Polara “Corte” (inédita)

esdras na bateria guitarras mdm e smut, baxo satox

lançamento da demo do polara com fusco

ambiente organizado

“Kelly Key, não Kanye West”

O Albertinho dos Reys é um um alter ego mais tristinho ou maluquinho?
Bandas e projetos aparecem quando algo está embaçado, ou porque algo novo surgiu e não coube em nenhum lugar. Albertinho dos Reys é meu nome e na época eu tava aprendendo a gravar sozinho, o Rafa fez o Poniboy e eu montei o Albertinho pra poder tocar sozinho. Tenho uns outros projetos como Ruído, Desenho Cego, NUMAS e BLEFE.

Desenho Cego, Blefe, Numas e Albertinho dos Reys. Se cavucar, tem mais coisa.

E o Walter e Reys?
Conheci o Matheus Walter e a Virgínia Simone, na época eles tinham feito um filme chamado Éternau. Conheci eles através da Renata Polli e do Ternurinha … Fiquei muito amigo do Matheus e Virgínia, parceria que rendeu e rende muitos frutos como o documentário que fizemos do meu pai, trilhas e outros filmes. O Walter e Reys surgiu no meio disso, músicas que não cabiam em outros projetos e com outras referências. Nós ainda tocamos.

Carlinhos combinando mais um projeto.

Por que o caxabaxa é tão pop gostosinho?
É o dedo do Adriano que dá esse toque, usávamos autotune e tinhamos como referência Kelly Key, não Kanye West. Conheço o Adriano desde os anos noventa e, durante muito tempo, a gente combinava de gravar algo, ele já manjava de gravar com tascam e gravava umas coisas, teve o I Love Miami e o Thee Butchers’ Orchestra. Tem até um um som, o Vamo monta uma banda? que retrata isso. O Adriano é um gênio, muito bom produtor pra deixar com essa cara, ele mistura na medida certa.

O caxabaxa é mais espontâneo, sem censura ou crítica de outras bandas. Me ajudou muito no processo de compor, de escrever de forma mais solta e, aí, no começo, a gente tinha uma idéias, escrevia, pegava as palavras e jogava no google e fazia o clipe na hora, tudo muito rápido. Pra mim era incrível ir no Adriano com um monte de ideia solta, como coisas que tinham acontecido, personagens que tinham sido criados e gírias inventadas na hora. A música ficava pronta no mesmo dia, criada de forma orgânica e montada de forma eletrônica.

Carlos e Adriano

Dj Mendigo, pilar iconoclasta do funk socrático

Você compôs pro Cansei de Ser Sexy?
Ajudei a compor Superafim, são fragmentos da nosso vivência ali, piadas internas etc.

Como que foi o desenrolo com o CPM? eu gostava da demo.
Eu também achava legal, e achava que eles tinham acertado a parada pra fazer sucesso. Eles não eram do nosso meio, eu conhecia o Luciano da MTV e conheci a banda depois, de rolê. Já tava em primeiro play, antes da gravadora. Quando foi pra gravar o Felicidade Instantânea eles me chamaram pra fazer um som e ajudei em algumas músicas, sendo “Recíproca” inteira minha e “Apostas e Certezas” só a letra. Ajudei em outras, compus junto com o Badauí, e também fiz a capa.

Como compõe junto?
A primeira eles mandavam as músicas e eu ia ouvindo e fiz em casa, depois, ia no Badauí e ficava lá escrevendo, queimando um, era vizinho, foi bem legal fazer essas parada.

Você teve alguma fase com temática mais política?
Em poa tive uma banda que era mais hc, tipo Ataque Sonoro, mas não era eu que cantava.

Muito bom, obrigado por isso.
A entrevista vai acompanhar um CDR.

Gostou? Não? Que pena…

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