por Nicolai Guanabara
foto da internet
Em 20/04/2022 o plenário do Supremo Tribunal Federal condenou o deputado federal Daniel Silveira a pena de 8 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes descritos no artigo 18 da Lei 7.170/83, e art. 344 do Código Penal.
O art. 18 da antiga lei de segurança nacional (já revogada) previa como crime “Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados”. O art. 344 do Código Penal trata de coação no curso do processo.
Os fatos que deram origem à ação penal dizem respeito a uma série de vídeos publicados pelo parlamentar na rede Youtube, nos quais dirige impropérios aos ministros da corte e supostamente ameaçaria os togados. Tais vídeos ou mesmo a transcrição das falas do condenado podem ser encontrados na internet.
No dia seguinte, o presidente da república assinou um decreto concedendo ao parlamentar indulto individual (graça), pelo qual o perdoou pela prática dos crimes em questão.
A graça (indulto individual), modalidade de indulgência soberana, é ato discricionário (livre de condições) do Presidente da República, não sujeita a qualquer recurso. É um ato político sobre o qual não incide controle judicial.
Consideração preliminar: segundo o STF, o fato de uma pessoa padecer de um mínimo de inteligência emocional e proferir insultos a torto e a direito, fanfarronices em geral, agora virou crime. Em que ocasião esse parlamentar, em qualquer de seus vídeos de descontrole emocional, tentou “impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados”? Não há como retirar leite de pedra: as falas do parlamentar não se amoldam ao disposto na lei.
Não consta da decisão do STF qualquer outro fato que constitua fundamento para a condenação, como a comprovação de que o parlamentar conspirava efetivamente contra qualquer dos poderes. Existem, isso é certo, ilações, e não provas ou mesmo indícios, no sentido de que o cidadão em questão teria ligações com grupos que objetivam atentar contra a ordem democrática.
Por mais que se trate de uma figura abjeta, truculenta e estúpida, sem qualquer senso de suas atribuições como parlamentar, a condenação de Daniel Silveira revela a face da iminente ditadura da toga. É preciso dizer em termos claros que se tratou de pura e simples perseguição levada a efeito por um poder sem representatividade popular de fato, imbuída por um senso de justiça torto que atropela as instâncias políticas democráticas. Cabe aqui aquele poema manjado e sempre citado de Brecht, que trata da perseguição a judeus etc.
Para que se adiante a questionamentos rasos, essa é a mesma justiça que levou a efeito a quebra das empresas nacionais de construção pesada e gerou desemprego em massa, com o sempre presente dedo do departamento de estado norte-americano. É a ânsia de punição seletiva, levada a cabo por prepostos do Establishment (ainda que por vezes sem plena consciência de que sirvam ao mal) cujo exemplo maior, ainda, é a malfadada operação lava jato.
Cumpre pontuar, para que não se generalize, que o ministro Kássio Nunes Marques votou em sentido divergente, e afirmou que das falas do parlamentar “não se evidencia ameaça capaz de concretamente causar mal presente, quanto mais futuro. As expressões, consideradas graves ameaças pelo Ministério Público, pretendendo hostilizar o Judiciário, jogar um ministro dentro da lixeira, retirar um ministro na base da porrada, nada mais são que ilações, conjecturas inverossímeis, sem eficiência e credibilidade, incapazes, portanto, de intimidar quem quer que seja, não passando de bravatas”.
A questão poderia ter sido enterrada aí, como mais um caso de abuso judiciário ordinário. Mas eis que surge a figura do Bolsonaro para jogar lenha na fogueira com a concessão da graça constitucional.
É que a partir desse indulto individual surge o desdobramento político que interessa em termos práticos. O STF vai “invalidar” o decreto presidencial que concedeu a graça ao parlamentar? Vai passar por cima de uma atribuição privativa do presidente da república?
Não seria a primeira vez que os “dreeds” fariam algo do tipo, basta refrescar a memória e lembrar do que houve quando a então presidente nomeou Lula como ministro de estado, condenado sem trânsito em julgado.
Sabe-se que no judiciário brasileiro pau que dá em Chico não dá em Francisco, então não se descarta que o STF levante tecnicismos toscos para declarar sem efeito um decreto presidencial discricionário, como a questão da necessidade de ter havido pedido do condenado ou a exigência do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Para o bem ou para o mal Bolsonaro é o presidente da república e representa todos os cidadãos brasileiros, ainda que promova um desastre econômico e entregue o país de bandeja aos rentistas.
Não parece necessário que se perquira o porquê da concessão do indulto. Pode ser que seja uma forma de trazer de volta para o núcleo de apoiadores aqueles insatisfeitos com o programa econômico. Pode ser simples afronta. Fato é que o STF não pode adentrar no mérito do decreto.
E se assim o fizer? É a centelha para uma crise institucional, cujos desdobramentos são ainda desconhecidos.
O que é certo é que não se tratará de um conflito do bem contra o mal. Na verdade é uma grande oportunidade para que se discuta a atuação de todos os poderes em um cenário de mazela econômica e social; uma farsa engendrada tanto por aqueles eleitos pelo povo quanto, em especial, por aqueles desprovidos de representatividade e que se julgam acima do bem e do mal.