Altruísmo não! A Amazônia é nossa :)

por Nicolai Guanabara

Foto: Crítica: ‘Segredos da Tribo’ – a perfídia transvestida de ciência

De passagem pela Europa no fim do ano passado, o ex-presidente Lula afirmou, ipsis literis, ao jornal alemão Tagesspiegel: “Quando eu for presidente, gostaria de convidar Olaf Scholz, que em breve será seu próximo chanceler federal, à região amazônica para assessorar na proteção da floresta tropical”.

Pois bem.

Uma divagação preliminar faz-se necessária para que a opinião que segue não seja má interpretada.

Em primeiro lugar, esclareça-se que os conceitos de esquerda e direita, da forma como os concebíamos em um passado não tão distante, é questão superada. Enquanto a dita “direita”, hoje, caminha para uma defesa inconsequente do neoliberalismo, a “esquerda” ainda discute o tapa deferido por Will Smith (o maluco no pedaço) em Chris Rock (todo mundo odeia ele).

Defensores incondicionais do governo nacional de ocasião, em sua grande maioria, ignoram quem seja Paulo Guedes e a política entreguista que promove. Abraçam, ao revés, um discurso vago de defesa da família e da moral, sem que se veja o implemento de ações nesse sentido. Veja-se o aparelhamento da Petrobrás, cujo objetivo claro e declarado é sucatear a empresa, distribuir dividendos, e, quando restar somente a carcaça, dar o golpe de misericórdia com a total privatização.

Da mesma forma, a atual oposição, capitaneada pela “esquerda”, ignora a mesma política entreguista e se entrega de alma a pautas divisionistas identitárias. Querem discutir a questão da legalização de drogas ilícitas para tratamento medicinal enquanto milhões esquecidos na zona rural e rincões isolados de políticas públicas passam fome.

Feita tal consideração, questiona-se o que isso tem a ver com a frase inicial proferida pelo favorito a ocupar o cargo de presidente da república? Absolutamente tudo, eis que expressa o mais puro conceito de subserviência aos interesses do Establishment. Não se trata de direita x esquerda; de progressistas x reacionários. Trata-se de uma questão de soberania e sobrevivência do que se entende como o povo brasileiro.

As consequências dos recentes acontecimentos internacionais que respingam na América Latina, em especial no Brasil, são delicadas. E isso porque, antevendo os desdobramentos do realinhamento geopolítico ocorrido na Eurásia a partir do dia 24/02/2022, resta aos EUA voltarem suas ações intervencionistas para os recursos inexplorados da Amazônia, e para isso já contam com bases instaladas no Peru e na Colômbia.

Claro que já éramos tratados como um grande terreiro pela elite global, a diferença é que o foco do Establishment, que antes estava na região da Eurásia por questões de instabilidade política, muda para a América Latina (o continente africano, em grande medida, é zona de influência chinesa), em especial para a região da Amazônia, o que é motivo para que se ligue um sinal de alerta.

E para o engodo da população, a pretensa intervenção em terras brasileiras se dá sob o pretexto de uma mudança climática enfiada goela abaixo, sem que se abra oportunidade para contra-argumentação, e da necessidade de preservação ambiental.

À evidência, o interesse das nações ditas de primeiro mundo na preservação do bioma da amazônia é puramente financeiro. Ingenuidade crer que o interesse é a preservação do meio ambiente em si, da diversidade etc.. Qual o sentido, por exemplo, do Projeto de Lei nº 2963/19, que dispensa a necessidade de autorização ou licença para aquisição de propriedades rurais no Brasil por estrangeiros (pessoas físicas ou empresas estrangeiras), inclusive na Amazônia? É altruísmo?

É plausível, por exemplo, que um cidadão inglês qualquer, preocupado com o meio ambiente, a par de se engajar em ações de reflorestamento de sua ilha natal, já inteiramente devastada desde a idade média, por puro e simples senso de dever para com a humanidade adquire uma propriedade na Amazônia Legal, com o objetivo de mantê-la a salvo da ação de madeireiros? Com a ressalva de que indivíduos mentalmente perturbados existem aos montes, a resposta só pode ser negativa. No mesmo sentido, a Alemanha aceitaria ingerência internacional no manejo do pouco que restou da Floresta Negra, em nome do bem comum e da otimização na preservação do meio ambiente? Parece que não.

Vê-se, hoje, que o ataque à soberania nacional se faz de forma explícita. E tal ataque, como adiantado, é intensificado neste momento em razão, sobretudo, de um declínio econômico dos EUA, e da Europa Ocidental (por consequência), que sempre viram as nações na América Latina e da África como colônias de exploração, e agora se deparam com o possível ressurgimento de um sentimento nacionalista, em sintonia com a politica internacional levada a cabo pela Rússia e pela China.

A ingerência na soberania nacional conta ainda com o apoio das milhares de ONGs que se infiltram na Amazônia, com a justificativa se salvaguardar os indígenas e o meio ambiente em face do descaso e ineficiência dos governos dos oito países que abrigam o bioma. Tais organizações, evidentemente financiadas pela elite financeira global, tem o objetivo de proceder a estudos prévios e demarcação territorial para a futura intervenção e exploração dos incalculáveis recursos minerais que a floresta abriga.

A situação da amazônia ganha mais relevância ante a nova ordem mundial que se avizinha, com uma provável crise energética na Europa Ocidental (caso esta ainda siga alinhada aos interesses dos EUA), acarretada pelo não fornecimento de gás pela Rússia. Não se descarta, nesse sentido, uma política agressiva voltada para a internacionalização da amazônia de modo a garantir o suprimento de matéria-prima energética.

A quem serve, pois, o convite camarada feito por Lula ao hoje chanceler alemão? Ao Establishment. Não se ignora que, nos 08 anos em que foi presidente da República, Lula deixou um balanço positivo no que diz respeito a políticas sociais, alavancadas pelas commodities. Contudo, deu continuidade à política econômica neoliberal. Desta forma, não é surpresa que tenha se rendido de forma vergonhosa aos desmandos da elite financeira enquanto ainda pré-candidato.

E como frear os ímpetos colonialistas de EUA e seus títeres na pretendida internacionalização da Amazônia, sob o rótulo de intervenção “militar-humanitária-ambiental”? Somente por meio de um governo nacionalista que rompa de forma definitiva com a política econômica neoliberal.

E como dizem que até relógio parado acerta as horas duas vezes ao dia, veja-se que, em agosto de 2019, após o presidente francês Emanuel Macron ter afirmado que “nossa casa (a Amazônia) está queimando”, e que membros do G7 discutiriam essa questão, o presidente Jair Bolsonaro afirmou: “O Governo brasileiro segue aberto ao diálogo, com base em dados objetivos e no respeito mútuo. A sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos no G7 sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século XXI”.

Neste particular, errado não está.

Oportunidades estão abertas para aquele que assumir o palácio do planalto, que pode vir a ter seu nome cravado na história como o governante que não se curvou aos interesses capitaneados pelos EUA e promoveu a união do povo brasileiro por meio do nacionalismo.

A luz no fim do túnel pode ser depreendida da seguinte situação, ocorrida em dezembro de 2021, quando Níger e Irlanda propuseram na ONU uma resolução que dispunha sobre a “incorporação de informações sobre as implicações da mudança do clima na segurança”, de modo que o Conselho de Segurança das Nações Unidas pudesse “prestar a devida atenção a quaisquer causas profundas de conflito ou multiplicadores de risco” associados à questão climática.

O que poderia vir a ser uma chancela para legitimar o fim da soberania nacional sobre a Amazônia foi arquivada depois que a Rússia vetou o texto.

Fica a reflexão.

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