Sexta Sei: Kunumi, um MC em defesa da demarcação de terras indígenas

Mesmo lançando clipes de animação e NFTs, ele se mantém fiel à sua ancestralidade e o vínculo com a terra e a natureza

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Fotos por Igor de Paula

Já tem um tempo que eu estou acompanhando o jovem MC Kunumi, 20 anos, primeiro, em live recente no 1º DH Fest e, agora, no impactnate e lisérgico clipe para “Jaguatá Tenondé”, música de rezo, em guarani, que ele lançou, em animação asinada por Dejumatos, no m-v-f- reloaded. O festival ainda botou Kunumi em mais duas animações: “Moradia de Deus” e “Demarcação Já – Terra Ar Mar“, com Criolo, e NFTs (non-fungible token), o novo formato digital de arte. Toda a tecnolgia só reforça a ancestralidade desse jovem e sua arte potente e militante. “Queria trabalhar com processos de cura por meio da tecnologia, me falaram do Kunumi e me encantei na hora”, conta Dejumatos, sobre o MC que, hoje, está no novíssimo disco de Edgar, “Ultraleve”, que acaba de ser lançado,  e mudando o nome para Owerá, já que Kunumi significa jovem, pequeno, e ele cresceu, e muito.

“Jaguatá Tenondé”

Batemos um papo, por áudios de WhatsApp maravilhosos, no qual pude chegar um pouco mais perto do coração valente desse jovem que fala em utro fluxo de consciência e que, aos 13 anos, enfrentou o mundo, na abertura da Copa do Mundo de 2014, ao desvendar uma bandeira com a mensagem “Demarcação já”. Tudo o que Kunumi faz é pela floresta, pela terra e pelo seu povo, tão massacrado na colonização do Brasil. Em tempos de Bolsonaro e do Congresso estão tentando cancelar algumas demarcações, essa semana, ele vê ainda mais importância em fazer rap e escrever livros, sem nunca sair da aldeia. Além de defender a floresta, ele pediu ajuda para montar um estúdio de produção musical para o irmão, o DJ Tupan, produzir a sua música. Errado ele não tá.

Moreira – Você tinha apenas 13 anos quando levantou aquela mensagem de “Demarcação já” na abertura da Copa do Mundo de 2014. Como surgiu essa ideia, você imaginava o impacto que isso ia ter na sua vida e no próprio mundo? O movimento “Demarcação já”, com vários artistas e música de Gil, veio daí?

Kunumi – Sim, eu estava com 13 anos de idade. O pessoal da FIFA entrou em contato, queriam alguém para representar o povo indígena. Por sorte, entraram em contato com as lideranças aqui da aldeia, com Fabinho e o meu pai. Eles decidiram chamar um menino e uma menina para representar o povo indígena. Depois, decidiram ter mais um menino para soltar uma pomba da paz, meu pai me indicou. Na época, eu estava muito ansioso, e nem sabia que ia aparecer na TV. Fizemos um ensaio e, chegando na aldeia, o Fábio (um dos líderes da aldeia) teve uma ideia de fazer um protesto, ele acompanhava os massacres indígenas e teve essa ideia. Estava na minha mão fazer esse ato. Fomos no meio do campo, eu, um menino branco e uma menina negra, com os jogadores do Brasil e da Croácia, e soltamos as pombas e eu soltei a faixa “Demarcação já”. Eu estava com muito medo, mostrando essa faixa. Nem sabia que isso ia mudar a minha vida, fiquei conhecido e dei muitas entrevistas, fiquei muito emocionado. Foi um ato que nem sei se conseguiria repetir, de tão forte a cena. Se tiver um momento, eu repito mesmo, a luta não para. Foi um ato heróico, me orgulho muito de ter feito, muitos tiveram essa oportunidade e não fizeram.

Moreira –  Como você define o rap nativo? Vi que existem mais índígenas fazendo rap hoje, quais você gosta mais de acompanhar e indica pra gente? Fiquei muito impressionado com o cântico sagrado de “Jaguatá Tenondé”, e também com o clipe de animação, lisérgico, aquele sapo gigante e as águas vivas. É uma “música de rezo”? Achei tão tocante, assisti com tradução, no YouTube, a mensagem é bem otimista, algo como “vamos seguir em frente”. Achei lindo mesmo, me fez parar para ouvir todo o resto. Qual a sua experiência com o ayahuasca, esse tipo de música é usada como cura espiritual nas cerimônias de ayahuasca?

Kunumi – O rap nativo é esse rap aí que estamos fazendo, né, falando de nossas aldeias mesmo, da realidade de como a gente vive, não é uma ficção criada. A realidade é simplesmente o que o falamos, que o pessoal não quer ouvir, mas que a gente fala, o massacre violento que a gente sofreu e a nossa cultura, que seguimos fortalecendo, todo dia é dia do indígena. A gente fala com mais orgulho, porque vivemos a nossa cultura, nossos cânticos de reza toda noite. Somos os protetores da floresta, esse é o rap nativo, falar de uma ancestralidade que ainda segue.

Tem alguns cantores de rap, não tem muito, a gente vai divulgando. Eu comecei a cantar rap sozinho, agora tenho acompanhante, o meu DJ Tupan. Tem um grupo aqui na aldeia que a gente canta música e eu que toco violão. Eu indico eu mesmo, ali no rap eu falo pouca coisa ainda, mas que já é um bom começo para ouvir um rap nativo.

“Jaguatá Tenondé” é uma música de rezo, estarei cantando em alguns lugares aí, quando estiver tudo aberto. É uma música importante chegar à muita gente, O povo indígena sempre teve aí conexão com a música, a arte e, principalmente, com as medicinas, né, e histórias contadas oralmente nos rituais, na casa de reza. Nós tomamos a medidica, ayahuasca, mas tomamos outra medicinas de cura para limpar o corpo e o espírito. Temos várias medicinas boas para vários tipos de doença, dor de cabeça, dor nos olhos, de várias coisas, mas também temos nossos curadeiro, benzedor, que chamamos de Xamoin, nosso líder espiritual, cada povo chama de um jeito. Ele só dá quando a gente pede.

Moreira –  Vi que foram feitos mais clipes lindos e incríveis de animação para “Demarcação já”, com o Criolo, e “Moradia de Deus”, com Olívio Jecupé. Como foi para você ver o trabalho receber essas recriações tão tecnológicas? Vi que você se lançou no mundo dos NFTs, tá moderno demais… Interessante essa aparente dicotomia…

Kunumi – No momento, estou fazendo estes trabalhos, às vezes mais simples, às vezes mais tecnológicos, às vezes rap nativo, às vezes rap clássico, em guarani e português. Tenho feito mais em guarani. O importante é não fugir do meu propósito, de sempre ajudar ao povo indígena, faço isso pelo bem do povo indígena, sei que é pouco, mas levo essa mensagem a muitos lugares, falar do meu povo, pela natureza e a demarcação de terra.

Moreira –  Você é da etnia Mbyá-Guarani, você nasceu em São Paulo? Chegou a viver em uma aldeia? Quais as principais conquistas são necessárias para o povo indígena hoje no Brasil, além da questão da terra? Você vai mudar de nome para Owerá? Qual o significado do novo nome e da mudança?  

Kunumi – Sim eu sou da etnia Mbyá-Guarani, nasci aqui em São Paulo, na aldeia Krukutu, que fica em Parelheiros, Zona Sul de São Paulo, terra indígena que se chama Tenondé Porã com nove aldeias, com uma população de três mil guaranis.

Sobre a mudança de nome, no começo, me chamei de Kunumi MC, era um significado. Para o povo guarani, é normal essa mudança de nome. Kunumi tinha um significado, significa jovem, pequeno, nada a ver agora continuar com esse nome, o momento já passou.

Moreira –  Li que seu pai, Olívio Jekupé, foi um dos primeiros escritores indígenas a publicar um livro, caminho que você e seu irmão seguiram. Quais as dificuldades que vocês encontram para ocupar esses espaços? Quais espaços o povo indígena ainda precisa ocupar?

Kunumi – A principal conquista para o povo indígena é a demarcação de terra, né. Temos muito direitos que perdemos, o principal para lutar, retomar e conquistar é a terra índigena. Antigamente, todo o território brasileiro era do povo indígena. Hoje, temos que tentar demarcar um pouco da terra para poder viver, porque, historicamente, todo o território brasileiro era do indígena, e a gente perdeu tudo. Perdemos quase tudo. Está difícil, por enquanto, com esse novo governo que temos que luta contra o povo indígena. Somos protetores da floresta, queremos o bem, a nossa luta tem que ser a de todos, lutamos por todos. Respeitamos muito a natureza, é o que nos dá vida. Precisamos demarcar para a natrureza voltar a ser esse paraíso.

Meu pai foi um dos primeiros a ser um escritor de literatura indígena, nativa. Quando começou foi muito difícil, e agora que começamos, temos mais facilidade, mas ainda é difícil, no Brasil, a leitura é muito fraca, a divulgação. As editoras se interessam mais por livros de escritores famosos. O certo seria se interessarem pela nossa literatura indígena, publicar nossos livros, pois contamos a história real que a gente vê, vive e acredita. Quando falamos de massacre, sempre falam que é pesado, mas pesado foi o que fizeram e fazem com a gente.

Moreira – Me conta mais da sua parceria com Criolo, vi o trailer do documentário britânico “My Blood is Red” que mostra vocês trabalhando juntos. Ele é um cara sensacional mesmo, como foi a sua troca com ele? 

Kunumi – Ele participa do meu filme, “Meu sangue é vermelho”, na traducão, foi muito sensacional, da hora, bacana, um momento que mudou a minha vida para melhor. Foi muito maravilhsoso ter esse encontro, ele me ajudou muito a ser um MC e a continuar a  minha luta pelo povo indígena, mesmo ele sendo de outro povo, do povo negro, ele estava ali dando essa força para seguir em frente, isso me fortaleceu muito, até hoje.

BB
Morada
Demarcação

Moreira –  Seu irmão DJ Tupan toca com vocês em shows, ele também faz a produção musical?

Kunumi – É o meu DJ, fizemos alguns trabalhos, no momento, fazemos apenas shows, falta estrutrura para ele fazer produção musical. Se conhecer quem possa ajudar a fazer um estúdio, montar os equipamentos, agradecemos muito.

Abaixa que é tiro!??

Gal Costa
Gabriel Moura e Baile Charme Show no Circo Voador No Ar
Arnaldo Antunes na Galeria Psicoativa Tunga
Čao Laru Foto: Alian Minerva

Gal Costa faz live hoje (28), às 20h, no Teatro Bradesco, entoando clássicos e canções do disco mais recente, “Nenhuma Dor”. A direção geral é de Marcus Preto.

Diogo Nogueira, Fernanda Abreu, Lucy Alves, Mumuzinho e Claudio Lins se apresentarão em live para comemorar os dois anos do Teatro Prudential, hoje (28), às 20h. Antes, às 19h, tem Marina Peralta no Sesc em casa.

Hoje (28), o Circo Voador no ar, às 22h, reapresenta show de Gabriel Moura e o Baile Charme Show.

No sábado (29), tem live dos Barões da Pisadinha, às 17h, e de Elba Ramalho, às 20h. Mais cedo, às 11h, tem Arnaldo Antunes na Galeria Psicoativa Tunga, na abertura do Inhotim em Cena, que segue, com Otto na Estufa Equatorial, dia 17 de julho, e Pedro Luís e Orquestra de Câmara Inhotim na Galeria Cosmococa, dia 14.

No domingo (30), às 17h, rola a terceira tarde do Festival Divinas Brasileiras, essa em homenagem a Elizeth Cardoso, com Ná Ozzetti, Luciana Oliveira, Zélia Duncan, Izabella Bicalho, Zé Manoel e Lucas Nobile.

No domingo (30), a Orquestra Sinfônica de Indaiatuba recebe Zeca Baleiro, às 21h. 

Na terça (1), às 19h, começa o Libre Festival, organizado pelo grupo franco-argentino Čao Laru. O evento vai até o dia 6, com lives diárias e convidados como Ekena (dia 1), Graciela Soares (2), Anná (3), Ykamiabas (4) e Ju Strassacapa, da banda Francisco El Hombre (5). No último dia, 6, a banda se apresenta sozinha com o inédito show “Libre”. 

Na quinta (3,) Lenine, Neca e Guy Marcovaldi participam do bate-papo na Casa Natura Musical, às 19h.

Conheci a jovem artista baiana Clara Egrejas, 22, em uma festa no Tenetehara, na Cidade Alta. A partir daí, passei a acompanhar sua arte fascinante e feminista pelo Instagram. Tatuadora, pintora, muralista, quadrinista, ela está em busca “de uma ótica para observar melhor o mundo e para se observar melhor no mundo”. Desde sempre com uma caneta, pincel ou lápis na mão, nunca teve outra opção na vida além de ser artista. A temática feminista é uma constante em seus trabalhos. “Sou avessa à fixação, tentando manter uma linha fluida tanto na arte quanto na vida. Às vezes, consigo”, me conta, divertida, pelo e-mail.

Acaba de entrar no ar o Acervo Digital Vinicius de Moraes, com mais de 11 mil documentos do  acervo pessoal do poeta, doado à Fundação Casa de Rui Barbosa no final da década de 80. Os manuscritos revelam o processo de criação do poetinha, com  muitas correções e trechos refeitos ou cortados. O acervo foi dividido em três grandes séries: correspondências, produção intelectual e documentos diversos. São poemas, textos em prosa, letras de música, peças, roteiros, discursos, notas e cartas que revelam amplas trocas intelectuais ao longo de quase 50 anos.

Pode parecer estranho pra quem cresceu com um celular na mão e conectado às mídias sociais, mas, por muito tempo, vivemos sem esses recursos. Minha adolescência toda foi feita à base de edições da revista Bizz, que virou ShowBizz por um período, e me informou sobre Chico Science, Pato Fu, Planet Hemp e todas as bandas e os artistas que forjaram meu caráter. Um maluco digitalizou todo o acervo da revista e disponibilizou aqui, boa viagem, boa pesquisa. A revista nasceu em 1985 e foi cancelada em 2001, retornando às bancas quatro anos depois, para encerrar suas atividades novamente em 2007. Foram editores os jornalistas Alex Antunes, José Augusto Lemos, André Forastieri, Pedro Só, Emerson Gasperin e Ricardo Alexandre.

Eu sou completamente obcecado por stickers. Meu primeiro macbook foi completamente coberto por eles, uma mania sem volta. Ainda não tive coragem de fazer o mesmo com a máquina atual, mas, com certeza, se for fazer isso, vou recorrer aos adesivos maravilhosos da Stickerland, que o algoritmo do Instagram, muito sabiamente, me indicou. Os holográficos são maravilhosos.

Foto: Evandro Gota

Hoje chega às plataformas o novo álbum do multi-artista Edgar, “Ultraleve”, sucessor do maravihoso “Ultrassom”, ambos com produção de Pupillo. O novo álbum traz paisagens um pouco mais solares que o anterior, mas assuntos sempre urgentes, como excesso de tecnologia, destruição ambiental, violência e individualismo. O disco tem participação do MC Kunumi e da cantora e compositora iunk (primeiros povos habitantes do Alaska, Groenlândia e Canadá) Elisapie, ambos cantando em seus idiomas nativos. O disco traz instrumentos construídos por Edgar a partir de lixo reciclável. Estreiam hoje, no YouTube, clipes para “Mentes mirabolantes” e “A procissão dos clones”. O Multiplicidade ainda postou, esta semana, o show dele no último festival.

 

E não esquece, amanhã (29) é Dia Naccional de Mobilização por Fora Bolsonaro. Já deu.

Playlist com as novidades musicais da semana. Nesse post, tem todas as playlists do ano.  Aqui tem as playlists de 2020.

Playlist de clipes com Tuyo, MØ, Negra Li, Carmen Red Light, Jup do Bairro, Alaska Thunderfuck, Pocah + MC WM, DJ Khami + Kelly e Milly + MC Katia, Lil Nas X, BTS, Zara Larsson + Alok, Ana Cañas, Raul Misturada, Garbage, BK’, Diplo, Qveen Herby, Half Alive, Audrey Nuna, Juliana Linhares, Matheuzinho + Kevinho + Raí Saia Dobrada, Zé Vaqueiro e +

Sexta Sei, por Fabiano Moreira