Meu primeiro show do Polara foi uma merda

por Francis Hempi

Conheci Polara adulto e me encontrei nas letras e na sonoridade, mas a banda tava parada, até que rolou um show no Rio, no Motim, pico que eu queria conhecer. 

Liguei para um amigo nerd de infância, sul mineiro morando na cidade maravilhosa, e o convidei para colar comigo. Ele disse que não nunca tinha escutado e que precisava conhecer. Alguns hits depois, concordou que é importante decorar as letras para uma melhor experiência no show – e isso faz diferença na assimilação da mensagem da banda emuxa.
 
Beleza, é isso, então decidimos que a melhor forma de chapar sem perder a emoção seria um MD de procedência (aquele que apaixona), e uma amiga farmacêutica entendida de iogurtes e drogas me passou um contato de qualidade.
 

– boa noite Dr. Ramon, sou amigo da Júlia e ela me disse que você tem alguns convites para essa noite. 
– pista verde? 
– não, mais animado
– Michael?
– é
– meia hora…

Como um dealer carioca legítimo, duas horas depois o torpedo: “do outro lado da rua, carro prata, pisca alerta ligado”. A Voluntários da Pátria, em Botafogo, é uma rua crowdeada e na minha frente estavam três carros prata piscando o alerta e eu fui no mais próximo, do meu lado da calçada. 

– quer que eu entre no carro?
– oi? sim, Fernando?
– não.
– to esperando o Fernando, sou uber.
– foi mal.

Atravessei a rua e já cheguei batendo no vidro filmado do sanderinho com alerta ligado. Os olhos trêmulos de medo da mulher, que quase arrancou com o carro, não foi o suficiente para evitar minha abordagem, “Dr. Ramon é trans, que massa”, pensei. 

– Dr. Ramon?
– haa? hannnnn?
– te mandei mensagem, pista eletrônica…

A voz embargada da mulher disse que ela não se chamava Dr. Ramon.

Última e certa tentativa, o carro de Ramon deveria custar uns 2 milhão e, na cabine climatizada da nave, ele me recomendou cautela na ingestão do estimulante.   

Desculpe, mas minhas amigas gostam dessa aventura e eu não poderia perder a oportunidade de deixar registrado. Já estamos indo para o Motim. Uber, com motorista recém recuperado de uma bala perdida e preocupado com o destino da viagem no centro, que ele chamou de “salgado”. O papo foi interessante mas vou poupar. 

Garrafinha da água, mistura pronta, golinhos iniciais, onda boa e o Polara começa a tocar. 

MAS. mano, tava quente, mas tava quente, muito quente. meu óculos embaçado, visão turva, pressão alta, pressentimento de morte, amigo cantando na orelha, apavoro, abafamento, ar quente, fobia, perna mole, claustrofobia, tristeza, vontade de fumar, autocrítica, insegurança, saudade de casa, raiva do óculos – a melhor coisa a se fazer, antes do desmaio, era tomar uma água e respirar na escada (meu amigo tava cantando todas colado na banda). Olha! eu tenho uma água, que sorte: tranquilidade, leveza, alto astral, alegria, garrafa virada.

– cadê o MD? (meu amigo, já adaptado à temperatura ambiente)
– nossa!

Língua no queixo, coração sangrando, barriga encharcada, globo ocular igual gema na frigideira, arcada dentária igual o cachorro da corrida maluca, conflito de emoções, vergonha, vontade de ficar pelado sozinho em casa no silêncio.    

Meu primeiro show do Polara, querido diário, foi uma grande frustração.

Gostou? Não? Que pena…

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