Fugere lança sua primeira session, Urutau

URUTAU é um pássaro esquisito e descontrolado e Frederico ainda não teve o prazer de encontrar. Conversamos com FUGERE sobre a nova session.

Ilustração: Helena Frade

Baixo Centro: Fred. Você está menos tímido? Ou está mais safadão?
Eu lembro que no meu primeiro show como Baco Doente tremia igual uma vara de bambu e fiquei quase o tempo todo olhando pra baixo; não só por estar nervoso mas, também, por querer manipular meus pedais da melhor forma possível… Combinou com certa estética sem querer, né? Uma coisa meio MBV, Pale Saints, Spacemen 3, sei lá… Daria pra forçar que é por causa disso, mas a real é que eu sou um tímido meio safado mesmo e, principalmente, estou sempre concentrado no que estou fazendo.

Apesar dessa timidez, acho que estou bem mais confiante quanto à musicalidade e aonde quero chegar com um instrumento. Passei a quarentena toda tocando muitas horas por dia, quase todos os dias, tanto para a Fugere quanto para a Baco Doente. 

Nessa session eu cheguei lá e toquei as músicas. Só tinha a equipe assistindo e eu já estava calejado de tocar em casa muitas e muitas vezes, inclusive as quatro músicas novas. Só a última música (Borras de Café) que foi “tiro no escuro”, já que tínhamos batido o martelo na parte de composição um dia antes da filmagem. Nas futuras versões gravadas talvez mudaremos uma coisa ou outra, mas fica aí o registro prévio dessas músicas novas. 

BC: Qual é a das imagens de cobertura? O que é arquivo pessoal e o que foi filmado pra session?
As imagens de inserção serviram para manter uma montagem com mais ritmo e dinâmica. Trocando uma ideia de referências com o Luan, responsável pela montagem, chegamos num dos muitos assuntos comuns entre os dois: o skate. Comentei que acharia legal manter certo ritmo com essas inserções “videoarte” e, para isso, tiramos referências de alguns vídeos seminais de skate, como o Mindfield da Alien Workshop, vídeo que tem muitas inserções experimentais, inclusive uma parte que rola Dinosaur Jr. com takes do J. Mascis tocando.    

Indo mais ao ponto, quase tudo que não é performance pertence a um banco de imagens que vinha filmando ao longo dos últimos sete anos (ou mais) com minha finada câmera minidv: viagens pelo interior do Brasil, takes pitorescos de animais, cenários melancólicos e bucólicos das minhas viagens de carro. O propósito exclusivo dessas imagens era de registro. Eu curtia filmar para depois assistir sozinho e ver quais sensações me surgiriam… por muito tempo foi terapêutico e inspirador. Alguns takes extras que usamos foram filmados pelo João e outros pela Luiza também, exclusivamente para o projeto.

Luiza Belém

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BC: Qual é a espécie da árvore que lhes concede a sombra?
É uma espécie de figueira, a árvore dos desejos. Uma curiosidade é que há várias simbologias relacionadas a figueira. Por exemplo, Adão teria vestido-se com suas folhas, camuflando sua nudez e Buda teria alcançado o nirvana meditando embaixo da árvore… 

BC: Podemos falar da sua criação? Você nasceu na montanha, estudou na praia, agora tá em jufas. Parece que você sai do campo mas o campo não sai de você… mesmo em inglês.
Sou filho único, passei minha infância e juventude entre Areal, cidade de 12 mil habitantes onde meus pais ainda moram, e Petrópolis, lugar em que nasci e cursei o ensino fundamental e médio. Sou formado em Direito pela UFF e morei dos dezoito aos vinte e cinco anos no Rio de Janeiro. No final de 2010, com 19 anos, descolei um visto de trabalho e morei por uns meses em San Diego, CA. Fui sem emprego, sem amigos e sem lugar fixo para ficar, acabei arrumando um emprego legal e morei em um albergue mesmo. 

Depois de formado em Direito, abandonei a profissão e voltei pra Areal, ficando um tempo por lá. Em 2018 resolvi cursar cinema e, desde então, moro em Juiz de Fora e estudo no Instituto de Artes e Design da UFJF. Uma observação é que frequento Jufas há muito mais tempo por conta de diversos amigos que são da cidade.

Sobre a minha criação em si, eu venho de uma família em que quase todo mundo escreve. Meu avô escrevia e declamava poemas, tocava violão popular, acordeon e estava sempre cantando pra mim “sorria, meu bem”, minha avó escreve poesia e suas memórias em um diário guardado a sete chaves e minha mãe é doutora em literatura brasileira e escritora, com diversos livros publicados. 

Este núcleo que se reunia, quando meu avô era vivo, falava alto, cantava, tocava e declamava poesias nas reuniões familiares, quase sempre depois de um ou dois copos de vinho. Meu núcleo familiar, essas e todas as outras pessoas, foram fundamentais para as minhas escolhas. 

Uma lenda da família é que meu violão, anteriormente pertencente ao meu avô, foi trocado em uma mesa de bar com um cigano espanhol. Meu avô ofereceu um Di Giorgio e duas brahmas litrão e pegou esse violão antigo de luthieria espanhola. Eu gosto muito das facilidades da cidade, mas respiro melhor no interior. Estou sempre indo e voltando. 

BC: Esse formato é bem intimista, super cru. Qual a sensação de tocar sem banda e pra ninguém?
A sensação de tocar pra ninguém é quase a mesma de tocar na presença das pessoas. Quando eu toco, me concentro naquele momento, na música e só nisso. Acho que não dá tempo de se concentrar muito em outras coisas. 

É claro que tocar para pessoas é mais divertido e a energia vem de forma diferente, antes mesmo do show e na hora também. Dessa vez a gente tocou pro técnico e pros dois câmeras, né? Tirando essas três pessoas, não tinha alma viva em um raio grande de distância. 

Respondendo a questão da banda, a falta dela tornou algumas coisas bem mais complexas do que facilitadoras. Eu e o João tivemos que pensar em formas que suprissem essa falta de outros músicos, principalmente a falta do Max na bateria. João se desdobrou em guitarras e violões que, em diversos momentos, são bem complexos e dão a sensação de preenchimento, outras vezes flertam de forma elegante com a ausência. As músicas tiveram que ser bem mais planejadas, em questões da ordem do show, escolhas entre violão ou guitarra, intensidades, etc… Meu medo principal era perdermos o ritmo… não o ritmo das músicas, mas o ritmo do show em si; o que, graças ao nosso esforço, não aconteceu. 

BC: Mesmo antes da pandemia essa coisa de Show fantasma, inaugurada pelo pink floyd é uma estética presente, teria sido essa a escolha sem covid-17?
O Covid-17 tem que bater as botas pras coisas começarem a ficar melhor, né? 

Creio que sem o corona (o 19, no caso), faríamos com a banda, mas faríamos sem público mesmo. A Fugere flerta com o deslocamento e, como o nome diz, com a fuga. 

Com pandemia ou sem, acho que seria legal fazer a primeira session em um lugar mais isolado. Se não fosse pelo corona, tentaríamos trazer todo o arranjo, ou seja: violinos, violoncelos, guitarras, baixo, bateria, etc. Embora tenha apego por coisas simples, tenho muita vontade de tocar com uma banda grande que consiga reproduzir fielmente as músicas gravadas no estúdio e os arranjos feitos pelo João.

Fica pra próxima! 

Luiza Belém

BC: Você assina a direção da sessão ao mesmo tempo que protagoniza. O que você perseguiu desde o início?
Persegui o urutau
Ofegante à sombra da árvore
Sobre a relva, o orvalho mudo
Debaixo dos pés, a terra surda e sufocada
No céu, a tarde quente enrubesceu
Inundando o vale com um frio luar
O urutau acordou
E depois voltou a dormir.
Pousou na minha sombra

BC: Esse projeto foi financiado pela Aldir Blanc, um incentivo emergencial pra conter o genocídio dos artistas independentes, mas parece que a lei está (também) dando um empurrão procrastinação, artistas que com ou sem pandemia não planejavam lançar nada no século vinte um. Faz sentido?
Para conter o suicídio também, né? Faz total sentido. Em um país desgovernado, acho importante ter alguma medida de preservação da espécie artística, desvalorizada desde sempre.

É muito complicado manter-se criativo musicalmente quando um jogo de cordas mediano custa umas cinquenta facadas. Quem produz e divulga algum trampo hoje em dia, faz porque gosta muito, porque precisa fazer, precisa botar aquilo pra fora, independente de cordas enferrujadas ou não. Têm vezes também que precisamos de um período longo de incubação para criar… é algo inerente ao fazer artístico. 

Discorrendo um pouco mais, tem um papo no meio “indie” que acho um pouco cansativo e que me parece frustração que é ficar nesse “blábláblá” de que não faz nada e nem divulga nada porque é bem “underground” soltar algo uma vez na vida e outra na morte e deixar que descubram a imensa genialidade do seu trabalho de forma natural (ou no caso: sobrenatural). 

Ao mesmo tempo que é inerente ao artista procastinar, tem me soado meio egóico e um tanto blasé quando ouço certos tipos de discurso… Se fosse pra lançar um trampo e não divulgar, eu tocaria violão em casa pra minha mãe e minha namorada e não deixaria de ser nada do que eu sou. A gente não tá nos EUA ou na Europa, nas últimas décadas do século passado, a gente tá no Brasil, aqui as coisas são mais difíceis e não tem nada mais punk do que se assumir. 

O projeto foi inscrito no nome do João e deixo registrado aqui que a Aldir Blanc foi fundamental para termos dinheiro para realizarmos a sessão e pagarmos nossos boletos do começo do ano. 


BC: O vídeo foi gravado numa paulada só ou rolaram diferentes takes?
Por conta do distanciamento, dos ensaios reduzidos e das quatro músicas novas, rolou uma média de três takes para cada música. Escolhemos o melhor take de cada uma com o técnico de som e o Luan montou o vídeo a partir desses sete takes inteiros escolhidos. Queríamos que fosse ao vivo e ao ar livre e contrariamos muitas opiniões para assumir essa postura. Tanto o coro de cigarras nas primeiras músicas quanto os barulhos do vento no microfone me agradam bastante. 


BC: O URUTAU habita as montanhas de Areal? Já ouviu algum relato de mal-agouro ou bom presságio passado pelo pássaro?
Habita sim. O pássaro é raro, mas tem no sudeste do Brasil, inclusive em Minas. Nunca soube de nenhum avistamento pelos locais, mas quero procurar saber. Às vezes o que consideramos mau-agouro é na verdade um bom presságio, outras vezes, é só mau-agouro mesmo.

 

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