CCBM ROCK 2000 – 2010

por José Hansen

Todo mundo sabe que o rock tem sua origem intimamente ligada ao proletariado fabril, lá na segunda metade do século passado, fato é que isso já parece passado, como a banda norte-americana The Strokes decretou no início deste século. Mas um movimento, de certa forma contrário, parece ter ocorrido em Jufas, como demonstra a web-exposição CCBM ROCK. Nesse caso, não tanto pelos protagonistas, mas pelo espaço físico propriamente dito, CCBM é a sigla para Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, espaço alocado no prédio da antiga Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas. 

A fábrica, que virou mercado, biblioteca e centro cultural, foi um dos expoentes que deu o apelido “A Manchester Mineira” para a cidade, mais uma conexão com a história do Rock mundial. Fundada em 1888, foi inovadora em vários aspectos, como o uso de energia elétrica, advinda da Usina de Marmelos, a primeira grande usina hidrelétrica da América do Sul, também idealizada pelo fundador da fábrica.

Após o encerramento das atividades da fábrica, por motivo de falência, o prédio foi deixado para o governo, a fim de quitar dívidas. O importante conjunto arquitetônico de estilo eclético, marca estilística muito presente no centro da cidade, quase foi demolido pela União, para dar lugar a uma sede da Delegacia da Receita Federal. Graças a esforços de artistas locais, no movimento “Mascarenhas meu amor!” e da Prefeitura de Jufas, o prédio foi tombado e finalmente ganhou suas funções atuais. 

Durante a primeira década do novo milênio o espaço foi frequentemente ocupado por conjuntos de jovens com suas revoltas, suor e acne e lá tinham a oportunidade de produzir evento e mostrar o que sabem fazer com seus instrumentos musicais. A geração da cidade que está chegando agora na fase do 30, se não passou por lá, ou não era descolado ou era blasè demais. Eu pessoalmente me lembro de muito mosh com a turma do Hard Core e um super clima de azaração quando a pauta era mais EMO, ou Emoshopping, pra usar um tErMO do Carlos Dias

Em tempos de pandemia, exposição apresenta, virtualmente no formato Slides do Google Docs, parte significante da história da música Rock jovem em Jufas nos anos 00. Com textos interessantes e entrevistas com alguns dos produtores, músicos e fotógrafos que passaram por lá, a exposição tem tom nostálgico para os que viveram esses tempos e serve como escola sobre a “cena” da cidade para os que já aterrissaram em um mundo com BandCamp, Spotfy e Instagram como os principais meios de disseminação artística. 

Vamos agora entrevistar o Luiz Fernando Priamo, diretor de museus da FUNALFA e simultaneamente o Mirabel, ator importante nesta fase da música em Jufas. Felizmente as duas pessoas são a mesma e estão diretamente envolvidas com a concepção e montagem da exposição.

Imagem de abertura da exposição

Mirabel, quão nostálgica foi a montagem dessa exposição?

Reviver esses momentos serviram para que eu também fizesse um inventário mental de tudo o que vivi nesse período. E não foi pouca coisa! Rola uma nostalgia, com certeza, mas também serve para compreender o ciclo das coisas. Naquele momento a gente tinha uma folga mental política. Vínhamos de um período de lapadas, como foram os anos 90, com FHC e todo restolho da ditadura, sabíamos quem era o inimigo, mas tínhamos uma estrutura grande do outro lado também.

Na virada para 2000, havia um espírito político mais disposto à esquerda. Isso sempre tocou a cultura diretamente, afinal muitos artistas seguem esse tipo de pensamento. Isso possibilitou um ambiente incrível com festivais, gente organizando milhares de shows todos os finais de semana, havia um ambiente de circulação. Fora que o rock teve um impulso bom nesse período, principalmente o punk e o hardcore. Eu acho que foi o grande momento desse movimento no Brasil e montar essa exposição me deu a noçao de dei sorte de viver isso. Foi um movimento geracional, durou 10 anos e enfraqueceu bastante. Não morreu, mas tem lá suas dificuldades hoje.

 

Esses 10 anos de rock no Espaço Mascarenhas foram fundamentais para a formação de muita gente na ativa hoje em dia, você enxerga uma perspectiva de continuidade?

A continuidade é controversa, no meu ponto de vista. Hoje, apesar de haver alguns artistas, que tocaram no CCBM, fazendo da música seu trabalho, temos muito menos bandas e bem menos gente colocando a cara a tapa para fazer uma cena movimentar. Lembro de, em meados para o final dessa década, o André Xurume fazendo um panfleto ensinando como se organizar um show. Havia ali o intuito de ajudar a fomentar esse cenário e tornar as novas pessoas que chegavam, interessadas. Mas não aconteceu.

Fora que o rock ganhou outros espaços, com long neck a R$ 15,00, e esse não é o lugar do público de rock. Quando esse povo quer assistir bandas que estão na rádio e tv, eles migram para outros cenários, como essas casas de shows e boates. Isso mata (em parte) o cenário underground, afinal, o público é fundamental para a coisa se manter.

Com essa migração, alguns fatores são excludentes. Se você compreender que desde o início esse estilo de música tem apelo maior com jovem, o aumento do custo ou a dificuldade de acesso, vai desmobilizar a plateia. O CCBM era bom nesse sentido, como a casa dava toda estrutura e a localização era central, foi possível fazer shows com ingressos baratos ou gratuitos. Por isso funcionou tanto. Era uma sinergia completa de poder público, plateia e artistas.

 

Nessa época, você tocava, produzia, filmava… nos conte um pouco da sua trajetória.

Eu tenho uma história longa com o CCBM, antes de levar esse nome, inclusive. Frequento a casa desde meus 5 anos, mais ou menos, em colônias de férias da Biblioteca Municipal, que aconteciam por lá. Isso  ficou em mim todos esses anos e refletiu muito em tudo o que fiz enquanto banda ou gestor no espaço, mas fora de lá também.

Quando eu comecei a ter banda de punk rock, eu já tinha 15 anos e foi nessa época que o CCBM começou a abrir portas para o rock de uma forma geral. Eu toquei poucas vezes por lá, afinal haviam vários espaços para organização de shows nessa época. Como o público era também numeroso, a oferta e demanda se encontraram bem e todos locais ficavam legais.

O primeiro show que organizei com meus amigos foi no finado “Chopão”. Levou o nome de “Panela Nova Que Faz Comida Boa”, por conta de panelinhas entre determinadas bandas da época, que não nos permitiam tocar em seus shows. Daí tocaram minha banda, Rotten, Capetão América, Skydriver, Prozac Nation (BH) e DOPS (BH). O que veio depois disso foram muitos shows organizados, mudança de banda (Rotten virou Constante Estado de Medo depois de alguns anos) e muita coisa legal para lembrar e guardar, já que tenho todos os flyers e cartazes até hoje.

Mas toda essa história vira ferramenta hoje, quando penso nos trabalhos que preciso executar.
 

Eu pessoalmente não me lembro de picuinhas ou brigas entre as diferentes “tribos” que frequentavam os shows no Mascarenhas, reinava a paz por lá mesmo? 

A principal diferença sempre foi o hardcore/punk e o metal. Mas não lembro de problemas causados por isso. O que me lembro foi que um dos últimos shows, se não o último, que organizamos no CCBM foi o “Mosh Festival”, no intuito de juntar bandas de metal e hardcore numa mesma programação. E ficou legal.

Mas acredito que o que matou em certa parte o punk foi a segmentação gigante que rolou nesse período… Você precisava escolher entre punk anarquista, hardcore machão, hardcore straight edge, emocore, pós-punk, metalcore… Um tanto de nicho que não era baseado em brigas aqui em JF, mas que enfraqueceu esse movimento macro.

Quais foram as bandas que passaram por lá que mais te marcaram?

Com certeza Questions, Overlife Inc., Garage Fuzz e As Mercenárias. Todas essas bandas eram bandas relevantes para a história do punk e hardcore nacional. Ver isso rolando num palco acessível, no qual eu também havia pisado, me deu noção de igualdade. Isso é muito importante dentro da perspectiva do rock, alguns segmentos não possibilitam muito isso.

Imagem da Exposição

Agora uma rodada de perguntas para o Luiz Fernando Priamo…

A motivação para a montagem da exposição passou mais por uma vontade pessoal ou veio de uma demanda do próprio espaço?

Nesse momento de pandemia precisamos movimentar de alguma forma esses locais públicos. A forma que encontramos é a mídia social e o que deriva dela. Por isso a opção por essa exposição, que vem de uma sequência de exposições de memória do CCBM. Fizemos a “Memória Mascarenhas”, “Mulheres de Fibra” e “Bernardo no Guardanapo”, todas seguindo a ideia de levantar um caráter histórico e institucional.

Eu já tinha a vontade de fazer uma exposição assim há muito tempo, porque eu mesmo tenho muito material em casa. Nesse caso, foi uma junção da demanda por produzir materiais on line com viés de resgate de memória, o acervo (que eu tinha parte, CCBM outra, mas que queríamos também de outras pessoas), além de ser um registro de memória afetiva do público, o que é sempre importante ter em vista ao pensar projetos assim.

Com a pandemia, o formato museológico foi obrigado a mudar, se apoiando muito no uso das plataformas digitais, você acredita que isso facilitou ou dificultou a montagem dessa exposição?

Nesse caso específico facilitou. Pudemos utilizar diversos suportes de mídias diferentes numa mesma exposição, sem maiores custos para isso. A construção nesse período só foi possível por conta da quarentena e poder me debruçar com um pouco mais de tempo sobre o arquivo que tinha em mãos, foram gigas e gigas de materiais.

Fora que você acessa um trabalho museológico em um celular, isso auxilia na democratização do público. Quanto mais inserido em diferentes meios puder ser esse tipo de trabalho, maior será o público presente fisicamente no retorno das atividades presenciais, para todos os museus.

Você acredita que com o fim da pandemia o formato físico e o digital podem conviver entre as produções dos museus e dos centros culturais?

Acredito no suporte digital (como o plug in Tainacan, que o Ibram vem difundindo) enquanto índices para o consumo de museus in loco. A experiência em um museu é justamente presenciar e viver aquilo, com base na imersão, nesse sentido não creio em substituição, mas a convivência e complementação de ações.

Claro que vai haver receio das pessoas em irem até esses espaços, mesmo com tanta gente ansiosa para botar o pé fora de casa. Principalmente na nossa realidade, na qual museus pegam fogo por falta de manutenção, vamos viver momentos sérios e restritivos. Não vejo , de um modo geral, as instituições públicas investindo de acordo com todos os protocolos ideais, como as privadas e estrangeiras. Isso vai impactar consideravelmente a troca com o público. O meio digital será fundamental para garantir o acesso à cultura por um bom tempo no Brasil. 

E durante a pandemia, o que um órgão como a FUNALFA tem feito para manter vivos os projetos?

Estamos com uma série de ações on line através de todos os espaços: oficinas, posts de memória, divulgação de outros artistas, etc.Como gerenciamos o CCBM, o Museu Ferroviário de Juiz de Fora, a Casa de Leitura Delfina Fonseca Lima, a Biblioteca Municipal Murilo Mendes, o Teatro Paschoal Carlos Magno, Praça CEU e o Programa Gente em Primeiro Lugar, haja material. Cada um tem um perfil nas mídias sociais, gerando conteúdo o tempo inteiro.

A Funalfa mesmo, em seu perfil, tem feito muitas série de postagens legais como a “Prata da Casa”, “Culinária e Memória”, #tbt’s com fatos interessantes da nossa História e outros posts.

Fizemos também uma série de conversas com vários setores da cultura no início da pandemia, a fim de entender as demandas da classe como um todo. Isso fez com que a gente pudesse implementar ações como a abertura do Cadastro Municipal de Cultura, pudesse enxergar a programação de editais para destinação de verbas como a da Lei Aldir Blanc.

Cartazes de edições do Festival Bandas Novas realizados no CCBM

No mais, você pode matar saudades sem correr os riscos  da aglomeração roqueira ou descobrir e redescobrir alguns nomes que eram “arroz de festa” nas filipetas que corriam na mão dos adolescentes. Sem reclamar da cena de hoje, por favor, se não chamamos a carrocinha pra Goiânia pra você . A exposição está em cartaz nesse link  e pode ser acessada a qualquer momento e por meio de qualquer dispositivo ligado a rede mundial de computadores.

VISITAR EXPOSIÇÃO

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