por Francis Hempi
Tenho uma lembrança muito viva de ver e ouvir Dalton Evandro tocando Cilada do grupo Molejo no piano e, por algum déficit cognitivo, não consigo dissociar Trevisan do nome Dalton e acabei de pensar em Dalton Jones. Enfim, Dalton é arquiteto, artista gráfico e muito humilde, como todo sul-mineiro. Desfrute da nossa conversa.
Downtown
Você pode nos explicar o que é o design generativo paramétrico em uma pintura em tela?
Design generativo paramétrico é basicamente um programa de computador que cria formas complexas através de parâmetros dados pelo usuário. No meu caso, construo em um programa de modelagem 3D diferentes geometrias e vou criando cenários com elas. Depois das cenas modeladas, acrescento luz, texturas, câmeras e tiro algumas fotos (renders) dessa doideira toda.
Esses renders são a base das minhas pinturas. Assim como um retratista usa imagens de modelos ou um pintor de paisagens tira fotos de estradas bucólicas pra reproduzi-las em suas pinturas, eu uso o design generativo pra criar essas paisagens virtuais e pintar as minhas telas.
É a base do seu trabalho?
Eu diria que isso é mais uma metodologia de processo e não o conceito do trabalho em si. A utilização do design paramétrico é uma ferramenta importante e que ajuda muito na produção de uma peça artística. Mas é só parte do processo.
O quão matemático seu trabalho é?
Não sei seu eu entendi muito bem o que você quis dizer. Diria que é um trabalho que fala muita mais sobre percepção e emoção do que propriamente razão, exatidão e racionalidade. As ferramentas, o processo e o próprio resultado estético de uma peça podem remeter a essa ideia de precisão, de geometrização, de rigor matemático. Mas no fim das contas elas falam muito mais de percepção e sensações que passam longe desse conceito.
Série Hipercity (2014 – 2019)
A cidade parece ser uma grande temática, certo?
Sem dúvida, a cidade ainda é a temática principal do meu trabalho. É um tema que me atrai muito em diferentes aspectos: sociais, estéticos, antropológicos, fenomenológicos, sensoriais… A cidade é uma grande musa.
Nessa última eleição em Juiz de Fora fiquei surpreso ao perceber que a “verticalização da cidade” entrou (finalmente) na discussão política. Como você enxerga o urbanismo e a arquitetura da cidade?
Juiz de Fora virou uma cidade bem démodé. Ficou presa naquela aura de princesinha de Minas e envelheceu muito mal. É uma cidade negligenciada pelo poder público e subestimada pela sua própria população. Falta planejamento urbano eficiente, faltam políticas públicas que valorizem o que a cidade tem de melhor. Sobra canalhice do setor privado.
A arquitetura produzida aqui reflete a lógica da cidade mercantilizada. Atende uma demanda específica do mercado e não contribui (ou contribui muito pouco) com o papel que ela deveria desempenhar na sociedade. Além disso, estamos sendo engolidos por uma enxurrada de prédios e condomínios de arquitetura medíocre e que estão dominando a paisagem juiz-forana.
Acervo pessoal
Tudo muito cafona e sem nenhuma contrapartida pra cidade. Falando assim até parece que eu não gosto daqui. Mas eu amo tanto Jufas que fico puto com tanto descaso e vendo tanto potencial desperdiçado.
Estruturas da Deriva VIII. Série PSICOGEOGRAFIAS
Exposição VERTIGENS. Visite aqui 🙂
PSICOGEOGRAFIAS (2016-2020)
Os trabalhos presentes na exposição virtual “Vertigens” parecem abordagens mais orgânicas (não sei se essa é a palavra). Pode nos contar o que surgiu de novo na técnica e no processo de criação? Lembrando que nosso leitores adoram fofocas técnicas.
Há algum tempo venho dizendo coisas parecidas de maneiras diferentes. E acho que isso é natural nesse processo de esgotamento de um tema específico. Toda minha pesquisa recente tem se voltado para as cidades. No caso da série Hipercities, o design paramétrico me ajudou a imprimir uma estética mais figurativa para as cidades que eu criava. A ortogonalidade e precisão dos elementos construídos em ambiente virtual me ajudou a entender melhor como seriam representadas as sensações de se deambular por essas cidades. Nesse contexto surge a série Psicogeografias, que é a tentativa de mapear um percurso por essas cidades e todas as suas convergências. Como o lance do cubismo, que vai planificando tudo e criando uma nova composição sobre o mesmo tema, tento fazer isso com as cidades em seus percursos e elementos. Essas geometrias presentes na paisagem urbana vão se desconstruindo, sendo rearranjadas conforme um passeio despretensioso – uma deriva. O arranjo desses elementos com o mapeamento desses percursos cria uma sensação de movimento, explosão, convergências. Geralmente partindo de um ponto comum do quadro e se ramificando por toda a tela.
Agora tenho feito trabalhos baseados em fotos aéreas de satélites. Vou recortando pedaços dessas paisagens vistas de cima, reorganizando com elementos naturais e artificiais presentes nas cidades (rios, morros, caminhos) e agrupando esses elementos para construção de uma nova paisagem, de uma nova cidade. Talvez seja por isso que o meu trabalho tenha tomado um viés mais orgânico’. Isso se dá pela representação desses elementos naturais que fazem parte da urbe tanto quanto as ruas e edifícios ortogonais.
PSICOGEOGRAFIAS XII
Essa noção de escala de grandeza é um legado importante na minha formação.
O que a arquitetura trouxe de mais impactante (e como ela te influenciou) na sua formação como artista?
A arquitetura mudou minha percepção de mundo. A começar pelo entendimento sobre espaço e ocupação do mesmo. Parece que isso abriu uma parte do meu cérebro até então pouco explorada. Mas além da questão espacial – que parece ser até muito óbvia – a arquitetura me colocou em contato com grande pluralidade de ideias e pessoas. Conheci a vida e obra de muita gente bacana, com ideias revolucionárias e criatividade de sobra pra resolver problemas reais e imaginários. Além disso, na arquitetura existe uma gama interessantíssima de temas a serem explorados.
Aprendi a enxergar a beleza no caos, no inacabado, no gasto, no processo, no caminho… Com a arquitetura eu aprendi a enxergar melhor a cidade, a casa, a cadeira e a caneta. Cada qual com a importância devida, independentemente de sua escala.
Cochilando depois de uma tarde regada a suco gummy e paiol
Aglomeração, balbúrdia e uma bermuda interessantíssima
Foto da turma e camiseta do NOFX, entendo
Você anuncia a venda de alguns trabalhos no instagram de uma forma despretensiosa e brincalhona, certo? mas você também poderia anunciar tirando uma onda séria em torno da exclusividade, e isso seria plausível ao meu ver. Por que você faz isso?·
Eu não gosto muito desse estereótipo de artista pedante, conceitual blábláblá. Meu trabalho vem de uma pesquisa crescente de cidade, paisagem, urbanismo, derivas. Toda tela que eu pinto vem carregada desses conceitos, nada que eu faço é aleatório ou gratuito. Quem compra meu trabalho gosta do resultado estético final da obra. Às vezes a pessoa só que combinar o quadro com o tapete que ela tem na sala. E tá tudo bem, eu não acho que isso desvalorize o processo nem a obra. Acho que é por isso que eu anuncio as vendas no Instagram desse jeito meio fanfarrão, despretensioso. Quero desmistificar esse conceito de quem consome arte seja gente rica, entendida ou sabichona. Que a pessoa precise vender um rim pra ter um quadro bacana na parede de casa…
Além do mais o Instagram perdeu aquela coisa marota, meio moleque de ser. Virou uma plataforma engessada nas próprias estatísticas, alcance e engajamento. Pra ter algum alcance você precisa recorrer à determinadas formulas pasteurizadas de postagem, com linguagem, estética e horários pré-determinados. Tô fora dessa cagação de regra.
Trabalho para Nike
Um pouco de droga, um pouco de salada.
Sua exposição virtual pertence a nova “tendência”, (isso é errado dizer mas não achei forma melhor) de aproximar artistas e público no tempo da pandemia. Mas a arte já faz uso das ferramentas disponíveis na internet tem um tempo, né? o que você vê de diferente agora?
O que eu vejo de diferente é a popularização e democratização do acesso às tecnologias. Hoje todo mundo tem um smartphone, computador, com acesso a uma porrada de informação instantânea, de ferramentas, softwares e aplicativos. Temos acesso à produção de uma galera que, sem o advento da internet, infelizmente não teria visibilidade alguma. E isso é sem dúvida o que há de melhor nessa era digital: conhecer o trampo de uma galera foda independente de nacionalidade, gênero, idade, ou qualquer outro rótulo que importe menos que a arte produzida. A produção e divulgação de arte – seja em qualquer linguagem – precisa ser propagada ao máximo e em todas as plataformas possíveis. O próprio público vai selecionar o que é bom, o que é lixo e o que é meme
Renderização 3D exterior. studioderiva.com.br
O google diz que “Virtualização é o processo de criação de uma representação com base em software (…) uma maneira mais eficaz de reduzir as despesas e aumentar a eficiência e a agilidade”, nesse caso, máquina versus homem, né? e daí?
Posso dizer que eu conheço um pouco dos dois lados: trabalho como artista 3D fazendo maquetes eletrônicas para lançamentos imobiliários e em paralelo tenho minha produção e pesquisa artística. A virtualização está presente na minha vida nesses dois processos, sendo minha principal ferramenta de trabalho em ambos.
O que difere uma da outra é a liberdade de criação. Num momento eu preciso atender uma demanda específica vinda de uma hierarquia de decisões e interesses. Num outro momento eu me vejo livre pra criar o que eu quiser dentro de uma linguagem artística e identidade própria. De um lado, seguir as regras e pagar as contas. Do outro, liberdade artística e perrengue. No meu caso eu tento buscar o equilíbrio.
O que define um render de qualidade? podemos dizer que existe a “arte do render”?
O que define a qualidade de um render são os pilares de sua construção: modelagem, texturização, iluminação e composição. Um render de qualidade possui excelência nesses quesitos. O que faz um render se equiparar ao status de arte é a capacidade do artista em contar uma narrativa ou gerar emoção através da imagem. O profissional que trabalha com isso é chamado de artista 3D. Logo, a ‘arte do render’ não só existe como envolve toda uma comunidade de artistas, desenvolvedores e entusiastas que fomentam esse belo nicho da realidade virtual.
O que você já renderizou de mais inusitado?
Esse maconhismo foi bem diferente.
Qual foi desse maconhismo?
Uma empresa dos USA que faz passeios temáticos em cidades que a ganja é legalizada (tipo um city tour pelos coffeshops, plantações, etc) lançou um concurso pra fazer uma arte pra linha de ônibus de passeio deles. A empresa se chama Dope Tour Cannabis.
Você foi o vencedor?
Sim, mas eles me deram o cano.
Será que eles se esqueceram?
Rasta don’t work for no CIA.
SAIBA MAIS
Instagram Studio Deriva