Sexta Sei: As canções de Leo Cavalcanti estão em chamas, queimando junto ao mundo

Artista paulistano radicado em Salvador levou seis anos compondo “Canções em chamas”, que defende o prazer como manifestação política

por Fabiano Moreira
sextaseibaixocentro@gmail.com

Fotos por Vinicius Moreira

Foi tudo culpa do algoritmo “Noite quente” ter entrado na minha vida, apresentando o artista completo que é Leo Cavalcanti, 40 anos completos nesta sexta (29), paulistano radicado em Salvador que entrega ao mundo, depois de seis anos de elaboração, o potente álbum “Canções em chamas”, lançamento da Deck que chega com participações pra lá de especiais dos baianos Caetano Veloso, Hiran e Josyara. O fogo, no álbum, é o mesmo que destrói as matas, a força vital que transforma tudo o que encontra, “mas também o fogo que dança, o fogo que brilha, o fogo da paixão, do desejo; o fogo do mistério; o fogo como entidade mágica, um deus concreto em ação”, diz o artista, que assina o próprio release, Batemos um papo, por e-mail, no qual ele foi muito generoso em dividir, comigo, como a Bahia o transformou após o término de um relacionamento e o conduziu na feitura desse volume, da coragem de convidar Caetano Veloso, por e-mail, a gravar com ele, e de como a questão da sexualidade está presente no álbum. “’Eu quero te amar na cara dos fascistas’ é a minha versão de “leite mau na cara dos caretas”,  uma atualização – atualização de um retrocesso que vivemos. Os caretas hoje estão orgulhosamente fascistas. “Amor no Front” é sobre o despertar do tesão por lutar e do lutar pelo tesão (risos) contra essa onda de burrice/maldade/ignorância coletiva”, conta, sobre a faixa que divide com o rapper Hiran.

Moreira – “Canções em chamas” é o seu primeiro trabalho nascido baiano, algo que transborda na sonoridade e na sensualidade do volume. Como a cidade te transformou? Ninguém vai à Bahia impunemente, né? Sai algo do chão… O álbum defende o prazer como manifestação política, interessante você falar mais disso também, algo que me falou quando conversamos sobre o single “Noite quente”.  

Leo Cavalcanti – É, a Bahia é de atravessar a gente, em muitos níveis. Já faz mais de seis anos que vivo em Salvador e, de fato, esse foi o tempo que eu levei pra fazer o “Canções em chamas” – desde as primeiras músicas que compus para ele, até esse momento de colocá-lo no mundo. Todas as músicas desse disco foram geradas e atravessadas por minha vivência lá, portanto esse álbum simplesmente não existiria se não fosse a Bahia na minha vida. Gosto de chamar meus discos de meus “filhos”, e esse é meu primeiro filho “baiano”.  Desde criança, eu sou formado por música feita na Bahia: de Caymmi à Carlinhos Brown, passando por Caetano, Gil e tantos outros griots que só a Bahia poderia gerar. Indo viver lá, a coisa tomou outra proporção: o som que ouço nas ruas, nas praias, no carnaval, nos rolês – a Bahia tem um lance muito próprio, que é só vivendo lá que dá pra saber. Mas meu foco sempre foi fazer algo que, antes de tudo, fosse genuíno para mim. Quero dizer: não quis fazer um álbum que tivesse que, necessariamente, ter elementos estritos de música baiana “só porque eu moro lá” — até porque, afinal, Bahia é fundamento e tem que chegar devagarinho, e “eu não sou de lá, marinheiro só” (risos) — no entanto, claro, é inevitável que eu seja atravessado por esse manancial. “Noite Quente” é a faixa que mais se aproxima explicitamente do samba-reggae e do afoxé, por exemplo, mas porque é uma faixa que fala sobre um recorte de minha percepção de Salvador no pré-carnaval. É uma espécie de tributo e homenagem, também. No resto do disco a Bahia tá presente de formas menos óbvias. “Jogue Duro” é a primeira expressão baiana que aprendi lá depois que fui morar e que me chamou atenção – acabou virando mote e título de música. Então, a Bahia tá no disco em muitas camadas – inclusive bem além dos chavões da “Bahia fantástica” do nosso imaginário. Foi lá também que vivi algumas das dores mais difíceis da minha vida, que vivi o governo Bolsonaro e a pandemia da covid 19, que tive um término difícil de um casamento que foi o principal motivo de me mudar pra lá, que me senti profundamente perdido e isolado — e que precisei redescobrir minha relação com Salvador e tecer novas redes por lá, o que aconteceu e foi muito importante. Isso tá no disco também. Por fim, é claro, partindo pra qualidades mais óbvias: o mar da Bahia, a luz solar de lá que é a luz mais linda que já vi na vida, a ausência de frio, a brisa fresca mais gostosa do mundo, a magia e o mistério que estão no ar, o manancial infinito musical – tudo isso me deu cores, belezas e emoções para escrever o que tá no álbum.

Moreira – Como pintou essa colaboração com o Caetano Veloso? Como foi trabalhar com um ídolo? É resultado da sua era baiana? Eu o vi uma vez na praia, no Posto 9, no Rio, e congelei. Depois, encontrei algumas vezes, como repórter, e aí, tudo bem, trabaho. Mas, na praia, me abalou, risos. E também me conte do encontro com Josyara, que é uma artista que adoro acompanhar, amo seu violão.

Leo Cavalcanti – Ter Caetano cantando uma música minha é um fato com o qual sinto que nunca irei me acostumar totalmente. Sei bem que Caetano é um dos artistas mais geniais do mundo de todos os tempos, pra dizer o mínimo. Ao mesmo tempo, essa pessoa deliciosa de estar por perto, que gosta muito de gente, que é pura gostosura e ternura. Tive a ideia de chamá-lo para “Nós nus”, pensando que a música tinha muito a ver com ele e que seria lindíssimo vê-lo cantar as coisas que a letra da música diz. Que de alguma forma se conectam com o “Nú vom a minha música” dele. Essa ideia de estarmos “nus com tudo o que temos”, como a letra da música diz. A questão é que ainda sou, em alguns aspectos, muito tímido, e quando pensei na ideia logo achei que seria impossível. No entanto, resolvi me desafiar no melhor estilo “se eu não tentar, o não eu já tenho”. Escrevi um email pra ele (Caetano costuma se comunicar um tanto por email), enviando a música e, para minha surpresa, ele ouviu e me disse que adorou, e que iria ver quando poderia. Um tempo se passou e a gente não se falou mais, e eu não queria ficar insistindo muito. Meses depois, ainda era pandemia – ele estava começando a gravar o “Meu Côco” – e disse que aquele era o momento para gravar, no estúdio, na casa dele, no Rio. Quando recebi o email com a voz dele gravada, fui tomado por uma alegria inenarrável. Hoje ouço a música em looping. Ela não me cansa e é sempre emocionante. É certamente algo de que sempre me orgulharei em ter feito. Acho que a coisa toda foi muito bem dimensionada, em termos artísticos. O resultado me orgulha. Produzi e arranjei a faixa e contei também com a participação de Enio na co-produção e tocando umas guitarras lindíssimas. Amor infinito por “Nós nus”. A Josyara foi uma descoberta linda que a Bahia me deu. Pessoa maravilhosa e uma explosão de musicalidade. Não demorou pra pensar nela cantando os versos de “Abraça a brasa, Brasil”, dizendo sobre “nos restar embarcar a luta insurgente de reaprender a sonhar” e que seria incrível. Sou louco por essa faixa. O violão base é meu, e ela floreia ao longo de forma brilhante. Essa faixa, que fala sobre o que o Brasil é e o que poderia ser, é da leva política do álbum. É fruto também da minha vivência na Bahia sob essa fase fascista do Brasil. Cantar isso com Josyara me dá força e me faz pensar na potência que termos de abraçar a brasa nesse Brasil.

Moreira – “Amor no Front”, com Hiran, toca em questões muito importantes para nós, pessoas LGBTQIA+. “Eu quero te amar na cara dos fascistas”, diz a letra, falando sobre esse ambiente que temos vivido recentemente. Legal essa questão da sexualidade aparecer tanto no volume, o que você precisava dizer sobre? Também achei interessante que, no seu texto de apresentação, você também levante as questões da desigualdade social e do aquecimento global. Nunca esteve tão quente.

Leo Cavalcanti – Adoro a afrontosidade dessa música. “Eu quero te amar na cara dos fascistas” é a minha versão de “leite mau na cara dos caretas”,  uma atualização – atualização de um retrocesso que vivemos. Os caretas hoje estão orgulhosamente fascistas. “Amor no Front” é sobre o despertar do tesão por lutar e do lutar pelo tesão (risos) contra essa onda de burrice/maldade/ignorância coletiva. Os versos de rap do Hiran me arrepiam toda vez que ouço. É uma música de fato empoderadora de um jeito que faz muito sentido pra mim. Em termos musicais, ela tem um lance meio Michael Jackson, mas também Rosália e um que de Lil Nas X, tudo num liquidificador com ingredientes brazucas – o que faz ela soar épica e provocante. Nesse disco, tô falando de minha sexualidade como nunca. Vontade de expressar a forma como gosto de olhar pra sexo e afetividade, do meu lugar e vivência como homem cis gay. Sinto que encontrei formas de falar sobre tudo isso que me representam genuinamente – e isso me faz sentir mais potente e genuíno. “Tudo de Tu” é uma bossa nova explicitamente homoerótica – talvez, a primeira a ser gravada assim nesses termos – e eu me orgulho muito disso. Fala de uma transa de uma forma sensível e safada, ao mesmo tempo. E esse é um lugar que me interessa no sexo: safadeza e afeto, um potencializando o outro. Sobre eu trazer questões da desigualdade social e do aquecimento global: um aspecto do mote principal do disco é “as canções estão em chamas, junto com o mundo”. Ou seja, as canções estão morrendo e renascendo nesse mundo em chamas, à beira do abismo, de uma catástrofe inimaginável, por que se trata disso. O mundo tá queimando. E as canções, queimam como? Eu quero mais é acender a chama das canções desses tempos pra ver se conseguimos iluminar futuros mais desejáveis. “Desenhar Novos Futuro”s, como diz a última canção do disco.

Moreira – Você levou seis anos fazendo este álbum, porque acha que consumiu tanto tempo? Como foi esse processo de construção? Muito bacana a analogia com o fogo que destrói as matas, como força vital transformadora,  o fogo que dança, o fogo da paixão… Deixa queimar! 

Leo Cavalcanti – Eu demorei por muitos motivos, mas o principal deles é que, por me ver fazendo o disco muito sozinho, teve um momento que me perdi da minha visão inicial, desacreditei dela e não conseguia mais terminar. Uma espécie de buraco existencial, sem conseguir me mover, pressionado pelas minhas autoexigências e pela pressão de tudo. Algo que ainda estou por elaborar, mas que de certa forma, começo a desfazer com o lançamento do álbum. No final, finalizar esse disco foi um ato de afirmar pra mim mesmo minha capacidade como produtor musical que tem uma visão clara do que quer. Assumir isso pra mim mesmo e bancar, mesmo com toda a imperfeição inerente. No fundo, eu sempre soube o que queria, desde o começo de feitura do álbum. Mas fui esmorecendo com as dificuldades. E precisei reacender a chama das canções. As chamas das canções aparecem no disco sob diversos aspectos: tanto como força criadora, como destruidora. Como força encantadora e como força fatal. Mas acredito que o grande lait motiv do álbum se refere a acender (ou reacender) a chama das nossas canções. Da canção que fazemos de nossas vidas. A chama como potência primeira. Eu apaguei a chama minha muitas vezes durante o processo do álbum e lançá-lo agora é reacender essa labareda. Tô muito feliz de colocar esse álbum no mundo, finalmente. 

Leo no show "Um rito para Rita"

Moreira – Você viajou o Brasil todo com o show “Um rito para Rita”, revisitando o repertório de Rita Lee logo após a sua morte. Como foi dar voz a essas canções, e qual a principal mensagem que a Rita nos deixou?

Leo Cavalcanti – Rita Lee é paixão eterna. Ainda quero voltar a fazer esse show. Cantar Rita no ano passado me salvou. Foi meu retorno aos palcos depois da pandemia. E a cura de minha relação com o palco. Rita Lee é uma gênio que nos deixou uma constelação de canções mágicas, que nos expandem por dentro. Sua total honestidade com tudo e todos, seu autodeboche com um discurso totalmente “anti-eu sou fodão” (tão em voga hoje nessa geração de autoestima delirante), sua soltura pra brincar e e criar com a vida são absolutamente inspiradores e curadores pra todos nós. Eu quero mais é ter e ser mais Rita Lee na vida. O show “Um Rito para Rita” é um show-ritual de desfrute do legado ritalínico que me fortaleceu demais. Fazendo essa turnê, pude retomar minha visão do álbum e meu ânimo em fazer o que sempre fiz desde criança e o que sempre sonhei: música. Mais uma vez, obrigado, Rita. Minha paixão por você é chama eterna, e ajudou a me devolver a chama das canções.

Abaixa que é tiro!💥🔫

Nada vai ser mais bonito, esses dias, que a imagem da indígena Brisa Flow grávida no clipe de “De dentro dos seus olhos”, faixa do álbum “Janequeo” (2022) que rendeu um ótimo papo sextante aqui. O belo clipe foi filmado em Picinguaba (Ubatuba/SP), com criação e direção da própria Brisa ao lado da Espelho Lunar Cine. O filme é uma celebração à maternidade e um afronte ao machismo. “A maternidade é uma das coisas mais desafiadoras da minha vida. Gestar, nutrir, criar são processos que envolvem dedicação, amor e muita criatividade. Mas infelizmente, como na maioria das profissões, se você é artista e mãe, com certeza vai passar situações machistas no trabalho, na rua e muitas até na própria família”, expõe Brisa, que acaba de dar à luz ao seu segundo filho. Ela reflete sobre a forma como as mulheres grávidas são tratadas no mercado de trabalho. “Ainda nos tiram a oportunidade de continuar trabalhando, pois as mães são as menos contratadas e recebem mal. Muitas vezes, somos tiradas de loucas quando as emoções transbordam e não damos conta de segurar a pressão”, finaliza. O clipe ressalta a sacralidade de uma gestação e entrega belas imagens de moda.

Verônica Ferriani por Thais Taverna

As mulheres têm o protagonismo em todas as etapas do fazer do álbum “Cochicho no silêncio vira barulho, irmã”, da cantora e compositora Verônica Ferriani, seja nos arranjos, na produção musical ou na direção. As participações incluem Áurea Martins, Alessandra Leão, Anaïs Sylla, Assucena, Flaira Ferro, Lurdez da Luz e Mônica Salmas, e o álbum também é impactado pela experiência materna. As  faixas soam como um chamado para a ação: uma narrativa feminina para além do discurso, e também para além das mulheres. É para os homens ouvirem e prestar atenção.  Verônica Ferriani é de Ribeirão Preto (SP).

Fotos: Menê

O trio mineiro ruadois é nome pra se prestar atenção na nova cena da capital BH, aonde marcaram a cena com sua sonoridade única, que mescla  garage, R&B e boombap, como fica evidente  no primeiro EP, “S2”, que acaba de chegar na praça e emplacou aqui, na sexta que passou, a dançante “Bateu saudade” . O volume tem participações especiais de  DiPaiva, Liah, Luca e Pejota. De ritmos calmos e melodias envolventes, o EP de estreia promete que ainda vem muita coisa boa aí. Composto por Akila, Mirral ONE e Well, o coletivo nasceu em 2022

Pitty por Stephanie Hahne
Libertà toca no Maquinaria
Dadi e Vinícius Cantuária. Foto: Marcia Moreira
As gays tão bem loucas: The Celebration Tour nn Rio
João Cavalcanti canta Dona Ivone Lara, Foto: Leo Aversa

 O Ibitipoca Music Festival rola no sábado (30), às 18h, no Alpha Ville Chalés, com Pitty, Chico César, Geraldo Azevedo e Benziê. Evento adiado poir causa das chuvas,

A Libertà toca no Maquinaria no sábadoo (30), às 21h, com set de rock do DJ Müller.

O Clube Manouche, no Rio, segue com programação de bom gosto com apresentações de Dadi e Vinicius Cantuária, na sexta (29), às 21h.

A Residência São João faz mais um dia de cultura, xexta (29), das 16h às 23h, no aterro do Flamengo, no Rio, com uma experiência sonora com os artistas que participaram da residência somsocosmos! 💥

No próximo sábado (6), às 20h, o cantor João Cavalcanti, filho de Lenine, apresenta o show “Ivone Rara”, com o repertório de seu álbum homônimo, que celebra cem anos da “dona do samba”. A noite, especial, celebra os 95 ano do teatro que amamos. Os ingressos gratuitos serão distribuídos por meio de sorteios

Finalmente confirmaram a últim parada da The Celebration Tour. com show de Madonna na Praia de Copacabana, no dia 4 de maio, a partir das 21h45, com abertura de Bob The Drag Queen.

Playlist com as novidades musicais da semana, que consolida às 2h da sexta. Todas as playlists de 2023,  2022, 2021 e 2020 nos links

Para melhores resultados, assista na smart TV à playlist de clipes com Olívia Rodrigo, Tyla, Tierra Whack, Aurora, Maya Hawke,  Zerb + Mwaki ft. Sofiya Nzau (Major Lazer Remix), Moby + Lady Blackbird,  Jotaerre, Diego Xavier Trio, Fantástico Caramelo, Rod + MV Bill,  Cardi B, + Shakira, Jovem MD,  Anitta + Brray & Bad Gyal), Lia Messi + A Travestis, Caio Prado, Ruby + Rincon Sapiência, IZRRA + Black,  Jorja Smith + Josman 

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