Terceiro álbum marca o encontro da voz autoral de letrista e revela uma artista potente e inquieta, desvendando a produção de vídeos e trocando o piano pelos sintetizadores
por Fabiano Moreira
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A cantora, compositora e pianista pernambucana Sofia Freire, 27 anos, assina produção, composição e edição de “Ponta da Língua”, seu terceiro álbum, o primeiro com composições suas. Ela deixa o piano um pouco de lado, com promessas de seguir sendo uma pianista, e veste sua voz com sintetizadores em canções que flertam com o dark pop e o trip hop com toques extraterrestres, em atmosfera que remete aos sons de Björk, Cocteau Twins e Cibo Matto. Criado durante a pandemia, o álbum traz tudo o que estava “Na ponta da língua”, prestes a emergir, e veio com uma nova habilidade, desenvolvida no isolamento, de criar visuais alucinantes para todas as faixas que rementem aos chroma key dos videoclipes dos anos 70 e 80, com a técnica de feedback que parece criar micro-organismos.”Foi um processo muito solitário, e por isso, muito importante no sentido de me empoderar, me reconhecer na minha arte, e também encontrar essa voz autoral de letrista. Quando olho para trás enxergo essa solitude como extremamente necessária para desenvolver o disco e me dispor a fazer os visuais dele também, eu me senti muito livre e tratei tudo como uma brincadeira muito séria. Foi tudo muito divertido. Me senti potente, confiante e múltipla“, me contou, pelo e-mail, neste papo sextante.
Moreira – Você assumiu as rédeas e faz tudo em “Ponta da Língua”, seu terceiro álbum, incluindo os inventivos visuais, que são quase que um personagem a mais na história, né? Como foi exercitar a criatividade em tantos níveis? Nos dois primeiros álbuns, você musicava poemas, né, e, nesse, são todas composições suas… Um salto, acredito…
Sofia Freire – Sim, eu mesma compus (com exceção da música “Dentro de mim”, que é uma parceria com Igor de Carvalho), produzi e gravei o “Ponta da Língua”. Também produzi os visuais sozinha, com exceção de “Mormaço”, que gravamos de improviso numa brecha no estúdio depois do ensaio fotográfico e eu pós-produzi. Sempre fui muito curiosa, gosto muito de pôr a mão na massa, entender de perto todas as etapas do trabalho, e prezo bastante pela minha autonomia criativa, embora sempre houvessem outras pessoas envolvidas no processo, principalmente Homero Basílio, que é meu parceiro de produção desde o primeiro álbum. Dessa vez, foi um processo muito solitário, e por isso, muito importante no sentido de me empoderar, me reconhecer na minha arte, e também encontrar essa voz autoral de letrista. Quando olho para trás enxergo essa solitude como extremamente necessária para desenvolver o disco e me dispor a fazer os visuais dele também, eu me senti muito livre e tratei tudo como uma brincadeira muito séria. Foi tudo muito divertido. Me senti potente, confiante e múltipla.
Moreira – Vamos falar mais dos visuais? A estética é low-fi, com elementos de ficção científica, muito de biologia e o que se vê nos microscópios, tudo é feito por você? Está muito bonito, viu, me encantou… Os álbuns visuais são a cara dos nossos tempos, né? Não conseguimos mais prestar atenção em só uma coisa… E não estou reclamando…
Sofia Freire – Sim, fiz tudo no meu quartinho aqui em Recife, um caos muito gostoso! Foi interessante pensar neles como complementos materiais das músicas, uma forma de ajudar a contar as histórias, estimular outros sentidos. E acho que, diferente na música, não sou videomaker profissional, então há uma dimensão de teste e experimentação no processo, de não levar muito a sério e ver no que vai dar, que eu adoro acessar. Abracei mesmo essa estética lo-fi, me inspirei muito nos videoclipes dos anos 70 e 80 quando começaram a usar o chroma key, rudimentar mesmo, o que acho que deu um ar lúdico a tudo, imagino na época quando a técnica era uma novidade tecnológica e hoje já se desenvolveu tanto que essa estética primeira é considerada até grotesca. Também usei a técnica de feedback, que é basicamente apontar a câmera para a tela da TV, e as imagens vão se retroalimentando, formando essas texturas sobre as quais você tem o mínimo de controle, e essas imagens que parecem micro-organismos se formaram. Achei que tinha tudo a ver, já que é um álbum que remete muito ao corpo humano como o veículo das sensações, e me imaginei olhando para esse corpo por fora e por dentro. No vídeo de “Dentro de Mim”, por exemplo, usei imagens de exames de angiograma do cérebro e membros inferiores. Acho que hoje vivemos numa era de muitos estímulos visuais com as redes sociais e podemos enxergar os álbuns visuais como um reflexo disso, e como obras completas também, um pacote interdisciplinar de comunicação.
Moreira – A sonoridade do álbum flerta com o dark pop e o trip hop. O que você estava ouvindo antes de fazer essas composições que te levaram a esse resultado?
Sofia Freire – Acho que o dark pop foi mais uma consequência do que um caminho, sabe? Eu acho que aprofundei mais mesmo nas referências do trip-hop. Björk continua sendo uma grande influência. Eu estava ouvindo muito Cibo Matto, Lamb, Tricky, Massive Attack, Gorillaz. Eles e o álbum “The Low End Theory” de A Tribe Called Quest, me guiaram bastante para explorar outras formas de usar samples na minha música. Minha mãe colocava muito Kate Bush e Tetê Espíndola quando era criança, acho que elas formaram meu caráter rs e nos últimos anos tenho retornado muito a elas, principalmente pensando nessa pesquisa do uso da voz. Também ouvi muito jazz com Shabaka and The Ancestors, Alice Coltrane, David Brubeck. Passei os últimos seis anos acompanhando no palco artistas de gêneros diferentes que naturalmente também me influenciaram muito: toquei com Gilberto Gil no “Refavela 40”, no espetáculo “A Dita Curva” com Flaira, Isaar, Isadora Melo, na banda de Alessandra Leão, Isaar, Karina Buhr e Alessandra juntas, até em orquestra de frevo eu toquei. Não posso deixar de citar tudo isso, porque realmente acredito que a vivência prática, não só o que eu curto escutar sozinha em casa, também me impacta e reflete no que coloco no mundo depois.
Moreira – Como é o seu processo criativo? Você é uma pianista, né, que agora está talentando nos sintetizadores. Como a pandemia impulsionou também essas criações, este é um álbum pandêmico, né? De alguma forma, ele é uma resposta criativa a esse sufoco que passamos?
Sofia Freire – Sou bastante metódica e dedico um bom tempo diariamente à criação, e isso inclui não só o exercício da criação em si, mas pesquisar, procurar referências, garimpar samples, produzir timbres no sintetizador; isso de que os processos vêm ao artista como rompantes espontâneos é um mito, uma romantização que ignora todo o trabalho do artista. Agora imagine meu desespero quando, justamente na pandemia, eu procurava algo e não encontrava nada além de uma angústia muito grande. Eu estava com muito medo e não encontrei acolhimento na música nesse período, nada fazia sentido, tive que cancelar shows, pausar projetos sem perspectivas de retorno, tive ajuda da família, o que na verdade foi um privilégio. Passei quase um ano nesse bloqueio criativo. Nesse tempo, voltei a estudar outras coisas, principalmente desenho e audiovisual, também foi uma época de leituras muito marcantes. Acho que isso foi resgatando o lúdico que, depois entendi, havia perdido no fazer musical, eu estava no modo automático. Reaprendi a estudar e produzir por simples prazer e paixão e não somente produzir para sobreviver, ganhar dinheiro. O “Ponta da Língua” foi uma resposta a isso, ele é pandêmico nesse sentido, sabe? Não trata da pandemia, mas a pandemia construiu o contexto para que eu ressignificasse muita coisa que depois culminou num álbum. O título, inclusive, faz uma referência a esse processo: o fenômeno da ponta da língua acontece quando o significado e significantes não se formam ao mesmo tempo, então é como se soubéssemos o que queremos dizer, mas não sabemos como porque as palavras simplesmente não vêm, é uma coisa neurológica mesmo. Muitas coisas estavam na ponta da minha língua, mas eu tive que encontrar o caminho para elas saírem de dentro de mim. Sobre o piano, não foi intencional me distanciar dele. Acho que somente compreendi que haverão momentos em que estarei pianista e outros não – é o instrumento que me formou, todo meu pensamento lógico musical é pautado nele. Mas há uma necessidade natural de renovação, de explorar outros timbres e outros condutores para as criações e acho que não me sinto hoje representada pelo que eu posso extrair do piano. No momento, não estou pianista, mas não tenho dúvidas que voltarei para ele. É um caso de amor sério!
Moreira – Você atua como tecladista na banda da cantora e compositora Alessandra Leão, de quem sou fã, como é trabalhar com ela, o que tem aprendido com ela? Você também integra o espetáculo e coletivo feminista “A Dita Curva”, que reúne nove mulheres pernambucanas. Inclusive, adoro Flaira Ferro e Isaar. Me fala mais sobre esses trabalhos.
Sofia Freire – A Dita Curva começou lá em 2018, e foi um marco na minha vida. Eu sempre me senti meio alienígena com minha música na minha cidade; como já disse, sempre prezei muito pela minha autonomia, mas tem o outro lado da moeda em fazer tudo só, que é limitar as trocas com outras pessoas, e acho que por ter começado muito jovem também, eu tinha poucas amizades com músicos em Recife. Então, integrar esse projeto, ainda por cima com mulheres, foi uma acolhida. Um processo de criação coletivo que vivemos intensamente, uma vivência feminista na prática por convivermos e criarmos juntas levando em consideração nossos recortes, fizemos o espetáculo em várias cidades, um documentário e gravamos um álbum que deve sair no segundo semestre. Viramos amigas e construímos uma rede importante para atravessarmos os desafios que nos são comuns nesse lugar de mulheres artistas, sabe? Porque os homens sempre se apoiaram, há um pacto patriarcal que os fortalece e estimula a rivalidade entre mulheres e a Dita veio para provar o contrário, que um bando de mulher junta dá certo, sim. Eu já era fã de Isaar e trabalhar com ela de pertinho foi lindo, eu cresci ouvindo a Comadre Fulozinha, elas sempre foram referência de compositoras para mim, então quando recebi o convite de Alessandra pra tocar no seu show, eu fiquei muito animada. O “Acesa” é um disco muito bom, desafiador e gostoso de executar. Ela é uma artista que sabe bem o que quer, é uma pessoa firme, gentil e batalhadora, máximo respeito. É muito bom, aliás, trabalhar nessa outra frente, como instrumentista, na formação de banda, somar pro trabalho de outra pessoa. Sair desse lugar do front que meu trabalho solo exige também é muito divertido e sinto que me traz uma perspectiva ampla do ecossistema musical, de entender na pele funções diferentes.
Abaixa que é tiro!💥🔫
Pra quem curte a página para conhecer novos artistas, esse é o momento, pois ele chegou, Noedir, esse querido que dança tão lindo, desfila catwalk e faz solinho de teclado com a cara no chão, kkkk, momento quando me ganhou no leve e engraçado clipe para “Tua Lábia”, uma mistura de baião e lambada que é o primeiro de uma série de quatro lançamentos que antecipam o seu álbum de estreia. Multi-instrumentista, palhaço, ator, comediante, mímico e escritor, Noedir é um nome para se prestar atenção. Ele se define como é “tímido e espalhafatoso”, tal qual em “Vaca Profana”, de Caetano Veloso. “Houve uma necessidade intensa de mostrar o meu lado instrumentista, de cômico, dançante e maluco“, conta. O artista começou a tocar bateria com cinco anos e, aos seis, já tocava violão. Aos 11, começou a compor. Em 2020, durante a pandemia, produziu e lançou os singles “Isadora”, “Eu Tentei Te Olhar/Je Dois Te Voir” e “Caça-Brisa”.“Me propus parar de pesquisar as músicas que eu queria fazer e realmente começar a fazê-las. Nesta leva, surgiu ‘Tua Lábia’, que é a exata expressão de tudo o que eu queria fazer: abandonar a introspecção e abraçar o dançante, o colorido, e unir o eletrônico com o orgânico. Eu não queria ser o tímido que eu sei que sou. Queria ser doido, extravagante, sarcástico, emocionado e espoleta que eu sei que também posso ser”, finaliza. Achei uma graça. Vou perguntar pra Dra Letrux o que significa essa ursinha.
Entra no carro, vadia, e toca pro consultório da Dra Letrux! Musa do bloco carioca LGBTQIA+ Toco-Xona, nossa multiartista lançou clipe que fala sobre a comunidade, abordando os sentimentos de uma mulher aberta às possibilidades de afeto, mas que não consegue permanecer em “Louva Deusa”, faixa de seu terceiro álbum, “Letrux como Mulher Girafa” (2023). “Desde que me entendo por gente – e isso começou com 19 anos, quando entrei no teatro e conheci gente diferente do padrão normativo tijucano, ficou muito claro pra mim que todo ser humano é bissexual. Com maior ou menor inclinação na escala Kinsey (esse filme vale muito ver “Kinsey – vamos falar sobre sexo”), acredito na fluidez de desejos e estamos aí saindo das gavetas que foram tão impostas durante décadas. Desde os primeiros shows de Letrux, percebi que o público LGBTQIA+ comparecia em peso aos shows. Fiquei feliz e minha banda também (há bis, gays, trans, pessoas não binárias na minha equipe) então, me é natural falar sobre isso, tratar isso na minha arte. É minha vida. E também sou muito inspirada pelas minhas amizades e também pelo meu público, ouço e leio cada história. Isso me inspira e felizmente, são pessoas diversas, fora da caixinha”, me contou a diva, por e-mail, que dá mais aulas nesse artigo sobre o tema aqui.
No clipe, escrito e dirigido a quatro mãos com o cineasta Pedro Henrique França, ela aparece com pinta de analista, anotando tudo, e contracenando com Alice Carvalho, Andréia Horta, Kika Sena e Pedro Caetano. O clipe fala das angústias de uma geração em busca de afetos que se desencontram. “Essa é uma canção que fala sobre a dificuldade em comunicar para alguém que você não sente o mesmo que aquela pessoa sente por você“, conta Letrux. “O louva-deus é um animal cuja fêmea devora o macho após o ato sexual. Brinquei com essa sensação da paixão não correspondida, mas o ato sexual sim. Mas, após o ato, o fim. A morte. Virar comida“, diz.
É bem legal ver artistas queer estourarem a bolha. Depois do sucesso relâmpago de Zaynara, afilhada de Joelma que explodiu com o hit de beat melody “Quem manda em mim”, uma dupla queer formada pela mulher trans paulistana Traemme e seu namorado, Kako, bombou a minha timeline com o forrozinho pop “Sou eu”, versão de “No Air”, de Jordin Sparks e Chris Brown. “A sociedade não está acostumada a ver pessoas como eu, em um lugar de afeto, mostrando que podemos ser amadas e respeitadas é quebrar o ciclo de que travesti só existe na prostituição”, analisa a cantora. A dupla é destaque da minha playlist de fevereiro na Revista Híbrida, que ainda destaca o álbum de pagode de Ludmilla, o “Numanica 3”, EPs de Romero Ferro, Josyara e S4tan e singles de Leopold Nunan, Diego Martins, Pepita, Mel Gonçalves e Raquel e Caio e Daniela Mercury.
A tour de despedida do Sepultura, “Celebrating life through death”, passa por Jufas nesse sábado (2), às 21h, no estacionamento do Cultural.
O cantor e compositor Valber Meireles faz show de lançamento de seu décimo álbum, “Moendagem”, neste sábado (2), às 19h30, no Teatro Paschoal Carlos Magno
Com o tema “Perifa é voz, Perifa é nóis”, o Coletivo Vozes de Rua promoverá o Slam de Perifa no sábado, 2 de março, às 14h, na Rua Major Olimpo Duarte 135, bairro Santa Cândida.
Neste sábado (2), Marina Lima apresenta o show “Uma noite com Marina”, às 19h, no Hotel Emiliano do Rio de Janeiro.
Ainda tem ingresso rolando pra data extra da banda de punk rock americana Bikini Kill, dia 14, às 18h, na Audio, em São Paulo.
A mostra “Entre cores e texturas”, de pintura abstrata, da artista plástica Adélia Sena, está em cartaz no Fórum da Cultura.
O projeto “Yoga no Museu” retoma ao Museu Mariano Procópio a partir deste sábado, 2, às 10h30. A partir da próxima terça-feira, 5, o parque abrirá as portas à noite para uma caminhada, das 18h às 20h, de terça à sexta-feira, para quem participa do Clube de Caminhada.
Dois grandes shows foram anunciados essa semana. Jorge Vercillo passa por aqui com a Turnê JV30, em comemoração aos 30 anos de carreira, dia 12 de junho, no Cine-Theatro Central. E a banda Natiruts anunciou a turnê de despedida “Leve com você”, que passa por Jufas no dia 22 de junho, no estacionamento do Estádio Municipal.
Playlist com as novidades musicais da semana, que consolida às 2h da sexta. Todas as playlists de 2023, 2022, 2021 e 2020 nos links
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