Motoristas de aplicativo e taxistas de Juiz de Fora que transportam com segurança e conforto usuários até as biqueiras
por Fidalgo Cruz
ilustração: Tereza Salgado
“Eu já usei, não uso mais (pó). Anfetamina de vez em quando, nos finais de semana.” Orlando tem 52 anos, doze pilotando um sedã amarelo, e, entre rolês na madrugada, sempre retorna ao ponto do “coração”, na parte baixa do centro.
“Ninguém saca melhor da noite que os trabalhadores noturnos, nós transportamos de tudo!” Marcos tem 32 anos, quatro pilotando um renault prata, revezando entre chamadas de dois aplicativos, 99 Taxis e Uber.
“Verdade seja dita: todo mundo usa droga!”. Péricles tem 18 anos, seis meses de Uber e dez de loucura. “Bebo, fumo, cheiro e é isso. Tô rodando virado pra pagar meu consumo, no momento não lucro, só curto.”
“Aqui em Juiz de Fora, quando eu preciso eu mesmo pego ou ligo pro dealer, né? Lá em BH, uma vez o motorista ficou me esperando para subir na favela e buscar. Na verdade, quem trabalha com isso o dia todo já conhece essa movimentação e sabe que a galera que vai fazer corre é super de boa, aliás, mais de boa que a galera que tem um pensamento mais conservador, que é uma galera mais estúpida e escrota. Os doidão são os mais tranquilos.” Gustavo, 31 anos, motorista (e usuário) da Uber em Belo Horizonte, atualmente em Juiz de Fora.
“Uma vez, uns 6 anos atrás, teve uma confraternização da minha turma de inglês lá no XXX e a professora era metida a roqueira coisa e tal (isso me motivou). Quando acabou a festinha, eu pedi uma carona pra ela e dei o endereço da boca, quando ela se tocou eu já tava com um papel de vinte na mão. Ela nunca mais falou comigo”. Frank, ex-viciado, abandonou o curso de inglês aos 40 anos.
Na madrugada juiz-forana, mesmo em pandemia, nossas fontes afirmam que o fluxo de passageiros até a biqueira oscilou pouco, mas já está no gás novamente. Para preservar a integridade das bocas de fumo, nossa reportagem vai omitir as coordenadas geográficas.
Por ser tratar de um estimulante, é plausível que as corridas noturnas até as biqueiras, em sua maioria, seja para comprar pó e, quando questionados sobre batidas policiais, o jovem Péricles resumiu “se tem polícia na rua, a boca é a primeira a fechar e daí é outro corre”.
Eu também uso!
Em 2017, Gustavo se cadastrou como motorista de aplicativo em Belo Horizonte. Lá, trabalhando na noite, perdeu a conta de quantas vezes visitou as biqueiras. Hoje, em Juiz de Fora, sua experiência comprova que Jufas não fica atrás da capital mineira no quesito tóxicos.
Gustavo
Frank está sóbrio há 70 dias (faltam vinte para o pó sair do corpo) e nunca teve vergonha de pedir a corrida, pois a hora do corre sempre coincidiu com o ápice da bebedeira. “Chegava no ponto ali no centro e perguntava se rolava de ir no XXXXX e sempre rolava. Teve até uma vez que um taxista furou a fila e me pegou na frente. Daí o colega dele gritou: — eu também levo! palhaço.”
“Eu sempre acho muito tranquila a corrida aqui em Juiz de Fora, dou pala e tal. Lá em BH é um pouco mais tenso. Porque se saísse da Serra e fosse pra outra favela, já era mais perigoso. A Serra é mais liberal! Em BH tem o drive thru, né? Então quando rolava esse tipo de corrida era só eu parar no acostamento da via e o próprio cliente fazia a transação”, conta Gustavo.
Juiz de Fora é uma cidade peculiar e bastante louca, onde até a cena do reggae cheira, nossas tradicionais bocas de fumo funcionam a décadas nos mesmos locais e contam com um sofisticado (e não muito secreto) sistema anti-tiras, capaz de evaporar com qualquer entorpecente/comerciante em poucos segundos e, quando isso rola, é necessário disposição e faro para encontrar um pino de qualidade madrugada adentro. “Daí é corrida fechada!”, quando o passageiro combina um valor fixo até encontrar a drogas em locais adjacentes.
Cuidado com o tombo!
“Por eu usar droga também, eu acho as coisas bem tranquilas, eu fico dando pala e conversando com a galera, porque eu já sei o que elas vão fazer e eu não tenho essa nóia de achar que vão me roubar ou que é uma galera má índole, né? Mas eu já ouvi umas histórias assim, na maioria das vezes das mulheres, que elas pediam pro motorista esperar e quando voltava o cara tinha deixado elas pra trás, sacou? Muitos motoristas, quando sacam o movimento, entram numa negociação com a galera e pedem o dinheiro antes, da ida quanto da volta, meio que pra garantir”, conta Marcos.
Abordamos também alguns motoristas mais “conservadores” que se sentiram ofendidos ao serem questionados sobre a corrida maluca, e o papo morreu depois de uma associação leviana dos passageiros “nóias” e o comunismo. Risos.
Novamente, o Baixo Centro é a favor da legalização de todas as drogas, inclusive o crack.