A falsificação de cerveja em Juiz de Fora chega nas artesanais.
por Fidalgo Cruz
ilustração: Márcia Levain
Belmiro e Alex, pai e filho, pilotam panelas gigantes nos fundos de uma casa classe média na zona sul de Juiz de Fora. Um cheiro forte da fermentação divide o ar com a fumaça de um palo santo, queimando na beirada da janela de vidro canelado, abarrotado de adesivos ressecados do então candidato a prefeito Custódio Mattos em 2009. “Sabe o que é mais engraçado nessa moda tudo?”, pergunta Belmiro, arrastando uma havaiana no chão ladrilhado bordô até a beira da porta, que olha com desconfiança a cada quinze minutos. “Eu tô sozinho”, respondi pela vigésima vez. “O mais engraçado disso tudo é que surgiu esses caras barbudos, entendidos de cerveja, certo? [ironia] Pra você ter noção, a gente falsifica cerveja e abastece os bar da cidade, antes de existir a Ambev e eu nunca vi, nesses trinta e tantos anos, esses tipos, barbudos… parece fantasia…”
Alex corta a palha de um paiol e senta na beira da escada chegando perto da nossa conversa. “Quer ver? Que cerveja você bebe?”, Belmiro me provoca. “Eu bebo qualquer uma”, respondi. “Das convencionais, qual que é? Você tem quantos anos? Trinta? Se for, você pegou esse momento sem artesanal. Qual você tomava?”. “Eu gosto de Antarctica”, respondi. “Puta que pariu, Alex, olha esse cara!”. Antes da tréplica, Belmiro assoviou para um conhecido que dava pinta no portão reforçado com tela de galinheiro no final do corredor estreito que ladeava a casa (certamente o maior e mais irritante assovio que ouvi na vida) e saiu galopando na havaiana surrada. “É a favorita dele também, agora você ganhou moral” disse Alex.
A Ambev nasceu da fusão entre as então concorrentes Companhia Antarctica Paulista e a Companhia Cervejaria Brahma, do Rio de Janeiro, em 1999, se tornando a maior cervejaria do mundo, e foi antes disso, no século passado, que Belmiro cresceu exponencialmente nos negócios, alimentando a família de seis filhos, mulher e sogra.
Antes de entrar na fabricação craft de cervejas, Belmiro comandava o “entreposto”, uma fabriqueta focada em adulterar lotes de cervejas pilsens (skol, brahma…), através de misturas com marcas mais baratas ou, em demandas urgentes, a diluição com água, oferecendo no mercado preços melhores que os das próprias fábricas, com uma vasta clientela de bares que competiam selvagemente no nicho universitário. “Estudante bebe qualquer coisa, né? Se botar mijo pro cara ele bebe e fica lá felizão jogando conversa fora (…) Mas esse negócio de puro malte atrapalhou demais.” .
Primeiro veio a Heineken
Alex trabalha com o pai desde os onze anos e diz que viu o negócio do pai passar por muita coisa, e que “a coisa apertou mesmo” com a chegada da cervejaria holandesa, Heineken. “O caçula (dos seis filhos), é o que tem mais tino, ele que me antecipou esse negócio da cerveja amarga”, conta Belmiro. “Virou moda beber Heineken, mas também… é gostosa, né? E todo mundo achou que é gostosa porque é puro malte, mas num é só isso” diz Alex, antes de ministrar rapidamente um workshop de estilos.
A abertura do mercado com a introdução de produtos tidos como especiais ou gourmets, somado ao fenômeno da gentrificação dos botecos clássicos da cidade, colocaram o “entreposto” de Belmiro em uma grande sinuca de bico, com a menor diferença de valor entre cervejas “comuns” e maior diferença entre as novidades (artesanais ou puro malte), que também têm maior valor agregado. “Quem paga sete reais numa garrafa, paga oito, paga nove, né? Então não compensa mais diluir ou misturar (…) sem contar os barbudinhos cagando regra e falando do sabor”, complementa.
Alex convenceu o pai a aprender a cozinhar cerveja em casa a partir de kits comprados na internet e a ideia de entrar no mercado por vias piratas foi inerente. “Hoje a cidade tem duas ou três marcas mais conhecidas de cerveja artesanal local, né? E se você botar pra vender um barril num bar lá no Jóquei (bairro da Zona Norte de Juiz de Fora) um chope genérico e amargo, mas dizendo que é do XXX XXXX, dos caras ali do São Mateus, dá pra cobrar mais caro, né?” debocha Belmiro, agora falando como um mestre cervejeiro, e se autodeclarando inimigo número um das cervejarias hype da cidade.
A cultura craft beer enfim começa a ganhar traços locais, deixando de ser uma vaga importação mercadológica e brindamos! Com a Antarctica gelada que Belmiro trouxe trincando da cozinha, “Antarctica ORIGINAL, melhor cerveja”, sorriu, virando o copo.