por Eduardo Bento
fotos de Ian Dias e Eduardo Bento
Este texto é uma prévia da revista JF LANCHES, que tem o objetivo de quebrar tabus culinários e combater a gentrificação na região central de Juiz de Fora. Após destruir reputações da alta gastronomia em artigos assinados sob o pseudônimo de Kib Lorraine, o crítico Eduardo Bento passou os últimos anos petiscando os mais saborosos lanches à venda no centro de Jufas e agora compartilha suas impressões com os leitores do Baixo Centro.
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TUtti Sucus
Rua Marechal Deodoro, 444, loja 112 (Marechal Center)
Fundada em 1988, a Tutti Sucus é reconhecida nacionalmente pela invenção do cigarrete – nome comercial de um enroladinho frito envolto por lascas de parmesão que potencializam a crocância. Eis um exemplo de como o jornalismo gastronômico brasileiro está guloso e preguiçoso, incapaz de compreender a gênesis de lanches icônicos.
Por volta de 1986, no bairro Alto dos Passos, João Déde, então proprietário da lanchonete Banana Split, tentou fazer a sua versão de um assado italiano recheado com queijo e presunto. Para manter o salgado fechado em altas temperaturas, João projetou um cinto de segurança com a própria massa – nascia a versão juiz-forana do enroladinho de presunto e mozzarella, iguaria facilmente encontrada em outros estados com variações no formato e principalmente na nomenclatura, sendo chamado de joelho, pão pizza, italiano, americano, bauruzinho et cetera. Das aparas que sobravam da massa do enroladinho, o Criador fez o cigarrete, e levou ambos para um paraíso chamado estufa. Como era de se esperar, os clientes não resistiram à tentação.
Ainda nos anos 80, a família Déde vendeu suas três lanchonetes no Alto dos Passos e migrou para o Centro, inaugurando o Mister Sucus e finalmente a Tutti Sucus. Após diferentes composições societárias, firmaram parceria com Roberto Tolomelli, que também já acumulava experiência no ramo. Era o início da dinastia Tutti, reconhecida por alçar o IDH de Juiz de Fora ao top 10 de Minas Gerais, de acordo com ranking da ONU.
Os fritos e assados equivalem a uma refeição. Muitos fregueses precisam de garfo e faca para manusear o cigarrete, cortando rodelas deste pequeno rocambole que faz parte dos hábitos alimentares dos povos às margens do Rio Paraibuna. Além das citadas receitas autorais, a Tutti Sucus se destacou por importar tendências de outras cidades, como sanduiche natural, suco de açaí e de outras frutas do norte, numa época pré-redes sociais, quando o olhar atento dos sócios em suas andanças pelo Brasil conferiu um frescor adicional ao cardápio.
No início dos anos 00 foi realizada uma divisão societária considerada por historiadores como o Tratado de Tordesilhas dos salgados a varejo. Àquela altura, o fundador João Déde já havia inaugurado a primeira Tutti Frutti na Galeria Pio X, empreendimento que abriu outras duas unidades no Centro. A Tutti Sucus original, no Marechal Center, ficou sob os cuidados do sócio Roberto Tolomelli. Atualmente, os quatro CNPJs são independentes e permanecem inspirando concorrentes que emulam seus mobiliários e vendem “salgados genéricos” sem o padrão Tutti de qualidade.
Três décadas e toneladas de enroladinhos depois, percebe-se que o nome Tutti Sucus foi a escolha perfeita para esta lanchonete emblemática: mistura italiano, que remete à tradição de comida farta, e latim, idioma oficial do Vaticano e língua mater que influenciou um amplo espectro de descendentes.
Eduardo Bento é ghostwriter da editora Papelote, cofundador do selo Pug Records e CEO da rádio proselitista database.fm. Escreve por hobby ou por lobby e nunca fez curso de escrita criativa.