Para receber um livro em casa e doar outros 350 livros a crianças, jovens e adultos do Centro Cultural Dnar Rocha e a 50 adultos usuários do serviço de combate ao Tabagismo do SUS, basta participar da campanha com R$ 90
O livro de artista “Vai, caminhante”, do jornalista mineiro Fabiano Moreira, 49 anos, é um projeto multidisciplinar, um formato híbrido de livro, álbum de figurinhas autocolantes, tabuleiro com quatro sugestões de jogos de imaginação criados pela arte-educadora Nathalia Serra, exposição fotográfica e trilha sonora de mais de 4h com músicas que falam sobre caminhar, andar, seguir em frente. Esta segunda edição é uma ampliação de conceitos a partir de uma primeira, limitada a 50 exemplares, lançada em julho de 2022, pela Sala da Casa, com edição da jornalista Mariana Bretas e projeto de Nathalia Serra, dentro da tese de pós-doutorado da Mariana foi “Sala da Casa – da escrita urbana à floresta, o livro de artista”, no Instituto de Artes e design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com lançamento no Memorial da República Presidente Itamar Franco, da UFJF. Esta segunda edição tem curadoria do arquiteto e professor da UFJF Marcos Olender, que tem história com a preservação do patrimônio e ministrou a disciplina Civilização Contemporânea ao autor, nos anos 90, quando apresentou a figura do flâneur. O projeto gráfico dinâmico é de Ricardo Lima.
O jornalista acaba de lançar uma campanha de crowdfunding, na plataforma Evoé, para a publicação de uma tiragem de mil livros, sendo que 400 deles serão doados. Serão 350 livros a crianças, jovens e adultos que frequentam cursos de artes no Centro Cultural Dnar Rocha, da Prefeitura de Juiz de Fora, e mais 50 livros a usuários do Serviço de controle, prevenção e tratamento do Tabagismo (Secopt) da Secretaria Municipal de Saúde, no Pam-Marechal, aonde o autor fez seu tratamento para parar de fumar, ponto de partida do projeto. A caminhada foi indicada no tratamento.
As figurinhas são fotografias que o autor tem feito por caminhadas por Juiz de Fora, há cinco anos, e a seleção inclui imagens feitas entre 2020 e 2023. ”Parei de fumar apoiado pelo hábito de caminhar, enquanto me perco e me encontro, em uma caminhada meio filosófica pela cidade. Essas caminhadas foram fundamentais também no processo de enfrentamento da pandemia”, conta o jornalista. A ideia do livro de artista é que cada exemplar seja uma obra de arte. Por isso, o álbum, uma espécie de mapa dobrável, foi feito com imagens do Coletivo Agrupa, de estudantes e professores de arte da UFJF, recriando mosaicos e murais característicos de Juiz de Fora, como os de Portinari, Di Cavalcanti e Guima. Esses mosaicos foram produzidos em rede, durante a pandemia, período no qual foram capturadas a maioria das fotos do livro, entre 2020 e 2023.
As imagens foram divididas por editorias, embaralhadas nos pacotes de figurinhas e reagrupadas nessas categorias no álbum plano de figurinhas, “Juiz de fora mon amour”, com o patrimônio histórico tombado, “#jufascasas”, com as casas da afetividade que celebram a ideia de uma vida horizontal, “A rua fala”, com pequenos textos na cidade e também imagens que falam por si, “Arte de Rua”, com grafites, lambe-lambes e pixações, “Artistas” com quem o autor esbarrou em suas andanças, “De rolê”, com dicas de passeios e programas pela cidade, “Paisagens” e “O Flâneur”, com registros que sugerem a presença do jornalista, sempre de forma enigmática, como um observador.
As cem imagens já foram selecionadas pelo curador do livro, Marcos Olender, que foi professor do autor, na UFJF, em 1993, quando apresentou a figura do flâneur, motivo da conexão afetiva com o projeto. Flâneur significa “errante”, “vadio”, “caminhante” ou “observador”. Flânerie é o ato de passear. O flâneur era, antes de tudo, um tipo literário do século 19, na França. Foi Walter Benjamin, baseando-se na poesia de Charles Baudelaire, que fez dessa figura um objeto de interesse acadêmico no século XX, como um emblemático arquétipo da experiência moderna. Além dessa conexão, Olender também é um conhecido defensor do patrimônio histórico e arquitetônico da cidade.
A ideia é projetar essas imagens, com um projetor portátil e uma caixa de som portátil e um microfone de lapela, ao som da playlist andarilha, para mostrar o projeto e concluir a campanha de financiamento.
Jogo
A arte educadora Nathalia Serra irá criar quatro jogos educativos para serem jogados com o livro: “Jogo das memórias”, “Conte uma história”, “Conquiste um tema” e “Este jogo também é um mapa”, com uma caça aos pontos fotografados.
Mais sobre os capítulos
Juiz de Fora, mnon amour
É uma declaração de amor à cidade e ao seu patrimônio histórico tombado, que remete à época quando a cidade era chamada de Paris dos pobres. O título dessa seção é uma referência e uma homenagem à campanha “Mascarenhas, mon amour” e à defesa do patrimônio empreendido pela família Bracher, especialmente Nívea, que batizou o movimento, e Décio, que contaram essa história ao autor no Castelinho dos Bracher. Tem platibandas, a vila militar no Poço Rico, lindo casarão em ameaça e outro, já demolido, no Mariano Procópio, a Batista de Oliveira, a casa de Anita, sozinha, contra a especulação imobiliária, o Cine-Theatro Central, a Praça da Estação, o Morro do Cristo, as casas modernistas, o vitral de Dnar Rocha na galeria Pio X, o Museu Mariano Procópio, o Castelinho da Cemig, os azulejos de raposinha do Círculo Militar, o Instituto de Laticínios Cândido Tostes, a capela da Santa Casa e a cidade pulsando em tudo.
A rua fala
Nesse pacote de figurinhas, a ideia é destacar pequenos textos e frases percebidos na cidade e também mostrar imagens que falam por si mesmas, sem palavras, mas com igual ou superior impacto. Tem imagens tocantes, como a loja que conserta televisores e os empilha, no Bonfim, o cachorrinho salsichinha na vitrine do Manoel Honório, a placa do vendedor de escadas, a diagramação intuitiva de cardápios, a pintura italiana de Jesus em uma casa improvisada na linha férrea, o design inventivo do ambulante com caixas de chiclete, um grafite galanteador, a fé do povo, uma chuva de sombrinhas na Rua Halfeld, os manequins saídos de uma capa do Kraftwerk e os cachorrinhos que são pet de moradores de rua. Tudo parece falar, já ouviu?
De rolê
Esse capítulo se inspira na música de Galvão, dos Novos Baianos, “Dê um rolê”. “Não se assuste, pessoa”, com a vida boa nos rolês por Juiz de Fora, uma festa Súbita no Museu Ferroviário com o relógio da Praça da Estação como testemunha, as lixeiras alinhadas ao Cristo Redentor no calçadão da Rua Halfeld, a mineiridade cool do restaurante O Reza Forte, a vista deslumbrante da cidade desse tesouro que é o Mirante São Bernardo, o dia quando o autor enlouqueceu, na pandemia, e subiu o Morro do Cristo a pé, a coxinha de rabada do extinto Ruela, a volta dos pedalinhos ao Museu Mariano Procópio, o caipimate do Meiuca, a beleza esplendorosa do Jardim Botânico da UFJF no Santa Terezinha, o IAD da UFJF, que é a nossa Disney, a velha fábrica da Mascarenhas, o Fórum da Cultura, o Parque da Lajinha, o Parque Municipal, a Praça da Baleia e, no Mariano Procópio, o Bar Deu Certo, ao menos pro dono, que gosta de se trancar no estabelecimento.
Arte de rua
Este pacote é uma tentativa de registrar e eternizar essa manifestação artística tão transitória, a arte de rua, com grafites, lambe-lambes e pixações. A seção destaca nomes como Stain, o Basquiat de Jufas, artista autodidata que criou o Espaço Hip Hop, no vão do Viaduto Helio Fadel, Pekena Lumen, que encantou o Espaço Hip Hop, a Praça da Melquita, a Marechal com a Getúlio Vargas e o Milho Branco, o Gloobmund no Ladeira, na Floriano Peixoto e na Avenida Brasil. os letterings que me fascinam, o personagem amarelo que o Manu Lira espalha por aí, David Medusa, o misterioso artista que perdeu a sanidade e desenha obscuridades no Manoel Honório, as sereias e ovários da Didi BigArt, o mosaico de azulejos do coletivo Agrupa na UFJF, o grafite arquitetônico da Medina e os talentos de Bula Temporária, Tenxu e muito mais.
Artistas
Esse pacote de figurinhas foi marcado por encontros com artistas que fui assistir ou me atravessaram o caminho nas andanças, com Manu Lira no Carnaval do Espaço Hip Hop, Caetano Brasil e Bia Nascimento na porta do Cine Theatro Central, Carlos Bracher pintando a plateia do Cine-Theatro Central ao som da Orquestra Pro Musica, Marcos Marinho e seu amiguinho de papel em um barquinho de papel no MAMM, Pekena Lumen em uma ação da UGC Crew que pintou um quarteirão do Milho Branco, Fernando Priamo fotografando a Rio Branco para a Tribuna de Minas, Josimar Freire, o Gramboy, na Sala da Casa, Cesar Brandão no Museu de Arte Murilo Mendes, Leo Ribeiro na Reitoria, César Brandão pintando o Museu Ferroviário, RT Mallone fazendo freestyle no Museu Mariano Procópio no Dia da Consciência Negra, Sil Andrade no aniversaário do Museu Mariano Procópio, Sol Mourão no Ballroom no Miss Gay, e Stain, nosso Basquiat, pintando a placa do Centro Cultural Dnar Rocha, no Mariano Procopio, Tuta Discotecário na Bolha Verde Casa de Criação, Marcellus Reoli e Kureb na festa Súbita no Museu Ferroviário.,
Jufas Casas
Esse capítulo virou até uma hashtag colaborativa com fotos de pessoas que, inspiradas pelos registros, começaram a postar fotos de casas da cidade no Instagram. A ideia é valorizar as casas comuns da comunidade e denunciar a especulação imobiliária a partir da celebração dessas construções, como a da Rua Tietê, em São Mateus, aonde o autor cresceu em casa com quintal, galinheiro e pés de fruta. “Acho que nos aproxima de melhores tempos e sentimentos, uma cidade melhor pra se viver, como diz a canção do Mamão”, analisa o autor.
Paisagens
Pacote mais curto, com poucas imagens, mas belas, de pôr-do-sol estonteantes sobre o Rio Paraibuna, na ponte do Manoel Honório, a vegetação na margem do rio e o florescimento do ipê rosa, sempre um acontecimento.
O flâuner
São registros que sugerem a presença do autor, sempre de forma enigmática, em suas andanças.
O hábito de caminhar também levou ao costume de alimentar playlists, algumas com bastante seguidores. Mais uma vez, nomeei um projeto meu com título de canção dos Mutantes que amo tanto, depois do fanzine Bat Macumba, dos anos 90. Fiz um top ten da playlist andarilha
Um clássico da andarilhagem, “Andança”, na versão modernizante da Luana Carvalho, a filha de Beth Carvalho, que imortalizou a canção e a catapultou a todas as rodinhas de violão da galáxia. Nessa versão, tem essa guitarra falante de Pedro Sá que arrepia.
“Caminhante noturno”, dos Mutantes,, que batiza o livro com o vocativo “Vai, caminhante”, é uma andada bem psicodélica, mutante, puro suco do Tropicalismo, um chá pra gente se acha
Por uma caminhada contracultural pelo lado selvagem, “Walk on the wild side”, de Lou Reed. Essa canção marcou uma geração e está no segundo álbum solo do artista, “Transformer”, de 1972, produzido por David Bowie e Mick Ronson. A canção é um hino da geração beatnik e inovou ao falar de pessoas transgênero, prostituição masculina, sexo oral e uso de drogas ilícitas. É a balada dos desajustados e dos excêntricos, perto do coração selvagem
“Um passeio no mundo livre” sou eu andando com as menines de eletricidade com o mangue bit de Chico Science e Nãção Zumbi. Esse disco formou meu caráter. “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”, é uma definição atualizada da Flânerie.
“Princesinha de Minas”, do Mamão, na voz de Sil Andrade, para falar dos encantos da terrinha no capítulo “Juiz de Fora mon amour”
“Andar com fé”, de Gilberto Gil, que a fé não costuma falhar, canção que foi lançada em 1982, no disco “Um Banda Um”.
“Walk of life”, que quase ficou de fora do álbum “Brothers in Arms” dos ingleses do Dire Straits, e foi um dos grandes hits da banda
“Diz que eu fui por aí”, e se houver motivo, é mais um samba que faço com Nara Leão, que foi a primeira a gravar essa grande canção de Zé Keti e Hortêncio Rocha, sobre a vida de um boêmio
E a caminhada filosófica de Candeia, deixe-me ir, preciso andar, vou por aí, a procurar em “Preciso me encontrar”.
“A estrada”, do Cidade Negra, também caminha nessa estrada da filosofia. Você não sabe o quanto caminhei
O primeiro livro
O livro de artista “Vai, caminhante” é o desdobramento de uma primeira edição artesanal, homônima, publicada, em julho de 2022, pela Sala da Casa, com edição da jornalista Mariana Bretas e projeto de Nathalia Serra, com 50 exemplares, com lançamento no Memorial Itamar Franco.
A tese de pós-doutorado da Mariana foi “Sala da Casa – da escrita urbana à floresta, o livro de artista”. Ela abriu o laboratório Sala da Casa, em São Mateus, e lançou mais dois livros de artista de César Brandão e Josimar Freire, o Gramboy.
“Quando a Mariana disse que queria publicar um livro com as minhas fotos, eu me espantei. Eu estava só caminhando e lambendo as minhas feridas, tinha adoecido, e a caminhada fazia parte do meu processo de cura e também de parar de fumar. Quando fui salvar as fotos, vi o tamanho do projeto e de como estava contando histórias urbanas com estas imagens, que falam muito sobre mim, mas também sobre todos nós”, conta o autor.
“O livro ordenava algumas das minhas fotos da vida urbana de Juiz de Fora. Tracei várias rotas com 1h30 de duração, a partir da minha casa, no Bonfim, rumo ao Poço Rico, à Rodoviária, ao Mariano Procópio, Vitorino Braga, Granbery, Alto dos Passos, Bom Pastor”, continua.
O projeto da Nathalia Serra emula as dobraduras dos mapas de viajantes e também o origami. Abrir esse livro e fechá-lo de novo é o novo cubo mágico da modernidade.