100 Anos do Museu Mariano Procópio: esquecer para lembrar

Por José Hansen

Todo museu é um portal temporal, te leva aos mais diversos entroncamentos no espaço-tempo, mas se seu destino final não é o futuro, não serve pra nada

Maria Pardos – O Pensativo sem data (Óleo sobre tela, 66×57,5 cm)*

No dia de comemoração do primeiro centenário de um museu, escolhi não falar sobre a grandiosidade de seu acervo, mas de uma personagem pilar de sua existência. Maria Pardos (1866 – 1928),  era uma espanhola que veio para o Brasil como dançarina e se radicou na cidade do Rio de Janeiro, participou ativamente do circuito das Exposições Gerais de Belas-Artes e lá foi premiada diversas vezes.

Mas, por que falar dela no aniversário do Museu Mariano Procópio? Porque Pardos desempenhou um importante papel na construção do museu. Hoje sua memória, junto com tantas outras, comemora seu aniversário sob a poeira do esquecimento, que se acumula dentro de um museu fechado. 

Maria Pardos – Pillar s/d (OST, 60,5 x 50,5 cm)

Lembrar a história dessa artista nos faz pensar sobre o lugar da mulher nas camadas sociais mais ricas no começo do século XX, a “alta sociedade”. Pardos tinha uma relação com Alfredo, filho do Mariano Procópio, esse que dá nome ao bairro e ao museu, mas antes disso era mulher, artista e imigrante. Essas três características juntas eram incompatíveis, tanto com a família Ferreira-Lage quanto com o ensino formal das artes acadêmicas no Brasil.

Pardos foi aluna de Rodolpho Amoedo entre os anos de 1913 e 1918, não matriculada formalmente na Escola Nacional de Belas Artes, ao que tudo indica foi estudou no atelier do artista e em seu próprio ambiente doméstico. A academia não era lugar para uma mulher.

 O acervo do museu possui uma série de estudos da artista que devido a impossibilidade de desenhar modelos vivos, se baseia inteiramente em reproduções de modelos de gesso. 

Maria Pardos – Estudos Diversos

Se sua relação com o fundador do Museu Mariano Procópio nunca foi oficializada em vida, pode ser constatada por meio de diversas homenagens póstumas. Alfredo Ferreira-Lage, atesta seu relacionamento com a pintora batizando um dos salões do Museu com seu nome e encomendando um busto a Modestino Kanto. Após a morte da artista, adiciona o sobrenome “Lage”, ao nome de Maria Pardos em seu autorretrato. Seria arrependimento? Hoje pode ser considerado um abuso? As alterações póstumas pouco ou nada importam para os desprovidos de vida, mas o contrário é verdadeiro para os vivos e para aqueles que ainda vão nascer.

Modestino Kanto – Maria Pardos, 1931(Gesso, 55 x 38 x 28 cm)

Maria Pardos provavelmente exerceu grande influência na construção da coleção de Alfredo Ferreira-Lage, patrono e fundador do museu e personagem que cede seu nome à fundação de cultura de Juiz de Fora. A artista interrompeu sua carreira de pintora em 1919 o que indica sua participação na constituição da Galeria de Belas Artes, prédio anexo à vila e com vocação expositiva e museal de nascença. No acervo do museu podemos encontrar alguns de seus contemporâneos academicistas, prováveis colegas e conhecidos, como seu mestre Amoedo. 

O Caipira Violeiro (Óleo sobre papelão, 86 x 67 cm)
Serenidade, 1917 (OST, 61 x 52,5 cm)
Primeira Separação (OST, 121 x 80 cm)

Mais algumas pinturas de Maria Pardos no acervo do Museu.

O museu está fechado desde 2003, Maria Pardos não pode ser encontrada na wikipedia e nem em nenhuma pesquisa rápida sobre o museu. No site do museu, a associação de amigos tem destaque. Teriam os gestores papel maior do que a história da instituição? Pardos nunca foi oficial, nem no ensino nem em sua relação. Hoje, ainda não ganhou seu lugar institucional, mas seu registro material segue vivo.

Toda memória é fruto de escolhas que criam outros tantos esquecimentos. Que o museu sobreviva aos que lhe têm como propriedade, e que a história de Pardos viva hoje e sempre, apesar do século XX e das duas primeiras décadas do XXI.

 

*Todas as imagens utilizadas aqui foram retiradas do acervo digital do MAPRO. Esse texto é um recorte de pesquisa feita em 2017 para a execução de um projeto de exposição sobre a artista.