Crônicas de Juiz de Fora, cidade das construtoras

por Francesco Emiliani

Capítulo I –  Cidade das construtoras

De uns tempos pra cá, acordar cedo em Juiz de Fora deixou de ser romance, pelo menos pra mim, um imigrante vidinha média. Não tem nenhum café aberto ou salgado fresco nas estufas, e Nossa Senhora da Bicicleta sabe que, perto daqui, no China do centro, a esfiha ainda não desceu da cozinha. Agora são cinco e quarenta, então, é melhor sentar na praça e esperar a vontade dar uma volta no quarteirão. 

Gonzaga livrou-se do papelão e dos trapos, logo atrás do banco em que eu estava, despertou grato por uma noite quente e sem chuva, sem demais ocorrências na madrugada. Ainda de remelas na cara, olhou pra mim com sorriso de dentes miúdos, dois deles acavalando-se de um lado da boca, e expurgou um bom dia. 

A cidade ainda tinha um ar sonolento, com fiapos de névoa nas copas das árvores e passarinhos cantando na fiação caótica, quando ecoaram as primeiras marteladas nas construções, seguido do “bora lá” dito por Gonzaga. O operário, com certa sensação de vaidade e poucos traços de constrangimento, trocou de roupa ali mesmo, substituindo a Hering branca encardida e shorts de dormir por um conjunto azul de brim, ostentando a logomarca da construtora Rezato.

– Estamos aí! Dias de luta, dias de glória – foi dizendo, em minha direção, desamassando o cigarro, arquejante de ressaca, pedindo fogo. 

– Tenho não, irmão – respondi. Desiludido, olhou pro asfalto e, quando o caminhão azul Rezato passou, constatou que também era responsável pelas imponentes crateras na rua, algumas tão antigas que pareciam covas, com capim crescendo dentro, e, então, avistou um ser fumante descendo do ônibus, prestes a dar a primeira e mais importante tragada do dia. De cigarro aceso, encarou-me com disposição para começar o dia e, mais rápido que pude ver, desmontou acampamento, ajambrando tudo numa bolsa surrada de alças esportiva e acenou, como que até breve.

Sozinho, pensei no quão desgraçada seria a história de um operário que viaja da Zona Norte até São Mateus pra levantar, no braço, um prédio descomunal, capaz de abrigar milhares de pessoas em poucos metros quadrados, mas ele próprio tendo que dormir na rua. 

A primeira hora do dia útil acontece entre rumas de terra e brita, fumaça de caminhão levando terra, escavadeira cortando morro e ruas engarrafadas. Caminhei junto dos transeuntes espremidos na calçada, fluindo por qualquer buraco até chegar aonde quer que seja. Gonzaga no andaime, com colher de pedreiro na mão, encaixou o primeiro bloco do dia, tão alto que nem buzina chega. 

O céu tá azul, Rezato. Vai dar bom.

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