Carlos Adão: gasolina, tinta e sedução

Francis Hempi
publicado em 2015 no zine do inhamis

Em março de 2015, quando chegamos à capital paulista para rodar um documentário, Carlos Adão já era uma fofoca na grande São Paulo. Com mais de 160 mil vestígios em diferentes superfícies, Carlos construiu sua própria lenda urbana, dentro da semântica brasileña de amor, sexo e sedução. Percorremos marginais e rodovias atrás de depoimentos que iriam contribuir na construção de uma narrativa documental acerca do trabalho de Carlos Adão.

Após ouvir relatos sobre essa suposta lenda urbana contados por terceiros, finalmente fomos apresentados ao personagem, que merece um verbete no Dicionário do Folclore Brasileiro na vibe “Carlos Alberto Adão é um cidadão com aspirações políticas, artista plástico, performático, com senso de humor, que joga com a sabedoria de um economista e debocha com o que mais sintetiza sua existência: a autoconfiança”.

Antes de cursar bacharelado em economia pela FECAP (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) nos anos 70, Carlos carimbou certidões com o pai, foi boy, gerente de supermercado e amante profissional, inicialmente nos arredores do Butantã – nessa época ouvia-se falar da figura do Cão Fila Km26, do Juneca, mas eu estava ligado a música, não às artes plásticas. O filho mais velho dos 12 irmãos, grato aos pais e à generosidade da irmã mais nova, renegou o anonimato para ser alguém famoso.

Na faculdade, Carlos tentou o diretório dos estudantes. Perdeu, mas fez sucesso. Quando formado, derrotou uma japonesa em um concurso para bancário, fato marcante – ela achou que eu era nordestino. Nessa época, conheceu a primeira mulher e não era pra ficar junto mesmo – Carlos se casou para evitar um aborto, afinal se uma mulher é capaz de matar um filho, o que ela é capaz de fazer comigo? Depois disso, emplacou mais dois. Hoje, vive sozinho porque você já viu uma águia voar por aí com o filhote?

Meritocracia é um valor para o economista Carlos Alberto Adão, que começou na política como candidato a vereador de Taboão da Serra, na grande São Paulo, em 1996, pelo Prona. Por duas vezes foi candidato a depu- tado federal, pelo PC do B em 2006 e PRB em 2014.

Foi através da moda que o paulistano des cobriu o poder de deixar sua marca por aí. Ainda nos anos 70, ao assinar o nome em sua chuteira, o então craque na pelada do Tatuapé (sim, ele mesmo) esboçou o primeiro rough da marca que o consagrou. Carlos não queria só jogar bola, Carlos queria, também, mudar as regras do jogo – tem que aumentar o tamanho do gol para o jogo se tornar mais competitivo. Depois, em superfícies de madeira de demolição recolhidas no bairro Bela Vista, passou a espalhar timidamente a marca, fixando a madeira nos muros. Hoje, garante que chegou ao shape final da marca, depois de muito empirismo e instinto selvagem – o resultado é único, diferente, podem pesquisar…

Para entender Carlos Adão é preciso destrinchá-lo em torno do que ele chama de “plataforma da marca”, um conjunto de estratégias, grafismos e mídias que representa os dois sexos e transmite (só) coisas boas – tem gente que fica feliz em encontrar meu nome indo para o trabalho. É uma filosofia, porra.

Carlos Alberto Adão é um homem que acredita no jogo da vida e no poder do sexo, e levar tais conceitos ao pé da letra significa uma vida agitada, com uma produção intensa, financiada por atividades paralelas que beiram os laços hierárquicos da máfia: cobranças de aluguel e outras atividades ligadas ao setor imobiliário, comércio de motopeças, aposentadoria e acordo de cavalheiros. Dessa forma, Carlos Adão consegue ser o produtor executivo de sua obra, e pode mensurar o valor de cada veiculação da marca versus o número de pessoas impactadas.

Quem é Carlos Adão? Lenda? Fruto da minha imaginação?

Carlos Adão é uma marca, Carlos Alberto Adão é um media, um propagandista hipodérmico que não considera qualquer aversão do público receptor, impondo a marca no cotidiano daqueles que ainda não descobriram o sentido da vida.

Dar um rolê no Santana de Carlos Adão é uma experiência – os motoristas acenam e ele se emociona a cada abordagem, fato que fortalece o ego e alimenta a obsessão do senhor de 60 anos. A marca está pintada nas quatro faces do boné, nas costas do blazer e na traseira do carro. O fashionismo se faz presente quando veste camisetas de time e macacões com intervenção da marca para suas performances ao ar livre: Carlos Adão é instalação, durante o dia, de carro, em três atos: a escolha do lugar, o fundo preto e as letras verdes. A semântica das rodovias é recorrente em seu trabalho e provavelmente um grande diferencial na competição por reconhecimento e popularidade. Nas praças de pedágio, Carlos aciona as cornetas no capô, que tocam funk comportado para as garotas da cabine – ele é da cena rodoviária e conhece essas mulheres – canta todas, com respeito, por alegria, sem micaretagem. Mostra destreza nas alternativas de retorno e escapadas de semáforo, chegando ao destino sem usar o Waze. Depois, invade as areias de uma praia no Guarujá, no melhor estilo festa rave.

Em seu road movie, Carlos procura espaço entre as agendas de pixo da Paulicéia e, após cada ataque, retorna ao volante do Santanão, o “único carro que aguenta um pixador de verdade”.

Sem o hype do VHS, sem a nitidez do HD

Carlos Adão dialoga com nossas convicções e diverge em outras tantas (política, aborto, futebol, pronúncia de “rodoanel”, uso de pronomes), além de se contradizer em alguns pontos – normal, quando se trata de um personagem tão amplo e tão confluente de aspirações, que tem opinião para tudo, construindo um desafio quando se procura amarrar os pontos dentro de uma narrativa que seja fiel entre a convicção e compromisso com o cinema verdade (valeu, academia).

Carlos fez e faz questão de impactar pessoas, na melhor maneira possível, através de sua startup diferenciada, emanando amor hippie de uma colina em Taboão. Para delírio dos teorizadores da espontaneidade ou motivos do artista de rua, Carlos Adão provoca, subvertendo os valores primários da semiótica Peirciana: o amor é preto e verde. Ponto. Carlos picha tudo: coletâneas em DVDr com inserções da marca (entre clipes que variam de Fagner a proibidões), vestuário, carros, livros, posts de internet, hangout de ateísmo, campanha política, paródias musicais, garrafas de cachaça, calçados e acessórios, telas de quadro, galerias, construções, terrenos baldios e pedras de rodovia.

“A ideia não pertence à alma, a alma é que pertence à ideia.”
Charles Peirce

Como letrista popular, kitsch e vernacular, Carlos se faz subversivo, negando a máxima da arte para o povo – Carlos Adão é dicotomia! Um corpo e espírito que deixou as ruas para ganhar as galerias no tempo que a balela “arte ou vadalismo?”, “pixo ou picho?”, “grafite ou graffiti?” já tinha escorrido nos brushes da abertura de Malhação. Se foi ou não uma boa trepada, Carlos Adão é chapa quentíssima e está cheio de amor para dar.